- O Globo
O motorista de táxi veio reclamando da corrupção no Brasil. Normal. Tem sido assim ultimamente. Argumentei que agora se luta contra. Mas ele estava descrente: “E essa segunda turma do Supremo? Ainda bem que agora vai para o colegiado”. A Justiça não pode decidir por pressão popular, mas a última semana foi cheia de decisões contraditórias que confirmam a sensação de idiossincrasia.
A iniciativa do ministro Edson Fachin de levar ao pleno do STF o recurso do ex-ministro Antonio Palocci foi de fato um alívio para quem temeu o desmonte da Operação Lava-Jato como a conhecemos. O Brasil está diante da mais impressionante operação de combate à corrupção já vista.
Os suspeitos e condenados têm nos surpreendido a cada dia com novas revelações. Muito foi informado, mas muito permanece sob o manto dos segredos sombrios. Na quinta-feira ficamos sabendo que a ex-presidente Dilma pode ter usado nome fictício em conta secreta de email com seus marqueteiros, dois alvos da Justiça. Isso teria sido revelado por Mônica Moura. No mesmo dia, Agenor Medeiros, ex-diretor da área internacional da OAS, disse que a empresa também tinha um setor exclusivo para pagamento de propinas, como a Odebrecht. Duas revelações impressionantes em apenas um dia, mostrando que a investigação está em curso e muitos dos suspeitos podem sim agir para esconder fatos ou sumir com provas.
A declaração do ex-ministro Palocci foi emblemática. Ele avisou ao juiz que tinha algo a dizer que poderia dar à Lava-Jato “mais um ano de trabalho”. Assim que José Dirceu foi solto, Palocci dispensou o advogado especializado em delação. Dirceu não foi condenado em segunda instância, porém a investigação está em curso, ele já foi condenado em primeira instância e é um caso de reincidência, porque foi considerado culpado também no Mensalão.
Quando o ministro Ricardo Lewandowski foi para a segunda turma, substituindo a ministra Carmen Lúcia, o temor, no próprio STF, era de que se formasse essa maioria que houve nas últimas decisões, inclusive a de José Dirceu. Tudo fica pior pela incapacidade que o ministro Dias Toffoli demonstra, desde os primeiros julgamentos, de ver o seu flagrante impedimento em alguns dos casos que julga. Ele foi advogado do PT por três campanhas, e trabalhou diretamente como subchefe da Casa Civil quando José Dirceu era ministro-chefe. Mesmo assim ele votou pela absolvição de Dirceu no Mensalão e agora pela sua soltura.
O Brasil vive um momento de profundo descrédito da política e das instituições da República. O país acompanha cada decisão do Supremo em detalhes, e é comum encontrar pessoas que sabem os nomes e os votos de todos os ministros, como o motorista do táxi comum no qual entrei dias atrás. O Supremo tem mais esse peso. Ele está decidindo e julgando diante da Ágora reunida, que nesses tempos digitais é bem mais populosa.
A questão colocada pelo juiz Sérgio Moro ajuda a reflexão. A corrupção é sistêmica e “excepcional não é a prisão cautelar, mas o grau de deterioração da coisa pública, revelada pelos processos” da Operação Lava-Jato, “com prejuízos já assumidos de cerca de R$ 6 bilhões”. E, como disse Moro, o que está em jogo é a “qualidade da nossa democracia”.
A própria dúvida que levou às ruas a fase batizada de “Asfixia” mostra a insistência dos que praticam delito. A Lei da Repatriação pode ter sido usada para lavar dinheiro. Eu escrevi aqui na época do debate da lei de que esse risco havia. Algumas cautelas foram tomadas pelo governo, mesmo assim há agora suspeitas. A repatriação permitiu um grande ingresso de recursos nos cofres públicos no pagamento de impostos e multas, mas é inaceitável que seja canal de trânsito de dinheiro ilegal. Nesse momento está sendo discutida uma nova versão que pode incluir mecanismos que facilitem ainda mais seu uso indevido.
O momento é difícil para o STF. Os juízes têm que agir de forma independente, mesmo em relação às expectativas da opinião pública. Por outro lado, certas decisões são contraditórias com sentenças dos mesmos juízes em relação a outros réus. Não pode ficar a impressão de que há um Direito sob medida para cada réu. Isso é o oposto do “erga omnes", que estamos perseguindo no momento.
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