Editoriais / Opiniões
Cresce o apoio a ato de repúdio a ameaças
de Bolsonaro
Valor Econômico
Manifestações da sociedade civil são um
remédio vigoroso contra aventuras liberticidas
A democracia brasileira corre riscos com a
intensificação da campanha do presidente Jair Bolsonaro contra urnas
eletrônicas, Tribunal Superior Eleitoral e Supremo Tribunal Federal. A ação do
presidente teve um de seus pontos mais relevantes e lamentáveis na reunião que
promoveu com embaixadores de várias nações, na qual colocou sob suspeita o
próprio sistema que o permitiu chegar ao Palácio do Planalto. O ridículo dessa
atitude surreal não encobre o fato de que Bolsonaro tenha feito um aviso prévio
ao mundo de que não se conformará se esse sistema não for mudado - e não deverá
ser, segundo as instituições envolvidas. Os embaixadores entraram no encontro
mudos e saíram calados - e alguns, estupefatos.
A reação às ameaças presidenciais também
subiu de tom, com a preparação de uma carta-manifesto em defesa da democracia e
do sistema eleitoral a ser lido em ato público na Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo no dia 11 de agosto. Em um par de dias, 300 mil
pessoas a assinaram.
Mas a preparação contra jogadas autoritárias do presidente, que repetirá em 7 de setembro seus ataques ao sistema eleitoral e ao Supremo, convocando seus adeptos “pela última vez”, provou uma resposta de um setor que historicamente preferiu a discrição, com raras exceções: entidades empresariais e do setor financeiro. Mais ainda, trouxe a rara concordância das centrais sindicais com as patronais no apoio à manifestação.
A Federação das Indústrias do Estado de São
Paulo (Fiesp) decidiu aderir ao chamado da carta e realizar uma manifestação no
mesmo dia, em separado. A atitude contagiou outra entidade de peso, a Federação
Brasileira dos Bancos (Febraban), que, por maioria, decidiu aderir ao manifesto
público em defesa da democracia. Bolsonaro atingiu o nervo sensível da prática
democrática e atraiu contra suas atitudes alguns setores que no campo econômico
eventualmente o apoiam. Como explicou o jurista Carlos Sundfeld, um dos
articuladores: “Há signatários que aprovam algumas políticas deste governo, mas
querem respeito à justiça eleitoral”. (Valor,
27 de julho). “Não se trata de uma manifestação antigoverno, mas contra uma
ameaça inaceitável de quebra da institucionalidade”.
Durante quase quatro anos, Bolsonaro
governou praticamente sem oposição, mesmo assim com resultados desastrosos para
o país. No fim de seu primeiro mandato, conseguiu manter ao seu lado os
esbirros do Centrão, que comandam a articulação política do Planalto e a
presidência da Câmara. Conseguiu o feito de estimular o surgimento de
manifestações suprapartidárias de descontentamento, cujo mínimo denominador
comum é a democracia e o respeito aos resultados das urnas eletrônicas, sistema
sobre o qual sequer pairou uma única dúvida séria em três décadas.
Além do despertar de um vigor cívico que
parecia adormecido, a manifestação da sociedade civil, de empresários,
banqueiros e sindicalistas tem um poder não negligenciável de influência,
importante para demover os adeptos de totalitarismos e os saudosistas da
ditadura militar. Ela limita o apoio que o presidente possa receber em seus
devaneios de continuísmo. O presidente pode até se iludir de que conta com o
apoio de muito mais gente do que os fanáticos que o apoiam com entusiasmo. O
manifesto da sociedade civil indica que a adesão ao rompimento institucional é
limitado às franjas radicais do bolsonarismo e mesmo muitos que nele votaram
não aprovam sua cruzada contra as urnas e a democracia. “Não é uma manifestação
entre os times em disputa, mas a favor do juiz”, disse Floriano de Azevedo
Marques, ex-diretor da Faculdade de Direito da USP.
