Correio Braziliense
A Odebrecht operava uma rede de influência
por meio de subornos e financiamentos ilícitos de campanhas, afetando partidos
de diferentes espectros ideológicos no Peru
A ex-primeira-dama do Peru Nadine Heredia
chegou a Brasília nesta quarta-feira em avião da Força Aérea Brasileira (FAB),
graças a um salvo-conduto concedido pela presidente do Peru, Dina Boluarte, a
pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A informação foi confirmada
pela defesa do ex-presidente Ollanta Humala, marido de Nadine. O Ministério das
Relações Exteriores informou à Embaixada do Brasil que a ex-primeira-dama foi
condenada, pelo Poder Judiciário, a 15 anos de prisão por lavagem de dinheiro.
"O Governo da República Federativa do Brasil solicitou a saída dos asilados, com base nos artigos V e XII da mencionada convenção, que estabelecem que o Estado que concede o asilo pode pedir a saída do asilado para território estrangeiro, e o Estado territorial está obrigado a fornecer imediatamente, salvo em caso de força maior, as garantias necessárias e o salvo-conduto correspondente", comunicou o Ministério das Relações Exteriores do Peru.
Com sua intervenção direta para obter o
salvo-conduto e o envio de um jatinho da Força Aérea Brasileira (FAB) para
resgatar a ex-primeira-dama em menos de 24 horas, Lula atravessou os Andes para
escorregar numa casca de banana na calçada da Av. José Pardo, Miraflores, onde
fica a embaixada brasileira.
Exumou um fantasma que ainda ronda o Palácio
do Planalto: a memória da Operação Lava-Jato, que foi desconstruída
juridicamente pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mas permanece sendo uma
bandeira nas mãos da oposição, que turva a liderança de Lula e a imagem da
Corte perante a sociedade.
Humala e Nadine foram condenados após
investigações segundo as quais o ex-presidente recebera US$ 3 milhões da
Odebrecht e outros US$ 200 mil do então presidente da Venezuela, Hugo Chávez,
para financiar suas campanhas presidenciais de 2006 e 2011. Além da pena de
prisão, Humala terá de pagar uma multa de 10 milhões de soles (cerca de R$ 15,7
milhões).
Eleito presidente em 2011, Humala presidiu o
Peru até 2016. Em 2017, ele e a mulher foram presos, porque o ex-diretor da
Odebrecht no Peru afirmou que a empresa fez doações a Humala a pedido do PT.
Nadine foi acusada de atuar ativamente nas atividades do Partido Nacionalista
Peruano, fundado por Humala, e de participar na arrecadação de fundos e ações
de governo. O irmão de Nadine, Ilán Heredia, cunhado de Humala, também foi
condenado a 12 anos de prisão no mesmo processo.
Detido pela polícia no final do julgamento,
Humala está preso, mas Nadine não compareceu à audiência e pediu asilo na
embaixada brasileira em Lima. Segundo o Ministério das Relações Exteriores do
Peru, foi aplicada uma convenção sobre asilo diplomático firmada pelos dois
países em 1954. A ex-primeira-dama chegou ao Brasil acompanhada de seu filho
Samin Mallko Ollanta Humala Heredia, que é menor de idade.
Corrupção sistêmica
Humala venceu a eleição de 2011 ao derrotar
Keiko Fujimori, filha do ex-presidente Alberto Fujimori. Keiko também chegou a
ser presa por mais de um ano em um processo ligado à Odebrecht, posteriormente
anulado pela Justiça. Outros três presidentes do Peru foram denunciados: Alan
García, Alejandro Toledo e Pedro Pablo Kuczynski.
Em fevereiro passado, Humala negou ter
recebido propina da construtora e sugeriu que o dinheiro poderia ter sido
desviado pelo ex-diretor da empresa no Peru, Jorge Barata. "Não acredito
que isso tenha acontecido, mas, se aconteceu, Barata roubou o dinheiro",
disse, durante o julgamento.
A decisão da Justiça peruana também pôs uma
saia justa no Supremo Tribunal Federal (STF), que anulou quase todas as
condenações com base nas investigações da Lava-Jato, por abuso de autoridade e
parcialidade dos procuradores e juízes que as conduziram, entre os quais o
atual senador Sergio Moro (União-PR). O escândalo da Odebrecht no Peru, parte
da Operação Lava-Jato, revelou um esquema de corrupção que envolveu subornos a
autoridades peruanas.
Desde 2016, diversos ex-presidentes, partidos
e empresários foram implicados, tornando-se um dos maiores escândalos políticos
da história recente do país. Em outubro de 2024, o ex-presidente Alejandro
Toledo foi condenado a 20 anos e seis meses de prisão por receber US$ 35
milhões em subornos da Odebrecht para favorecer a empresa na concessão de
trechos da Rodovia Interoceânica.
Toledo foi extraditado dos EUA em 2023 e
cumpre pena no presídio de Barbadillo. Alan García cometeu suicídio em 2019 ao
ser alvo de mandado de prisão. Pedro Pablo Kuczynski renunciou em 2018 e
aguarda julgamento em prisão domiciliar por acusações de corrupção. O escândalo
abalou profundamente a política peruana, revelando um padrão sistêmico de
corrupção que envolveu quase todos os presidentes desde 2001.
A Odebrecht operava uma rede de influência por meio de subornos e financiamentos ilícitos de campanhas, afetando partidos de diferentes espectros ideológicos. Em fevereiro de 2019, firmou um acordo de colaboração com o Ministério Público do Peru, que incluiu o acesso aos sistemas My Web Day e Drousys, que continham registros de pagamentos ilícitos. Em dezembro de 2024, o Tribunal Constitucional ordenou a divulgação do conteúdo do acordo.
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