- Folha de S. Paulo
Há livros que são concebidos para ser polêmicos
Há livros que são concebidos para ser polêmicos. "The Madness of Crowds" (a loucura das multidões), de Douglas Murray, é um deles. Murray é de direita, mas não da variante bolsonarista. Formado em Eton e Oxford, ele sabe portar-se à mesa e defende direitos de mulheres, minorias raciais e gays. Ele próprio é gay —e ateu.
"The Madness...", porém, pode ser descrito como um ataque a setores do feminismo, do movimento LGBT e de outras militâncias identitárias. O argumento central de Murray é que, embora vivamos, nas democracias ocidentais, uma era na qual os direitos de minorias são respeitados como em nenhum outro momento da história, vários desses grupos vêm com um discurso raivoso e catastrofista, como se estivéssemos na antessala de Auschwitz. E esse tipo de narrativa, diz o autor, divide as pessoas, gera ressentimentos e produz injustiças.
Murray escreve bem e sabe utilizar o inesgotável armazém de exageros de militantes para ilustrar seus argumentos. O ponto forte do livro é quando ele desmonta a noção de interseccionalidade, isto é, a ideia de que as diferentes minorias travam uma luta comum contra o patriarcado branco, hétero, cis.
O autor mostra que os discursos dos diferentes grupos são com frequência logicamente incompatíveis. Gays, por exemplo, insistem na inevitabilidade da orientação sexual (não é uma escolha e não comporta "cura"), o que está em contradição com a noção, defendida pelos trans, de que cada um é livre para pertencer ao gênero que preferir.
Por vezes, esses curto-circuitos ganham sinistra materialidade, como na história da jovem professora que escreveu um paper afirmando que, da mesma forma que o transgenerismo é legítimo, o transracialismo (um branco viver como negro) também deveria ser. O movimento negro ficou furibundo. A jovem professora conseguiu salvar seu emprego, mas editores do periódico que publicara seu texto não.
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