segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Celso Rocha: O PMDB liberal

- Folha de S. Paulo

Quando você acha que já viu de tudo, eis que aparece o PMDB defendendo ideias. No documento recém-publicado "Uma Ponte para o Futuro", o partido de Temer abraça políticas francamente liberais: defende a abertura da economia, a desregulamentação e reformas que garantam o equilíbrio fiscal.

O texto parece inspirado no documento "O Ajuste Inevitável", de Marcos Lisboa, Samuel Pessôa e Mansueto Almeida. O manifesto tem algumas boas propostas, que merecem inclusive atenção da esquerda.

Mas por que o PMDB, que tanto conseguiu sendo o partido sem programa por excelência, resolveu competir no mercado de manifestos, ainda mais no segmento de manifestos liberais? Não foi por compromisso histórico com o equilíbrio fiscal. O PMDB, afinal, nem sempre foi o melhor amigo dos cofres públicos. E, se quisesse, já teria ajudado Dilma a aprovar as medidas necessárias ao ajuste meses atrás.

Do ponto de vista do PMDB, "Uma Ponte para o Futuro" pode servir para várias coisas. Pode, por exemplo, fazer por ele o que o documento da Fundação Perseu Abramo fracassou em fazer pelo PT: permitir ao partido se distanciar de Dilma no plano das ideias, sem romper ou entregar cargos. Com a vantagem que, se Dilma for bem-sucedida com o programa de Levy, o PMDB ainda poderá reivindicar a paternidade do filho bonito.

Mas o sentido mais óbvio do documento, que não escapou a ninguém, é que Temer tranquiliza a elite econômica: em caso de impeachment, a política econômica será ortodoxa. O documento também serve de aviso ao PSDB e a outros partidos que lutam pelo impeachment: se não quiserem ser meus aliados na hora do ajuste, voltem em 2018.

Sabem jogar, os peemedebistas.

Mas cabe a pergunta: qual a viabilidade do PMDB como partido liberal, candidato a tomar do PSDB a liderança da centro-direita?

Algumas vantagens do PSDB sobre os outros partidos à destra já começam a perder peso. O Plano Real já tem mais de vinte anos. Os intelectuais tucanos não geraram sucessores dentro do PSDB. Os tucanos têm menos quadros envolvidos com corrupção do que os outros partidos de direita, mas isso era mais relevante quando o PT tinha mais moral para denunciar corrupção. Persiste, porém, a grande força eleitoral, em especial em São Paulo.

Mas um dos trunfos do PMDB é a chance de chegar à presidência sem precisar de eleição. Um PMDB liberal pós-impeachment, em tese, não precisaria fazer as concessões social-democratas do PSDB, e poderia praticar um programa liberal puro-sangue. É um cenário plausível?

No fundo, depende do seguinte: se você acha que a esquerda vai demorar muitos anos para voltar a ter capacidade de mobilização (com ou sem o PT), o liberalismo pelo alto de Temer pode funcionar. Se você acha que a esquerda qualquer hora está de volta, é melhor continuar apostando no liberalismo social dos tucanos. Contra uma esquerda forte, um governo Temer, eleito por Eduardo Cunha, tentando fazer o que FHC não fez após duas vitórias em primeiro turno, não duraria quinze minutos no ringue.

De qualquer forma: continuarão sabendo jogar, os peemedebistas.
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Doutor em sociologia pela Universidade de Oxford, é analista do Banco Central.

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