É risível a teoria de que dinheiro não registrado gasto na política merece anistia prévia, sem que haja qualquer cuidado em se averiguar a origem dos recursos
Há um sincronismo, não fortuito, entre o avanço da tramitação da segunda lista de Janot, em que estão as delações dos 78 da cúpula da Odebrecht, e o aumento da tensão no mundo político. Mais do que isso, existe a coincidência sintomática com movimentos, nem sempre todos subterrâneos, para que se encontre uma maneira legal, no Congresso, de se anistiar beneficiários de dinheiro de empresas doado para campanhas pelo caixa dois.
A tensão subiu ainda mais com a decisão da Segunda Turma do Supremo de aceitar denúncia do Ministério Público contra o senador Valdir Raupp (PMDB-RO), acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, por receber R$ 500 mil de propina da construtora Queiroz Galvão. A preocupação se deve ao fato de Raupp ser acusado de lavar o dinheiro por meio do recebimento dos recursos como se fosse doação legal. Raupp ainda apresentará sua defesa aos ministros, e este assunto crescerá.
No radar dos políticos, a preocupação maior parece ser, no momento, com a configuração do caixa dois como crime, diante da provável avalanche de delações da Odebrecht sobre este método sub-reptício de financiamento de campanhas.
Construiu-se a versão poliana na vida pública brasileira de que caixa dois não é crime. O próprio PT valeu-se da desinformação para justificar o mensalão. À época, o então presidente Lula disse que seu partido apenas seguira o que as demais legendas faziam. Mesmo hoje, a defesa lulopetista na Lava-Jato repete este cantochão — que caixa dois é inofensivo, apenas faz parte da cultura política do país. Errado, sob a perspectiva da legislação, que precisa ser seguida.
Mesmo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso contorceu-se para defender o senador Aécio Neves, presidente do seu partido, citado nas delações da Odebrecht, desenvolvendo a frágil teoria de que dinheiro de caixa dois gasto na política, pode; para enriquecimento pessoal, é crime.
Não é assim. Operações à margem de controles e registros legais são punidas, por lei. Estabelece o Código Penal, no artigo 317: “solicitar ou receber vantagem indevida (...)”, pena de prisão de dois a 12 anos e multa. E, de acordo com o Código Eleitoral, artigo 350, pena de até cinco anos de prisão, mais multa, a quem “omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar”.
As leis são claras. As interpretações é que são de conveniência. Faz sentido investigar e punir o uso da lavagem de propina via doação formalmente legal a políticos, assim como dar a devida importância à origem dos recursos como fator determinante para se avaliar a lisura da operação. Registra o professor da FGV Direito Rio Michael Mohallem, em artigo no GLOBO: “O que mais importa nas investigações é justamente conhecer a origem dos recursos e não por que meio circularam”.
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