segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Marcus André Melo - O semipresidencialismo é terapia para o Brasil?

Folha de S. Paulo

São múltiplos os fatores que poderão restaurar um equilíbrio de presidente forte

Como analisei em detalhes aqui, as patologias que os defensores do semipresidencialismo identificam no nosso sistema político são:
1. crises de governabilidade quando presidentes perdem sustentação parlamentar;
2. ascensão de outsiders sem base partidária;
3. ingovernabilidade devido à irresponsabilidade fiscal legislativa;
4. perda de racionalidade das políticas públicas em virtude do neolocalismo legislativo; e
5. malaise política que resulta de acordos não programáticos.

Na variante premier-presidencial do semipresidencialismo há conflito caso presidente e primeiro-ministro sejam de partidos diferentes. Presidentes minoritários terão que se resignar a escolher o primeiro-ministro indicado pela maioria (coabitação). O semipresidencialismo seria remédio eficiente para a situação 1. acima, em que o presidente perde apoio do Legislativo, mas tem mandato fixo.

A coabitação se assemelha ao presidencialismo de coalizão, e produz crises de baixa intensidade. Sim, a crise neste último emerge apenas se o Executivo unilateralmente busque impor sua agenda ao Congresso (o que não ocorreu sob Dilma Rousseff e Jair Bolsonaro). O confronto, portanto, não tem base institucional: é condicional ao comportamento do presidente. A situação 2 também seria dificultada, em tese, o primeiro-ministro é responsável perante a Câmara, que o escolhe indiretamente.

E também poderia teoricamente mitigar problemas de ingovernabilidade fiscal (situação 4.) que resultariam do fato de que o Legislativo não internaliza os custos coletivos de suas decisões orçamentárias porque inexiste responsabilização coletiva do governo. A estrutura de incentivos subjacente à formação de governos no país também mudaria, diminuindo o malaise (situação 5.). Estes dois aspectos estão relacionados ao sistema partidário. O eleitorado teria incentivos em eleger representantes partidários porque o voto passaria a ter impacto sobre a eleição do primeiro-ministro.

Em virtude da incerteza gerada pelos múltiplos equilíbrios potenciais do desenho institucional, Robert Elgie, o mais respeitado analista do semipresidencialista, concluiu acertadamente que "após tantos estudos, pelo menos em termos da evidência empírica, ainda não podemos bater o martelo... o consenso acadêmico pende contra este tipo de sistema de governo".

Como discuti aqui, entre nós o Executivo se fortalecerá quando contar com mais poderes partidários (expandindo sua bancada), houver maior congruência entre as preferências da coalizão de governo e a mediana do Congresso; quando a taxa de coalescência entre Gabinete e Câmara for mais elevada (o que depende da gestão da coalizão); além de fatores contextuais favoráveis (economia, popularidade, avaliação do governo, e menor polarização).

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