Pivô da crise dos laranjas, Bebianno diz a aliados que deixará governo Bolsonaro
Após impasse, presidente diz que demissão deve ocorrer na segunda; ala militar teme eventuais áudios
Daniela Lima, Talita Fernandes, Gustavo Uribe , Igor Gielow e Julia Chaib | Folha de S. Paulo
SÃO PAULO E BRASÍLIA - Chamado publicamente de mentiroso pelo presidente Jair Bolsonaro em meio à crise das candidaturas laranjas do PSL reveladas pela Folha, o ministro Gustavo Bebianno (Secretaria-Geral da Presidência) não conseguiu respaldo para seguir no cargo, após uma série de negociações que envolveram ministros palacianos nesta sexta-feira (15).
Bolsonaro, após se reunir com Bebianno, avisou a ele e a aliados sobre a demissão —e que a saída do ministro poderá ser formalizada na segunda-feira (18), segundo informou a coluna Painel. Já Bebianno, que presidiu o PSL durante a campanha vitoriosa de Bolsonaro, também avisou a aliados que deixará o cargo. Abordado pela Folha no hotel onde mora, em Brasília, disse que não daria declarações.
Um assessor do governo que participou das conversas relatou à reportagem que o clima azedou no meio tarde, horas depois de ter ficado definido que Bebianno teria uma sobrevida no cargo. Embora tentasse um encontro pessoalmente com o presidente desde quarta-feira (13), Bebianno só foi recebido no fim da tarde, após ministros e aliados entrarem no circuito.
A conversa entre Bolsonaro e Bebianno teria sido ríspida, e o presidente chegou a deixar um ato de exoneração assinado. A gota-d'água, segundo integrantes do Planalto, foi o vazamento de diálogos privados entre Bolsonaro e Bebianno, exclusivos da Presidência, ao site O Antagonista e à revista Veja.
A temperatura da crise subiu na quarta-feira (13), quando Carlos, o filho que cuida da estratégia digital do presidente, postou no Twitter que o então ministro havia mentido ao jornal O Globo ao dizer que conversara com Bolsonaro três vezes na véspera, negando a turbulência política.
Mais tarde, no mesmo dia, Carlos divulgou um áudio no qual o presidente da República se recusa a conversar com Bebianno.
Bolsonaro, que seguia para Brasília depois de passar 17 dias internado em São Paulo após cirurgia para reconstruir o trânsito intestinal, endossou a atitude do filho —e o fez publicamente, repostando a acusação de Carlos e dizendo em entrevista à TV Record que não havia conversado com o ministro.
Na mesma entrevista à Record, o presidente disse ter determinado a abertura de inquérito da Polícia Federal sobre o esquema de candidaturas laranjas de seu partido e que, se Bebianno estivesse envolvido, "o destino não pode ser outro a não ser voltar às suas origens", ou seja, deixar o governo.
OPÇÕES
O governo avaliava inicialmente duas possibilidades com a saída de Bebianno: entregá-la a um parlamentar do PSL, tentando reduzir o dano com o episódio, ou extingui-la, passando as atribuições para a Casa Civil ou Secretaria de Governo.
Mas, entre a ala militar da gestão Bolsonaro, o preferido para ocupar o lugar de Bebianno é o general da reserva Maynard Santa Rosa, que já ocupava um cargo abaixo do ministro, como chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos.
Santa Rosa e o general Floriano Peixoto, também da reserva, eram os nomes do núcleo fardado a auxiliar Bebianno em suas funções. O ministro, durante a campanha, era conhecido por suas posições abrasivas, que foram amplamente amainadas durante sua presença no governo.
O principal temor dos militares é a emergência de áudios gravados pelo ministro com o presidente.
Um general com acesso a Bolsonaro diz que o mandatário está tranquilo em relação ao conteúdo, tendo dito a interlocutores que não haveria nenhuma informação sensível de Bebianno que pudesse comprometê-lo. O mesmo não poderia ser dito, segundo o militar, em relação a falas desconfortáveis sobre aliados ou piadas politicamente incorretas.
As negociações para evitar uma queda de Bebianno na sexta-feira começaram logo cedo no Palácio da Alvorada, onde Bolsonaro ainda se recupera de uma cirurgia.
Às 9h, foram à residência oficial os ministros Onyx Lorenzoni (Casa Civil) e Carlos Alberto dos Santos Cruz (Secretaria de Governo), junto com a deputada federal Joice Hasselman (PSL-SP). Os três saíram dali com uma proposta em mãos: propor a Bebianno um acordo para que ele seguisse no cargo.
O grupo disse a Bolsonaro que a demissão de um de seus auxiliares dessa forma —em crise exposta nas redes sociais— fragilizaria a imagem sobre a confiabilidade do presidente e do governo perante o Congresso e a opinião pública. Foi ponderado que isso poderia colocar em risco uma das prioridades de sua gestão: a aprovação da reforma da Previdência, que será apresentada na semana que vem.
Após o aval de Bolsonaro, os três se reuniram com o chefe da Secretaria-Geral às 11h30, na Casa Civil, em encontro que não estava previsto na agenda.
Onyx levou ao colega a proposta de que precisava manter discrição e silêncio para seguir como ministro. Bebianno assentiu e depois deixou o Palácio do Planalto por uma porta lateral, usada por visitantes e raramente frequentada por autoridades. Ao ser abordado pela TV Globo, respondeu que não sabia se ficaria no cargo.