Os intentos deletérios de Bolsonaro foram
rechaçados em outras esferas. Porta-vozes do governo americano afirmaram mais
uma vez que nada há de errado com o sistema eleitoral brasileiro, que é um
exemplo para o mundo. Participando da XV Conferência de Ministros da Defesa das
Américas, o secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, afirmou que os países
da região se aproximam pelo compromisso com o Estado de Direito e pela “devoção
à democracia” (Valor,
27-7). De quebra, o secretário defendeu um “controle civil firme dos
militares”.
Como as intenções antidemocráticas do presidente Jair Bolsonaro sempre foram claras, manifestas à luz do dia e a toda hora, manifestações da sociedade civil antes de eleições cruciais para a República são um remédio vigoroso contra aventuras liberticidas.
É absurda a PEC que torna Bolsonaro senador
vitalício
O Globo
Ideia de criar cadeiras no Senado para
ex-presidentes é tão estapafúrdia que é difícil crer que tenha sido cogitada
Não tem mesmo limites a criatividade dos
parlamentares do Centrão para tentar salvaguardar os interesses do governo. A
última ideia que circula por Brasília é tão estapafúrdia e desvairada que é
difícil acreditar que tenha sido sequer cogitada — só que foi. Trata-se da
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que cria o cargo de senador vitalício
para ex-presidentes, uma tentativa descarada de blindar o presidente Jair
Bolsonaro de processos e da prisão, caso perca a eleição de outubro e tenha de
enfrentar a Justiça como todo cidadão comum.
É preocupante o risco de que tal desatino
prospere. Nunca é demais lembrar que o atual Congresso já aprovou a PEC dos
Precatórios, a PEC Eleitoral, mudanças Lei de Improbidade e diversas outras
medidas com o fito único de blindar políticos da Justiça. Que Bolsonaro esteja
inquieto com o próprio destino e o de seus familiares depois de deixar o
Planalto é compreensível. Que a classe política se sujeite a um acordo que, em
troca da aprovação dessa PEC, traga a vã esperança de que ele abandone seus
ataques ao voto eletrônico e às instituições democráticas é não apenas prova de
ingenuidade, mas também uma vergonha.
O cargo de senador vitalício existia no
tempo do Império, mas foi extinto com a proclamação da República. Persiste como
uma espécie de fóssil institucional em países como Itália ou Paraguai, onde se
tornou um modo de conferir prebendas a ex-mandatários ou figuras notáveis, que
não têm direito a voto no Senado. Outras democracias, como França ou Estados
Unidos, também distribuem regalias a seus ex-presidentes na forma de salários,
assessores ou segurança (medida plenamente justificável). Só no Paraguai estão
protegidos pelo foro privilegiado, como se tenta fazer com Bolsonaro.
No final da ditadura de Augusto Pinochet, o
cargo de senador vitalício também foi criado no Chile para garantir blindagem
ao ex-ditador. Não adiantou, pois ele teve de renunciar à cadeira no Senado por
motivos de saúde e acabou preso em Londres, sob a acusação de crimes contra a
humanidade. Vem provavelmente do exemplo chileno a inspiração de usar o posto
vitalício como proteção a Bolsonaro. Vale lembrar que o próprio Chile anos
depois decidiu acabar com a excrescência de tornar todos os presidentes
senadores pelo resto da vida.
Nada disso impediu que a ideia, que já
circulou por Brasília no passado e felizmente foi esquecida, tenha voltado a
animar os gabinetes do Centrão, à medida que as novas pesquisas voltam a
demonstrar o risco crescente de derrota de Bolsonaro nas eleições de outubro.
O Brasil é uma República democrática, cuja
Constituição determina que os representantes do povo sejam eleitos para ocupar
seus cargos por mandatos fixos e temporários. Se Bolsonaro quiser se candidatar
ao Senado caso não se reeleja, essa mesma Constituição lhe faculta esse
direito. É o que já fizeram os ex-presidentes Fernando Collor, José Sarney e
Dilma Rousseff (os dois primeiros foram eleitos; a última, derrotada). Quanto à
ideia descabida de criar cadeiras vitalícias no Senado para quem quer que seja,
deve ser simplesmente esquecida. O Império já acabou há mais de 130 anos.
