• O governo resolveu adotar os critérios “africanos” do Banco Mundial para mitigar a pobreza no Brasil, que foi dividida entre crônica, transitória, situação de vulnerabilidade e “melhor situação”
- Correio Braziliense
O Brasil é um pais que gosta de mitigar suas contradições e conflitos sociais. Um belo exemplo é o que se faz com as favelas brasileiras. Poucos países do mundo passaram por uma degradação urbana como o nosso, onde o padrão de moradia popular passou a ser a favelização. Basta olhar para a paisagem para ver a crescente expansão do número de moradores na favela nas nossas cidades.
A solução para o problema é chamar a favela de bairro, com maciços investimentos em serviços, o que é bom, mas nenhuma preocupação em mudar o padrão das moradias, que vão se reproduzindo e se ampliando, com as lajes e puxadinhos, mal-ventiladas e mal-iluminadas, ao longo de becos, vielas e escadarias. Com a elevação do padrão de consumo, da renda e da oferta de serviços, chamar a favela pelo seu verdadeiro nome passou a ser elitismo e discriminação.
É óbvio que existem favelas no Rio de Janeiro que são verdadeiros cartões postais, elevadas à condição de bairros de classe média, seja pela excelente localização e facilidades de acesso — como Chapéu Mangueira, Pavão e Pavãozinho e Vidigal —, seja pela valorização dos imóveis depois que deixaram de ser domínio absoluto do tráfico de drogas. Mas são exceções. A maioria das favelas nas cidades brasileiras continua merecendo o nome. O pior é que não param de crescer.
O que está por trás dessa degradação das cidades brasileiras? Um modelo macroeconômico cujos pólos dinâmicos são a construção civil e o mercado imobiliário, pela capacidade de gerar empregos e captar a poupança familiar, e o transporte individual, que absorve a produção de automóveis e alimenta a rede de serviços ao seu redor. Como esse mercado não é acessível à grande massa da população, a ocupação urbana irregular passa a ser opção para quem não pode pagar alugueres mais caros e é obrigado a andar de ônibus, trem ou metrô.
No discurso político que fomenta e legitima esse processo a palavra mágica chama-se “nova classe média”. A mesma borracha que apaga do dicionário a palavra favela, tenta apagar miséria e pobreza, que caracterizam as condições de vida dessas pessoas. A gana atrás de votos se encarrega de construir o discurso populista que mascara a realidade e mantém de pé o novo fetiche: virar classe média num passe de mágica.
A miséria da política
O fetichismo é uma relação social entre pessoas que foi “coisificada”, ou seja, é mediatizada por coisas. O resultado é a aparência de uma relação direta entre as coisas e não entre as pessoas. Sendo assim, as pessoas agem como coisas e as coisas, como pessoas. É uma fenômeno que está na essência do capitalismo, no qual a troca de mercadorias é a única maneira em que os diferentes produtores se relacionam entre si.
O governo vende a ideia de que está promovendo uma revolução social no país, o que não é bem o caso. A ascensão social à classe média depende mais do esforço individual e das condições da economia do que das políticas públicas, cuja obrigação é garantir a igualdade de oportunidades. As políticas de transferência de renda apenas mitigam a miséria e a pobreza, mas estão sendo transformadas num grande fetiche.
O Ministério do Desenvolvimento Social, por exemplo, resolver criar indicadores que alteram a condição social da população de baixa renda mitigando indicadores sobre suas condições de vida. Por exemplo, estar fora da condição de miserável quem tem renda acima de R$ 70.
É sério isso? Claro que não, tanto que a população miserável do país, pela primeira vez desde quando foi criado esse indicador, aumentou em 3,7% em 2012 em vez de diminuir. Em números absolutos, passou de 10,08 milhões para 10,45 milhões de indivíduos na iniquidade social absoluta.
Acontece que o governo resolveu adotar os critérios “africanos” do Banco Mundial para mitigar a pobreza no Brasil, que foi dividida entre crônica, transitória, situação de vulnerabilidade e “melhor situação” (em inglês, “better off”). Segundo esses critérios, a “pobreza crônica” no ano passado caiu de 1,4% para 1,1% da população. Para onde foram esses pobres, voltaram a ser miseráveis ou melhoraram de vida?
A resposta está nos critérios de acesso a serviços públicos e bens: água, esgoto, luz, escola, celular, geladeira, televisão e computador. A renda média per capita dos pobres caiu de R$ 47 para R$ 45. Todavia, por causa desses indicadores, 5% da população mais pobre melhorou de vida. Ou seja, já podem dizer que estão “better off”. É isso aí!
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