Bolsonaro foi aconselhado por auxiliares a demonstrar que estava reassumindo as rédeas do governo e, contrariando recomendações médicas, apareceu de surpresa no Planalto no início da tarde.
Ele chamou então 11 de seus 22 ministros, numa conversa em que pediu que sua equipe evitasse falar em crise e transmitisse à população e à imprensa um ar de normalidade.
Bebianno ficou de fora do encontro, mas foi recebido na sequência, em uma agenda na qual estavam, além dele e de Bolsonaro, o vice-presidente, Hamilton Mourão, Onyx e o chefe do GSI, general Augusto Heleno.
Agora, aliados de Bolsonaro querem que o filho Carlos reduza o tom de postagens nas redes sociais que possam comprometer o governo. Desde quarta, ele tem publicado apenas mensagens de ações governamentais e, inclusive, um elogio a Mourão, a quem já dirigiu diversas críticas recentemente.
A avaliação é a de que Carlos, que tem um temperamento considerado difícil, pode até, temporariamente, reduzir o tom das críticas a integrantes do governo nas redes sociais, mas que é impossível afastá-lo definitivamente.
Para esfriar a crise, o presidente chegou a ser aconselhado a manter Bebianno "no banco de reserva", tornando-o um auxiliar de "segunda classe". A ideia era que ele fosse submetido a um processo de esvaziamento, excluindo-o de reuniões, agendas, viagens e eventos para não "contaminar o governo" até que a Polícia Federal chegue a uma conclusão sobre as candidaturas laranjas.
A postura de Carlos foi considerada inadmissível pela cúpula militar do governo. O maior crítico foi o ministro do GSI, que defendeu em conversas reservadas o afastamento do filho das redes sociais do presidente.
O diagnóstico é o de que o presidente se colocou em uma situação delicada diante da crise ao ter compartilhado a manifestação do filho. Segundo relatos, o presidente não esperava que Bebianno fosse insistir tanto em seguir no posto.
A crise foi agudizada na quarta, quando Bolsonaro ainda estava em um quarto do hospital Albert Einstein, em São Paulo, e ficou irritado ao ler uma declaração de Bebianno de que eles haviam conversado três vezes no dia anterior, quando as reportagens da Folha foram publicadas.
Ele viu na fala do ministro uma tentativa de "se pendurar" no contato com o mandatário para escapar da responsabilidade de candidaturas laranjas do PSL.
Na sala estavam apenas Bolsonaro e o filho Carlos, o mais próximo do pai e que é desafeto de Bebianno. Responsável por criar a estratégia de comunicação por meio das redes sociais do pai, Carlos foi ao Twitter contestar a declaração do ministro dizendo ter permanecido as últimas 24 horas ao lado do presidente e que a fala era uma "mentira absoluta". Na sequência, um áudio de Bolsonaro foi publicado na conta do Twitter do filho e mais tarde replicado por seu perfil.
A primeira reportagem da série sobre os laranjas do PSL mostrou que o atual ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, patrocinou um esquema de candidaturas de fachada em Minas que também receberam recursos volumosos do fundo eleitoral do PSL nacional e que não tiveram nem 2.000 votos, juntas.
Parte do gasto que elas declararam foi para empresas com ligação com o gabinete de Álvaro Antônio na Câmara dos Deputados.
Após essa revelação, o vice-presidente, general Hamilton Mourão, afirmou que esse caso deveria ser investigado. A Procuradoria-Regional Eleitoral de Minas Gerais decidiu apurar o caso.
No domingo (10), outra reportagem da Folha revelou que o grupo do atual presidente do PSL, Luciano Bivar (PE), recém-eleito segundo vice-presidente da Câmara dos Deputados, criou uma candidata laranja em Pernambuco que recebeu do partido R$ 400 mil de dinheiro público na eleição de 2018. O dinheiro foi liberado por Bebianno.
Maria de Lourdes Paixão, 68, que oficialmente concorreu a deputada federal e teve apenas 274 votos, foi a terceira maior beneficiada com verba do PSL em todo o país, mais do que o próprio presidente Bolsonaro e a deputada Joice Hasselmann (SP), essa com 1,079 milhão de votos.
O dinheiro do fundo partidário do PSL foi enviado pela direção nacional da sigla para a conta da candidata em 3 de outubro, quatro dias antes da eleição. Na época, o hoje ministro da Secretaria-Geral da Presidência era presidente interino da legenda e coordenador da campanha de Jair Bolsonaro (PSL), com foco em discurso de ética e combate à corrupção.
Apesar de ser uma das campeãs de verba pública do PSL, Lourdes teve uma votação que representa um indicativo de candidatura de fachada, em que há simulação de atos de campanha, mas não empenho efetivo na busca de votos.
Essa candidatura laranja virou alvo da Procuradoria, da Polícia Civil e da Polícia Federal.
Na quarta (13), a Folha revelou ainda que Bebianno liberou R$ 250 mil de verba pública para a campanha de uma ex-assessora, que repassou parte do dinheiro para uma gráfica registrada em endereço de fachada —sem maquinário para impressões em massa. O ministro nega qualquer irregularidade.
Já nesta quinta-feira (14), a Folha mostrou que uma gráfica de pequeno porte de um membro do diretório estadual do PSL —legenda do presidente Bolsonaro— foi a empresa que mais recebeu verba pública do partido em Pernambuco nas eleições —sete candidatos declararam ter gasto R$ 1,23 milhão dos fundos eleitoral e partidário na empresa da cidade de Amaraji, interior de Pernambuco.
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