sábado, 5 de outubro de 2024

Luiz Gonzaga Belluzzo - Bets e mercados financeiros

CartaCapital

Os homens de negócio jogam um jogo que é um misto de habilidade e de sorte, e cujos resultados médios são desconhecidos pelos jogadores

As bets, casas de apostas online, assumiram a liderança nos debates travados na Terra Brasilis. Antes de se entregarem ao vício das bets, os brasileiros experimentaram as incertezas do jogo do bicho, as angústias do jogo de cartas ou das roletas. Diga-se, os chamados “jogos de azar” sempre frequentaram os espaços da ambição que incomoda o espírito de homens e mulheres. Restringir aos brasileiros o hábito vicioso das apostas é uma impropriedade. Assim como é impróprio inquinar de viciosas apenas as apostas dos jogos de azar. Essa crítica moralizante esconde os impulsos que comandam as decisões nas economias monetário-financeiras capitalistas.

Em setembro de 1856, ao abordar uma severa crise financeira, Karl Marx aponta sua peculiaridade: “O atual período de especulação na Europa é marcado pela universalidade da tormenta. O mundo já padeceu uma sucessão de manias: especulação com o preço do trigo, manias com ferrovias, minérios, teares de algodão. A especulação de hoje não se restringe a um determinado setor ou mercadoria. Estamos diante de um fenômeno novo: ‘Especular com a especulação ’.”

Nos anos de 1920, Keynes operou com perdas e ganhos nos mercados futuros e opções de commodities. Nesse período, estabeleceu uma distinção entre jogo e especulação. Jogo aplica-se a situações em que o risco não é calculável ou não distribuído normalmente, como o jogo da roleta. Especulação aplica-se a situações em que o risco é calculável e normalmente distribuído, como o seguro de vida. O critério de divisão está na quantidade de conhecimento possuída pelo agente em ambos os casos. “A posse de conhecimento superior (é) a distinção vital entre o especulador e o jogador.”

No correr dos anos, Maynard consolidou sua convicção acerca dessas operações e suas tendências em exasperar a volatilidade dos preços diante de desequilíbrios momentâneos entre oferta e procura. No capítulo XII da Teoria Geral – Expectativas de Longo Prazo, Keynes adverte os crentes na estabilidade dos mercados financeiros: “À medida que progride a organização dos mercados de investimento, aumenta o risco de um predomínio da especulação. Num dos maiores mercados de investimento do mundo, a saber, o de Nova York, a influência da especulação é enorme… Os especuladores podem não causar dano quando são apenas bolhas numa corrente estável de empreendimento. Mas a situação torna-se grave quando o empreendimento se converte numa série de bolhas no turbilhão especulativo. Quando o desenvolvimento do capital de um país passa a ser um subproduto das atividades de um cassino, a obra sairá provavelmente torta”.

As decisões privadas, tomadas em condições de incerteza radical, estão sempre sujeitas à má avaliação do risco e à emergência de comportamentos coletivos de euforia que conduzem à fragilidade financeira e a crises de liquidez e de pagamentos. As decisões capitalistas supõem, portanto, a especulação permanente a respeito do futuro, o que envolve a contínua reavaliação do presente. Escreveu Keynes: “É provável que a média efetiva dos resultados dos investimentos, mesmo em ­períodos de progresso e prosperidade, tenha frustrado as esperanças que os tinham suscitado. Os homens de negócio jogam um jogo que é um misto de habilidade e de sorte, e cujos resultados médios são desconhecidos pelos jogadores que nele participam. Se a natureza humana não sentisse a tentação de arriscar a sorte, nem de (abstraindo do lucro) ter a satisfação de construir uma fábrica ou uma via férrea, de explorar uma mina ou uma fazenda, provavelmente não haveria muitos investimentos como mero fruto do frio cálculo”.

Vamos recolher um excerto: “Os homens de negócio jogam um jogo que é um misto de habilidade e de sorte, e cujos resultados médios são desconhecidos pelos jogadores que nele participam. Se a natureza humana não sentisse a tentação de arriscar a sorte…”.

Ressalto esse trecho para aproximar os espíritos que se lançam às incertezas do investimento ou às negociações nos mercados financeiros daquelas almas que estrebucham suas aflições nas bets, no jogo do bicho e no rodopiar das roletas. “As decisões financeiras”, diz Minsky, “são tomadas em torno de um futuro imaginado por credores e devedores como resultado de negociações em que são trocadas informações e desinformações. O resultado reflete opiniões sobre um projeto particular à luz dos sucessos e fracassos da economia no passado recente e no mais distante… A incerteza em relação ao modelo adequado para formar as expectativas pode ser maior se muitos anos se passaram desde a última crise financeira… Essa incerteza fundamental significa que as margens de segurança calculadas pelos agentes devem variar.” 

Publicado na edição n° 1331 de CartaCapital, em 09 de outubro de 2024.

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito interessante! Acho que o texto não está "redondo", mas apresenta várias ideias válidas e pouco discutidas na perspectiva que o colunista propõe. Parabéns ao autor, e ao blog por divulgar estas reflexões!