Folha de S. Paulo
Taxação mais elevada aos mais ricos não deve
ser vista como punição, mas como passo essencial para um ambiente econômico
mais equilibrado
Doutora em psicologia da educação (PUC-SP), é
socióloga e presidente do Conselho da Fundação Tide Setubal
Tem sido crescente a minha preocupação com
a concentração
de riqueza e o combate às desigualdades no
Brasil. Já me posicionei publicamente a favor da taxação
progressiva dos chamados super-ricos por meio de uma reforma
tributária que seja amplamente discutida com a sociedade.
Tenho atuado nessa causa articulando organizações sociais, pesquisadores acadêmicos e poder público. Nessa trajetória, estou convicta de que um dos caminhos eficazes para reduzir as disparidades estruturantes em nosso país é um sistema que atue como instrumento de equilíbrio, protegendo os que têm menos e fortalecendo a responsabilidade dos que mais podem contribuir —o oposto do que temos hoje.
Recentemente, o governo federal deu um passo
importante para corrigir essa distorção ao propor a isenção do Imposto de
Renda para quem ganha
até R$ 5.000 e o aumento da alíquota para os mais ricos. Em que pese a
ampla repercussão da proposta, o debate sobre a reforma tributária não deve ser
reduzido a uma questão fiscal ou de concessão de benefícios.
O que está em jogo é a construção de um
sistema mais distributivo e justo. Durante anos, a regressividade do nosso
sistema permitiu que os mais ricos pagassem alíquotas menores em proporção à
sua renda, aprofundando a desigualdade. Agora, o governo federal pretende
complementar as faixas e o mecanismo do imposto atualmente aplicado, que pode
resultar em alíquotas reais para os mais ricos até menores do que as aplicadas
sobre os mais pobres. A nova proposta caminha na direção certa ao defender a
implementação de um imposto mínimo para a população com maior poder aquisitivo,
promovendo um modelo efetivamente progressivo.
Nesse contexto, a taxação mais elevada para
os que possuem maior capacidade contributiva não deve ser vista como uma
punição, mas como um passo essencial para um ambiente
econômico mais equilibrado. Da mesma forma, a isenção do Imposto de Renda
para as camadas mais baixas não é um simples benefício —é um voto de confiança
na capacidade de ascensão social dessas pessoas. Um sistema progressivo permite
que aqueles que começam a ganhar mais passem a contribuir gradualmente, sem que
sejam tributados da mesma forma que os super-ricos.
Mas, se um primeiro passo da justiça
tributária pode ter sido dado com essa proposta do governo, cabe lembrar que,
sozinha, não será suficiente para transformar a estrutura de desigualdade do
país. Os privilégios, infelizmente, ainda fazem parte do funcionamento de
muitas das nossas instituições. Do ponto de vista da construção coletiva da
sociedade brasileira, a lógica da excepcionalidade para seguir regras e o
favorecimento de alguns em detrimento de outros ainda resiste a mudanças. Além
da reforma tributária, é preciso seguir transformando essa cultura do
privilégio.
No âmbito fiscal, que concentra parte do
debate, são muitos os pontos em que essas mudanças precisam acontecer. Um
exemplo são os supersalários
no setor público. Estudos recentes do Movimento Pessoas à Frente (MPF)
revelam que, em 2023, as despesas acima do teto constitucional, conhecidas como
"penduricalhos", custaram mais de R$ 11,1 bilhões aos cofres
públicos. Os supersalários de uma minoria representam um sistema de privilégios
incompatível com a realidade da esmagadora maioria dos brasileiros. O último
projeto de lei dedicado a mudar essa realidade acabou sofrendo muitas
alterações e pode servir mais como a consolidação de privilégios do que para
sua superação. É nítida a dificuldade de nossas instituições de corrigirem
esses tipos de distorções.
O caminho para um sistema econômico mais
justo e ético passa pela desconstrução da ideia de privilégio como algo
desejável. Pelo contrário, devemos incentivar que a verdadeira riqueza esteja
na construção de uma sociedade em que a realização pessoal não se faça à custa
do bem-estar coletivo, mas sim em harmonia com ele. É dessa forma que se
constrói um país mais justo e sustentável.
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