Nova troca de comando no Inep expõe descaso
do governo com educação
O Globo
Organismo responsável pelo Enem se tornou
foco de crises e vai para quinta chefia na gestão Bolsonaro
Faltando menos de quatro meses para o Exame
Nacional do Ensino Médio (Enem), o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (Inep) vive mais uma reviravolta. Na quarta-feira,
foi anunciada a saída do presidente Danilo Dupas, substituído interinamente por
Carlos Moreno, funcionário de carreira do Inep. Seria apenas uma questão
burocrática, não fosse Moreno o quinto a assumir o cargo em três anos e meio de
governo Bolsonaro.
Responsável não só pela organização do
Enem, mas também por pesquisas que avaliam a qualidade da educação, o Inep
desempenha papel central no Ministério da Educação. Sob Bolsonaro, porém,
tornou-se uma fábrica de crises. Dupas, indicado pelo ex-ministro Milton
Ribeiro, estava no cargo desde fevereiro de 2021. Foi exonerado a pedido, não
sem antes ter protagonizado, em um ano e meio, uma gestão incendiária,
comprovando o descaso do governo com essa área estratégica.
Em novembro passado, às vésperas do Enem,
37 servidores entregaram cargos de coordenação e acusaram Dupas de assédio
moral, censura e conduta indevida à frente do Inep. Na época, os funcionários
divulgaram nota em que criticavam “a fragilidade técnica e administrativa” da
gestão. Denunciaram também tentativas de interferência nas questões do Enem
para alinhá-las ideologicamente ao governo.
É louvável que um funcionário de carreira
passe a tocar o Inep, na esperança de espantar a sucessão de crises, embora
faltem cinco meses para o fim do governo. Em entrevista ao GLOBO, Moreno,
diretor do Inep por 12 anos, afirmou que sua principal missão será garantir a
estabilidade e contribuir para que exames como Enem, Enade e Revalida sejam
realizados sem sobressalto.
A despeito da tentativa do atual ministro,
Victor Godoy, de corrigir erros passados, as trocas constantes de comando no
Inep e as sucessivas crises expõem o pouco-caso do governo Bolsonaro com a
gestão da educação no país, em que critérios técnicos são deixados de lado
enquanto se privilegiam as conveniências políticas e as obsessões ideológicas
do bolsonarismo. O monitoramento da qualidade da educação, para o qual o Inep
tem importância fundamental, não encontra lugar nessa equação.
O que ocorre no Inep não é caso isolado. O
próprio Ministério da Educação está no quinto ministro no atual governo. O
anterior, Milton Ribeiro, deixou o cargo em meio a denúncias de que pastores
lobistas sem cargo no MEC atuavam lá dentro pedindo propina a prefeituras para
liberar verbas públicas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
(FNDE).
É óbvio que a troca sucessiva de comando afeta as políticas e os programas educacionais. Somada à incompetência e à corrupção, produz resultados desastrosos que costumam ter efeitos duradouros. Não surpreende que a educação brasileira naufrague num mar de inépcia.
Fôlego na largada
Folha de S. Paulo
Lula mantém liderança, mas Bolsonaro ganha
pontos entre os pobres após medidas populistas
Passada a agitação das convenções que
oficializaram as principais candidaturas, Luiz Inácio
Lula da Silva (PT) mantém a liderança da corrida presidencial,
com grande vantagem sobre Jair
Bolsonaro (PL).
A nova pesquisa do Datafolha mostra
o petista com 47% das
intenções de voto, o mesmo que tinha em junho. Ele está 18 pontos
porcentuais à frente do presidente, cujas preferências oscilaram um ponto em um
mês e agora somam 29%.
Descontados os eleitores dispostos a votar
em branco ou anular, e os sem candidato definido, Lula teria hoje 52% dos votos
válidos —teoricamente suficientes para a vitória no primeiro
turno, raspando na margem de erro da pesquisa.
Mas o levantamento mostra também que
Bolsonaro teve ganhos significativos em segmentos do eleitorado que lhe opõem
forte resistência, ainda que o avanço se mostre insuficiente, até aqui, para
modificar o quadro geral da eleição.
