• Nem PT nem PSDB sairá arrasado das eleições
- Valor Econômico
Já afirmei que a campanha presidencial está tão agressiva porque quem perder perderá muito, talvez tudo. Será que o PSDB aguenta quatro derrotas sucessivas de seu projeto de nação? Será que o PT sobrevive de volta à oposição, depois que seu DNA se acostumou ao governo? Mas os resultados de primeiro turno, somados aos que teremos domingo, me fizeram mudar de opinião. Desde 2002 o eleitorado brasileiro, de maneira sistemática, escolhe candidatos de partidos opostos para cargos importantes. Em bom português, ele se recusa a deixar todos os ovos na mesma cesta. Em teoria política, isso se chama: Montesquieu; explicarei a seguir. De duas uma: ou os eleitores são loucos de manter vivo o confronto PT-PSDB, vitaminando ambos ma non troppo, ou seguem um padrão consistente e coerente. Vamos ver.
A agressividade tem razão de ser. Um dos dois grandes partidos vai chorar domingo à noite. Hoje, a seis dias da eleição, não se tem ideia de quem vencerá. Nem dá para confiar nas pesquisas, depois que erraram tanto na votação de Aécio Neves.
Suponhamos que o PT perca. Em 12 anos no poder, ele mudou de natureza. Aprendeu a governar. Isso tem um lado bom. Em 1989, quando esteve a um passo de vencer, o PT entrou discretamente em pânico: não teria quadros para dirigir o país. Hoje tem. Milhares de pessoas de esquerda aprenderam a lidar com a administração. Até poucos anos, entre os quadros habituados à gestão pública, predominava a formação à direita. Hoje, qualquer grande partido que ganhe uma eleição sabe governar.
Mas o partido com mais raízes no povo se afastou dos representados. Nossa política tem uma lógica perversa: qualquer cargo no Executivo vale mais do que a liderança no Legislativo ou no partido. Ora, parlamentares e líderes partidários são quem faz o meio de campo com o eleitor. Num partido popular como o PT, separar a política do poder real e deixá-la para os coadjuvantes é perigoso. Pior do que seria no PSDB, que sempre se concentrou na elite. É por isso que a oposição de esquerda acusa o PT de despolitizar a sociedade.
O PT, na oposição, sofrerá mais do que pré-2002. A mídia não o hostilizava como hoje. Não terá a simpatia da mídia, do patronato e da classe média. Estará reduzido a governar poucos Estados. Precisará recriar um perfil de oposição. O que talvez seja bom, para ele e para o Brasil. A oposição que tivemos estes anos viveu mais de ódio que de propostas.
Suponhamos que o PSDB perca. Será a quarta derrota seguida em eleições presidenciais. Talvez, finalmente, ele descubra que não dá mais para ter um perfil tão elitista - tão elitista que o partido nem percebe a dimensão ou gravidade disso! Talvez possa se retemperar se aproximando ou até se fundindo com setores que apoiaram Marina. Talvez se abra mais ao mundo atual, especialmente nos costumes e valores. Mas pode deixar de ser a oposição, para se tornar uma das oposições. Precisará pensar se em 2018 oferece mais do mesmo, ou algo novo. Há uma enorme quantidade de propostas que poderia ter assumido, mas não o fez. Quem sabe.
Agora, o outro lado. Perdendo, o PSDB ainda assim governará dois Estados importantes, São Paulo e Paraná. Perdendo, o PT ainda assim governará dois Estados importantes, Minas Gerais e Bahia. Nenhum deles sai arrasado.
Havia um cenário de horror para o PSDB, um mês atrás: Aécio perder no Brasil e em Minas Gerais; pior, ficar em terceiro na eleição federal. Ele perdeu na vitrine mineira. Mas teve uma boa votação para a Presidência. Mostrou uma firmeza que muitos lhe desconheciam, mostrou coragem ante a adversidade. Se mesmo assim perder, terá apagado a imagem de playboy que seus adversários lhe colam. Manterá popularidade. E o PSDB terá bases políticas, além das midiáticas e empresariais, para continuar lutando.
Se Dilma perder, o PT viverá tempos difíceis, até porque terá menos financiamento privado, mas pode compensar isso com sua capacidade de fazer oposição. Bater-se contra o governo em condições adversas, o PT soube fazer. É difícil saber como o PT fará isso agora, mas ele ainda terá apoio em parte significativa da sociedade.
Com tudo isso, é provável continuarmos com esse par de irmãos inimigos. Por quê? Porque, quando um deles está quase liquidado, o povo brasileiro lhe dá uma sobrevida. Nas eleições de 1994 e 1998, as primeiras em que o presidente foi eleito junto com o Congresso e os governadores, o povo deu tudo ao PSDB e aliados. Levaram Presidência, maioria no Congresso, governadores. Desde 2002, o povo mudou. Deu a Presidência ao PT, no que foi uma verdadeira revolução - a primeira vez que a esquerda assumia o Poder Executivo federal - mas manteve a oposição nos Estados. Daí em diante o PT aumentou suas prefeituras, mas nunca mais houve "o primeiro colocado leva tudo". Esse padrão se repetirá agora, qualquer que seja o resultado do segundo turno. É constante demais para ser mera coincidência - ou para expressar alguma inconsistência do voto, tipo "o povo não sabe votar".
O eleitorado brasileiro optou por Montesquieu. Ele quer o equilíbrio entre os Poderes, que acontece quando um contém o outro para que ele não seja forte demais. Os anos 1994-2002 bastaram, em termos de concentração do poder. Agora, o povo deseja que ninguém possa tudo. Leva a sério, mesmo não a conhecendo, a máxima de Lorde Acton: "O poder tende a corromper. O poder absoluto corrompe absolutamente". Não dá poder absoluto a ninguém. Num país politicamente rachado, ele vota em ambos os lados. Não quer confiar seu destino a um só. Não quer resolver o racha. Parece até exigir que os dois lados se entendam.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.
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