Um presidente da República deve ser capaz de nortear seus auxiliares na administração do Estado em seus diversos aspectos, e por esse motivo deve ser capaz de transmitir com a maior clareza possível a todos os seus comandados as diretrizes que julga adequadas para seu governo. Em outras palavras, não pode desorientar ministros e demais funcionários com ordens e declarações contraditórias ou, pior, baseadas em dados falsos ou fantasiosos, pois tal situação pode produzir decisões administrativas e políticas públicas equivocadas para o País.
Assim, preocupa que o próximo presidente, o sr. Jair Bolsonaro, seja de viva voz, seja por meio daqueles que são tidos como seus principais porta-vozes, manifeste entendimento bastante precário sobre alguns dos problemas mais importantes para o País, sinalizando a seus futuros comandados – e à opinião pública em geral – pensamentos que denotam um perigoso grau de alheamento da realidade.
Quando vem a público para dizer que a proposta de reforma da Previdência apresentada pelo atual governo não é “justa” porque “não podemos querer salvar o Brasil matando o idoso”, Bolsonaro demonstra não conhecer nem a proposta a que se referiu nem o estado calamitoso do sistema previdenciário. Pois o fato é que a emenda constitucional apresentada pelo governo de Michel Temer foi substancialmente desidratada em sua tramitação no Congresso, em razão da crescente oposição a seu teor. Se fosse votada hoje, serviria apenas como ponto de partida para uma revisão mais abrangente que necessariamente teria de ser feita nos próximos dois anos.
“Nossa reforma, vocês sabem, é de uma suavidade extraordinária”, reagiu Temer quando soube da declaração de seu sucessor. “O que percebo, com toda a franqueza, é que ninguém leu a reforma”, disse Temer, tocando no ponto que de fato importa: Bolsonaro deu uma opinião sobre algo que parece não conhecer na profundidade necessária para quem será presidente da República. Por isso, ao expressar seu ponto de vista, Bolsonaro teve de recorrer a um clichê típico de campanha eleitoral, dizendo que a reforma encaminhada por Temer, se aprovada, acabaria “matando idosos” – o que não é verdade.
Infelizmente, contudo, seus principais assessores parecem já contaminados por essa retórica simplista. Onyx Lorenzoni, o futuro ministro da Casa Civil, disse que a reforma da Previdência não será feita de “afogadilho” e que Bolsonaro pediu “prudência” sobre o assunto. Questionado então sobre que tipo de reforma Bolsonaro pretende implantar e sobre quando o governo planeja levar essa proposta à votação, Onyx respondeu dizendo que “a gente não fala de modelo específico, não fala de prazo, porque tem que ser uma coisa bem construída”, e arrematou: “Temos quatro anos para garantir o futuro dos nossos filhos e netos”.
Essas declarações sugerem espantosa alienação sobre aquele que é hoje o principal problema das contas públicas. Dizer que o próximo governo tem “quatro anos” para cuidar da Previdência significa ignorar que, sem uma reforma imediata, não será possível ao governo obter a economia necessária para ao menos pagar os juros da dívida. O resultado é a explosão do endividamento, com o consequente risco do colapso da máquina pública.
Esse comportamento é condizente com um governo cujo presidente e alguns de seus mais próximos conselheiros realmente acreditam que o Brasil está deixando de ser “extremamente socialista”, como escreveu o deputado Eduardo Bolsonaro, filho de Jair Bolsonaro, embora se saiba que o Brasil nunca foi socialista. Também é condizente com um presidente que ameaça retirar o Brasil do Acordo de Paris, pacto global para conter as mudanças climáticas, porque ouviu falar que esse acordo é apenas um pretexto para tirar a soberania do Brasil sobre a Amazônia, numa grande conspiração internacional.
Se quiser fazer um bom governo, e não há razão para acreditar que não queira, Bolsonaro deve começar a estudar melhor os temas mais importantes com os quais terá de lidar, deixando de lado as teorias da conspiração e aceitando a realidade tal como ela é.
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