Folha de S. Paulo
Na mesma semana, Brasil dá asilo a condenada por corrupção no Peru e vê Espanha negar extradição de bolsonarista
A culpa é da Constituição.
A contradição em potência dorme lá, no artigo 4º, que enumera os princípios
pelos quais o Brasil se rege em suas relações internacionais. Os incisos III e
IV mencionam a autodeterminação dos povos e a não intervenção, mas o X estampa
a concessão de asilo político.
Inconsistências emergem porque a decisão de dar asilo envolve sempre um juízo qualitativo sobre as instituições do outro país, o que pode ser entendido como uma violação à sua soberania e uma interferência em seu sistema político-judicial.
Nos últimos dias, assistimos a dois exemplos
dessa tensão. O governo Lula concedeu asilo a Nadine Heredia, ex-primeira-dama do Peru, horas depois
de ela ser condenada a 15 anos de prisão. Heredia é mulher do
ex-presidente Ollanta Humala, um aliado de Lula que também foi condenado aos
mesmos 15 anos por corrupção e
já está preso. É um caso ligado à Odebrecht.
Ao conceder o asilo, o recado que o governo
Lula, justa ou injustamente, dá a Lima é não consideramos seu Judiciário digno
de crédito, de modo que permitiremos que a ré se furte à aplicação da lei.
Como que a dar materialidade ao dito popular
segundo o qual pau que bate em Chico também bate em Francisco, o Judiciário espanhol negou a extradição do blogueiro
bolsonarista Oswaldo Eustáquio. A extradição fora pedida por Alexandre de Moraes, do STF. Eustáquio é
investigado por crimes contra a democracia.
Justa ou injustamente, a Justiça espanhola
julgou a brasileira e viu problemas. Para os espanhóis, o caso de Eustáquio tem
forte dimensão política e o investigado poderia ter sua situação prejudicada
devido a suas opiniões, razão pela qual negaram a extradição.
Não vejo muito como fugir a esse esquema. Na
hora de conceder asilo ou mesmo interpretar notícias, é inevitável fazer juízos
sobre os sistemas de Justiça. E não dá para pôr em pé de igualdade o Judiciário
na Noruega e o de Putin. Mas nosso STF deve ter ficado surpreso ao constatar que não é
visto lá fora como gostaria.
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