Valor Econômico
Brasil também sofreu com a mesma surpresa
que atingiu outros bancos centrais e hoje vive um choque inflacionário bastante
sério
Entramos no 2º semestre de 2021 com muitas
incertezas dominando as previsões dos analistas de mercado sobre a economia
brasileira. Para que possa mostrar com clareza minha posição preciso separar -
como fui treinado a fazer ao longo do meu aprendizado profissional - o futuro
em dois momentos distintos: o ciclo econômico que vivemos após a crise
recessiva de 2020 e uma visão de mais longo prazo olhando os próximos anos.
Hoje trato dos próximos dois anos.
Esta separação sempre esteve presente no
exercício de previsões de uma economia de mercado. Mas no contexto do mundo
globalizado de hoje ela ganha contornos mais complexos com a integração digital
e logística dos últimos anos. Os acontecimentos imprevisíveis - Blacks Swans -
em algum dos maiores países no primeiro mundo acabam tendo - por conta desta
integração - efeitos sistêmicos em quase todas as nações. Foi assim com a crise
do mercado imobiliário norte americano em 2008 e repetiu-se agora com a
pandemia da covid-19.
Ao longo dos anos seguimos uma contínua
evolução no protocolo de políticas fiscais e monetárias para enfrentar as
consequências dos desequilíbrios graves criados pelos Black Swans. Ele
estabelece que fica para um segundo momento, quando o pior da crise tiver
passado, as medidas complementares para estabilizar o ciclo econômico e o
funcionamento normal dos mercados financeiros. Mas no caso da crise gerada pela
pandemia da covid, ainda que o protocolo de ações no auge da crise seja
conhecido, a terapia posterior para administrar a volta à normalidade ainda é
uma incógnita, como estamos vendo na maioria das economias de porte, inclusive
no Brasil.
Agora, em meados de 2020, no enfrentamento da recessão criada pelo vírus e o afastamento social que se seguiu, a utilização da política de juros zero e déficits de fiscais superiores a 10% do PIB foi rápida e exitosa. O bate cabeça mundial desta vez ficou por conta da demora do enfrentamento da pandemia, o que acabou projetando no tempo os efeitos das políticas expansionistas colocadas em vigor por vários governos. Como resultado a recuperação das economias no terceiro trimestre de 2020 foi incrível, com a recuperação quase total das perdas do trimestre anterior.
Mas este bate e volta na economia real e,
principalmente, a segunda onda do vírus na virada de 2021, acabaram por
mascarar a recuperação da demanda em vários mercados no momento em que a
maioria das empresas iniciava uma redução agressiva da oferta de alguns bens e
serviços em escala mundial. A mudança rápida de consumidores e empresas para o
protocolo digital da Internet certamente explica boa parte desta recuperação
inesperada nos mercados. Mas de longe, a maior causa para que isto tenha
ocorrido veio da China, que teve apenas um soluço em sua atividade econômica e
voltou a operar acima do teto de 6% de seu ciclo econômico histórico,
sustentando a demanda mundial por matérias primas.
Posteriormente, em meados de 2021, o
sucesso da vacinação nas maiores economias do mundo consolidou a rápida volta
do ciclo econômico acelerando a inflação de modo não esperado pela maioria dos
Bancos Centrais e agentes do mercado. Com isto, vivemos o conflito das autoridades
monetárias mais importantes surpreendidas por uma inflação de demanda muito
forte no momento em que seguiam uma política monetária de combate a uma
recessão que não mais existia.
O caso norte americano é Paramount pela
intensidade da recuperação do emprego e de seu déficit comercial com o exterior
e que levou a um aumento de mais de 100% no preço do frete marítimo. Ao nível
mundial existem também desajustes de demanda em vários mercados de matéria
prima e componentes industriais, mas a expectativa do Fed e do BCE é que estes
desequilíbrios são passageiros e que devem se acomodar com o tempo. Esta tese
tem sido comprada pelos investidores internacionais como mostram os níveis
recordes dos principais índices ações nos mercados mais importantes.
O Brasil também sofreu com a mesma surpresa
que atingiu outros bancos centrais e hoje vive um choque inflacionário bastante
sério. A inflação no Brasil sofreu também a influência de uma recuperação
parcial mais rápida da economia como mostram alguns indicadores recentes:
A evolução do emprego formal que chegou a
mais de três milhões de novos postos de trabalho nos 12 meses terminados em
junho (vejam gráfico).
O índice antecedente do emprego, medido
pela FGV/Ibre, que antecipa os rumos do mercado de trabalho no Brasil, com alta
de 1,6 ponto em julho, a 89,2 pontos, máxima desde fevereiro de 2020 (92,0).
A arrecadação de tributos federais que tem
surpreendido os analistas
A demanda por automóveis com os estoques
das indústrias produtoras em níveis mais baixos nos últimos 20 anos conforme
informou o Valor.
Na mesma linha, a imprensa informou que o
preço dos automóveis usados subiu mais de 40% no mercado nas últimas semanas
por falta dos produtos novos mais vendidos.
Mas a crise de confiança com a nossa moeda
e que levou a uma desvalorização cambial adicionou um componente inflacionário
mais potente via mercado de alimentos e combustíveis, tornando o controle da
inflação pelo Bacen ainda mais complexo. Isto vai obrigar o BC a implementar
uma política de juros agressiva em um momento em que a recuperação cíclica da
economia ainda não está consolidada e que certamente vai pesar no final de 2021
e, com maior certeza em 2022.
*Luiz Carlos Mendonça de
Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi
presidente do BNDES e ministro das Comunicações.
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