Investigação do escândalo de que participam políticos, estatais e empresas privadas mostra, na prática, como o patrimonialismo desvia recursos da sociedade
A confusão entre público e privado, o patrimonialismo, é um traço marcante na vida brasileira. Há fundas raízes históricas nessa deformação, que também se reflete no manejo de recursos e instrumentos do Estado por poderosos de ocasião em benefício próprio e de grupos privados que os apoiam. Há uma relação de duas mãos entre ambos.
O termo “capitalismo de compadres” ou de “laços” é usado na literatura sobre economia e de ciência política para designar este tipo de troca de favores, usando-se o dinheiro público. Trata-se de uma forma perniciosa de privatização conduzida de maneira mafiosa, dentro do regime capitalista, mas contrário a princípios do capitalismo — como eficiência, competição, busca pela produtividade e assim por diante.
O escândalo do petrolão, especialmente a parte ilustrada por depoimentos gravados da cúpula da Odebrecht, é um material precioso para sustentar estudos sobre o capitalismo de laços, de compadrio. Deveria, inclusive, servir de material didático em aulas sobre o assunto. Tanto que Sérgio Lazzarini, autor de “Capitalismo de laços — Os donos do Brasil e suas conexões”, disse ao GLOBO que pensa em atualizar o livro a partir da Lava-Jato.
Um exemplo irretocável de como governantes de turno podem privatizar recursos públicos em interesse próprio, num país com grande participação do Estado na economia, está no depoimento de Marcelo Odebrecht à força-tarefa de Curitiba sobre a origem da Arena Corinthians: foi um pedido do então presidente Lula, corintiano conhecido, a Emílio, pai de Marcelo. Algo imperial.
A empreiteira da família não pôde negar — contra a opinião de Marcelo —,e o presidente mobilizou o BNDES e a Caixa. Os custos, como esperado, se multiplicaram, e a Arena está engasgada na contabilidade de bancos públicos e virou um problema para o próprio clube. Não se tenha dúvida de que em algum momento esta conta, toda ou em parte, chegará ao Tesouro, por meio dos bancos oficiais.
O Brasil conta com instituições republicanas que têm dado demonstrações de solidez. Na própria Lava-Jato. Mas, por ter uma presença grande do Estado na economia, decisões de investimentos podem ser tomadas como se o regime fosse monárquico.
Prejuízos e custos, claro, são socializados entre os contribuintes. Entre os custos, propinas inimagináveis como no lulopetismo. Há outros casos concretos decorrentes desse capitalismo de compadrio. Vários ocorridos na órbita da Petrobras, a qual, pelo tamanho, costuma ser usada nesses conchavos em torno de bilhões — de dólares. Como a refinaria Abreu e Lima, um mastodonte inacabado erguido em Pernambuco por “decisão política” de Lula, em conluio com o caudilho venezuelano Hugo Chávez. Sem estudos técnicos profundos, como necessários, o projeto, orçado inicialmente em US$ 2 bilhões chegou aos US$ 20 bilhões. Foi paralisado, apenas uma parte está em operação. E jamais gerará lucros que o paguem.
Esta é uma característica desses planos surgidos de cumplicidades entre governantes e empresas privadas. São fadados ao fracasso. A lista recente é extensa: Sete Brasil e os delírios para a “produção nacional” de plataformas de perfuração, estaleiros para fornecer navios à Petrobras, projetos na produção de álcool, investimentos na petroquímica — estes vêm desde Geisel. São relatos para não serem esquecidos, a fim de que tudo não se repita, como acontece pelo menos desde Getulio Vargas, neste capitalismo de estado e de laços verdes e amarelos.
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