No dia em que o MPF apresentou a terceira denúncia contra o ex-ministro José Dirceu e afirmou que ele recebeu propina mesmo após ser condenado no mensalão, a Segunda Turma do STF determinou a soltura do petista, preso desde 2015 e condenado a mais de 32 anos de prisão. Por 3 votos a 2, os ministros consideraram que, embora as denúncias sejam graves, Dirceu não pode ficar preso porque foi condenado só em 1ª instância. O procurador Dallagnol disse que faltou coerência ao STF. O ministro Gilmar Mendes criticou o MPF.
De volta para casa
STF decide que José Dirceu, condenado em primeira instância, pode recorrer em liberdade
Carolina Brígido, Cleide Carvalho e Amanda Audi* | O Globo
-BRASÍLIA, SÃO PAULO E CURITIBA- Nem os apelos da força-tarefa da Lava-Jato, nem uma nova denúncia apresentada à Justiça de última hora contra o ex-ministro José Dirceu convenceram os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Por três votos a dois, a Segunda Turma determinou a libertação do ex-ministro da Casa Civil, que está preso preventivamente desde agosto de 2015 em decorrência de investigações da LavaJato. Para os ministros, apesar de serem graves as acusações contra Dirceu, ele não poderia continuar preso, porque foi condenado apenas pelo juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal em Curitiba, sem que a sentença tenha sido confirmada pelo tribunal de segunda instância. Este foi o quarto julgamento da Segunda Turma, em uma semana, contrário a decisões de Moro.
Os ministros deram a Moro autorização para decretar medidas cautelares contra Dirceu, se considerar necessário. Entre as possibilidades previstas em lei, estão a proibição de falar com determinadas pessoas, o uso da tornozeleira eletrônica, a prisão domiciliar e cobrança de fiança. Votaram a favor de Dirceu os ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. O relator, Edson Fachin, e o mais antigo integrante do tribunal, Celso de Mello, votaram pela manutenção da prisão.
Toffoli e Gilmar argumentaram que, se sair da prisão, a chance de Dirceu voltar a cometer crimes é pequena, já que o grupo político ao qual ele pertence não está mais no poder e também não tem mais ingerência sobre a Petrobras. Os três ministros que formaram a maioria também afirmaram que a prisão preventiva não pode ser uma forma de antecipação da pena — já que a sentença não tem caráter definitivo e, portanto, não pode ser executada agora. — O que se está vendo são prisões a partir de uma decisão de primeiro grau. Isso é vedado pelo nosso ordenamento jurídico constitucional. A prisão sem o direito ao segundo grau de jurisdição causa a maior estranheza aos afeitos à defesa dos direitos fundamentais do cidadão — afirmou Lewandowski.
O ministro também criticou o excesso de prazo da prisão preventiva de Dirceu, sem condenação definitiva. No voto, Lewandowski recomendou que o Tribunal Regional Federal (TRF) da quarta instância julgue logo o recurso do petista, para definir se ele é culpado ou inocente.
— A prisão preventiva dilatada no tempo, por quase dois anos, afronta o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade.
GILMAR CRITICA NOVA DENÚNCIA: “INFANTIL”
Gilmar Mendes considerou graves as acusações contra Dirceu. Mas ponderou que ele só foi condenado em primeira instância e tem o direito de recorrer em liberdade. Ele também reclamou da demora do TRF em julgar o recurso do réu.
— Não é o clamor público que recomenda a prisão processual. Ainda que em casos chocantes, a prisão preventiva precisa ser necessária, adequada e proporcional. Aqui temos um condenado ainda em presunção de inocência — disse Gilmar, responsável pelo voto de desempate.
Ao votar, o ministro criticou a atitude do Ministério Público Federal (MPF) de ter apresentado nova denúncia contra Dirceu horas antes do julgamento do habeas corpus pelo STF. Para Gilmar, foi uma tentativa infantil de pressionar o tribunal.
— Se nós devêssemos ceder a esse tipo de pressão, quase uma brincadeira juvenil, são jovens que fazem esse tipo de brincadeira, o Supremo deixaria de ser Supremo — disse o ministro. — Esta Corte tem uma História. Não se pode pensar em constranger o STF. Hoje o tribunal está dando uma lição ao Brasil.
