- O Globo
Transformar o depoimento do ex-presidente Lula ao juiz Sergio Moro nesta semana em Curitiba em uma guerra entre dois poderes políticos é ajudar a interpretação de que a Justiça persegue o petista com objetivos que nada têm a ver com corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, organização criminosa, crime contra a administração pública, tráfico de influência e obstrução da Justiça, todos esses crimes de que ele é acusado em diversos processos.
Tudo começou com a convocação de militantes para que estivessem em Curitiba no dia 3 deste mês para prestar solidariedade ao expresidente. Caravanas eram anunciadas em diversas partes do país, financiadas por sindicatos e ONGs ligadas ao PT, e espalhou-se pela rede o boato de que cerca de 30 mil pessoas estariam lá para apoiá-lo e, se preciso, defendê-lo de Moro, que estaria preparando uma armadilha para prendê-lo.
Tal seria o aparato político-partidário que a própria Polícia Federal viu-se no dever de pedir um adiamento do depoimento, pois precisava de mais tempo para preparar um dispositivo de segurança à altura das possíveis manifestações.
Adiado o depoimento, começaram as teorias conspiratórias, disparadas em todas as direções. Moro adiara por não ter ainda provas contra Lula, diziam alguns, para deleite dos petistas. Moro estaria montando alguma surpresa contra Lula, diziam outros, e aí os petistas estavam prontos para apontar atitudes antidemocráticas da República de Curitiba.
Vários depoimentos foram marcados do dia 3 ao 9, entre eles o mais explosivo, o de Renato Duque, ex-diretor da Petrobras indicado pelo PT para organizar a corrupção na estatal em nome do partido. Nesse caso, seria a prova de que Sergio Moro montou um esquema para estimular acusações contra Lula dias antes de ele depor.
Nesse intervalo, começaram a surgir nos meios sociais campanhas em defesa do juiz Sergio Moro com a hashtag #Somostodosmoro, e em Curitiba outdoors criticavam Lula, torcendo para que ele vá para a cadeia. Foi o bastante para que blogs companheiros denunciassem as intenções fascistas dos cartazes e apontassem a necessidade de serem coibidas essas manifestações contra o ex-presidente.
De maneira patética, afirmam que só são legais e válidas as manifestações de solidariedade a Lula, as contrárias são fascistas e antidemocrática. Alertam para a possibilidade de haver confrontos nas ruas, como se elas fossem palco apenas para os petistas e seus acólitos. A ridicularia prossegue, com exigências para o depoimento em si.
Querem que um cinegrafista contratado pelo Instituto Lula filme todo o depoimento, e não gostaram do enquadramento da câmara oficial, que foca o depoente sem mostrar os rostos dos advogados de defesa, nem dos procuradores e do juiz Sergio Moro. Os advogados de Lula querem definir uma nova cenografia, com a câmera mostrando todos os que estão no recinto.
Não sei o que vai ser decidido, mas me parece ridículo que um depoimento de um réu seja cercado de tantos cuidados especiais, como se merecesse mais atenção que outros. Certamente não será na quarta-feira que o destino de Lula será selado, a não ser que Freud, o pai da Psicanálise, não seu segurança, providencie um ato falho.
Mas querer transformar em ato político o que deveria ser um mero procedimento rotineiro dentro de um processo criminal mostra bem a incapacidade de Lula de aceitar a ação da Justiça, tentando constrangê-la com uma demonstração de força política que, mesmo existente, não apaga as graves acusações que pesam contra ele.
O depoimento do dia 10 refere-se ao tríplex do Guarujá, que Lula anda chamando pejorativamente de um Minha Casa Minha Vida, um em cima do outro. Um descaso para com os pobres que diz defender, que se sentem recompensados quando conseguem uma casa popular para morar e não são capazes de entender a ironia daquele que ainda consideram seu defensor.
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