O primeiro voto foi de Fachin. Ele ressaltou que a prisão preventiva foi expedida com base na gravidade dos delitos, na habitualidade criminosa do investigado e também no risco de continuidade da prática dos crimes caso ele ficasse em liberdade. Segundo o relator da LavaJato, a periculosidade de Dirceu foi comprovada por Moro ao narrar a forma e a frequência com que os crimes foram cometidos. Isso justificaria a manutenção da prisão preventiva.
Dirceu foi condenado pelo STF no processo do mensalão por corrupção em dezembro de 2012. Ele foi preso em novembro do ano seguinte. Em 2014, obteve o direito de ser transferido para a prisão domiciliar. Em 2015, voltou para a prisão, por ordem de Moro, por indícios de envolvimento com crimes da Lava-Jato. Depois disso, Dirceu foi condenado na Lava-Jato por duas vezes por corrupção, lavagem de dinheiro e participação em organização criminosa.
Fachin lembrou que, de acordo com as investigações, Dirceu recebeu pagamentos milionários de empresas, com indícios de que se tratava de propina. Esses pagamentos teriam sido feitos entre 2009 e 2014, abrangendo os períodos em que Dirceu cumpria pena pelo mensalão e estava sendo investigado na Lava-Jato.
— O risco de práticas de novas condutas semelhantes não constitui mero desdobramento despido de base empírica. As particularidades da apuração sinalizam que o receio explicitado é fundado — disse Fachin.
Celso de Mello concordou que se tratava de “delitos gravíssimos”. Para ele, a prisão preventiva é necessária para impedir que Dirceu continue cometendo crimes.
— Não vislumbro excesso irrazoável na prisão cautelar do paciente — afirmou.
Segundo a defesa, os pagamentos eram referentes a contratos de consultoria firmados antes da prisão no mensalão. Ainda segundo os advogados, duas das três empresas que fizeram repasses não são investigadas nem no mensalão, nem na Lava-Jato. Portanto, não haveria prova de que os pagamentos eram ilegais. Fachin constatou que a prisão é importante para evitar “risco à ordem pública” e “reiteração criminosa”, mesmo que os pagamentos não tenham relação com a investigação. Ainda segundo o ministro, não cabe ao STF analisar a legalidade ou não dos pagamentos no julgamento de um habeas corpus.
DEFESA ARGUMENTOU PERDA DE INFLUÊNCIA
Antes da votação, o advogado de Dirceu, Roberto Podval, fez sustentação oral pela libertação de seu cliente. Ele argumentou que Dirceu não poderia atrapalhar as investigações, já que a fase de instrução da ação penal já foi encerrada. Ele também afirmou que Dirceu não é mais uma pessoa influente, com o fim do governo do PT.
— A força política que poderia ter José Dirceu enquanto o PT ainda estava no poder trazia uma condição absolutamente diversa da de hoje. Hoje, ele é homem de 70 anos sem qualquer nível de poder em relação ao Estado. Pensar que Dirceu pudesse usar o poder hoje me parece absolutamente impossível, dada a conjuntura atual — afirmou Podval.
No final da manhã, a força-tarefa de Curitiba havia oferecido a terceira denúncia contra Dirceu. O procurador Deltan Dallagnol admitiu que a acusação foi precipitada pela força-tarefa da Lava-Jato para que novas informações, pertinentes e relevantes, pudessem justamente ser consideradas pelo Supremo.
Dallagnol afirmou que a força-tarefa não apresentou novo pedido de prisão preventiva para não dar margem à interpretação de que estaria querendo interferir na decisão do STF.
Dirceu foi denunciado pelo recebimento de R$ 2,4 milhões, entre abril de 2011 e outubro de 2014, das empreiteiras Engevix e UTC, que teriam sido usados para pagar assessoria de imprensa e imagem do ex-ministro durante o julgamento do mensalão.
— Existem razões de sobra para manter a prisão. A prisão é extremamente necessária — afirmou Dallagnol. (* Especial para O GLOBO)
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