É possível que Bolsonaro tenha sido
favorecido pela incipiente recuperação da economia e pelo anúncio dos novos
benefícios sociais aprovados a toque de caixa neste mês. Quando
eles começarem a ser pagos, em agosto, esse efeito poderá ser amplificado.
Entre os mais pobres, com renda familiar de
até dois salários mínimos, a avaliação do desempenho do governo segue muito
negativa, mas teve pequena melhora. O apoio à reeleição de Bolsonaro também
cresceu nesse estrato, que reúne mais da metade dos votantes.
Mesmo assim, os pontos ganhos pelo
presidente entre os pobres estão longe de atingir o nível de popularidade que
ele alcançou no fim de 2020, quando o governo pagou o auxílio emergencial a
trabalhadores prejudicados pela pandemia.
Bolsonaro também ganhou terreno entre as
mulheres e os eleitores do Nordeste. Mas suas taxas de rejeição
continuam muito altas nos dois grupos, em que Lula exibe seus melhores números,
com larga diferença sobre o incumbente.
Num cenário atípico para eleições
presidenciais brasileiras a essa altura, 71% dos eleitores se declaram
decididos e somente 28% cogitam a possibilidade de mudar de candidato. O grau
de convicção é maior entre os apoiadores de Lula e Bolsonaro, alcançando 79%.
Isso mostra como é íngreme o caminho que o
mandatário terá que percorrer para reduzir a distância entre eles e levar a
disputa para o segundo turno. Somente 28% dos eleitores aprovam seu desempenho
no cargo e 53% dizem que não votariam nele de jeito
nenhum.
O que ajuda a entender sua radicalização
na ofensiva
contra as instituições democráticas. Se as medidas populistas não
produzirem os resultados que espera, ele já deixou claro que fará de tudo para
tentar tumultuar o processo eleitoral.
Sofrimento duplo
Folha de S. Paulo
Processos criminais submetem mulheres que
fazem aborto a preconceitos e ilegalidades
O calvário das mulheres que precisam
realizar um aborto no Brasil nem sempre termina nos procedimentos
inseguros praticados em residências ou clínicas clandestinas a
que a maioria é obrigada a recorrer.
Ele prossegue nos tribunais, onde processos
e condenações por interrupção da gravidez acrescentam uma dose extra de
humilhação e violência a pessoas já fragilizadas.
Como se isso não bastasse, as ações penais
não raro se amparam em provas tênues, por vezes obtidas de forma ilegal, e que
redundam em julgamentos eivados por preconceitos de promotores e juízes.
Esse quadro escabroso emerge de um
relatório produzido pela Clínica de
Direitos Humanos das Mulheres da Universidade de São Paulo, em
parceria com a Universidade Columbia e a Clooney Foundation for Justice, a
partir da análise de 167 decisões sobre abortos não previstos em lei,
proferidas por tribunais estaduais e cortes superiores em 2021.
No Brasil, a lei autoriza o
procedimento quando a gestação resultar de estupro, implicar risco para a vida
da mãe, ou em caso de feto anencéfalo. Afora isso, a prática é considerada
crime, com pena de um a três anos de prisão para a mulher.
Contam-se aproximadamente 400 novas ações
por ano relacionadas a casos de autoaborto ou aborto consentido. Os processos
costumam ter cor e classe social bem definidas. As denunciadas, em geral, são
mulheres negras e de baixa renda, obrigadas a recorrer aos serviços públicos de
saúde.
Nesses locais, em vez de receberem
tratamento humanizado e baseado na confidencialidade, elas terminam, em muitos
casos, expostas pelos médicos que as atendem.
De acordo com o relatório, em cerca de 10% dos processos foi possível
identificar que partiu de profissionais da saúde a denúncia que gerou a
investigação criminal —uma atitude oposta ao que preconizam o Código Penal, o
Código de Ética Médica e pareceres de conselhos de medicina, como o Cremesp.
Ocioso dizer que tudo isso poderia ser
evitado caso o aborto fosse tratado no Brasil não sob a ótica penal, mas como
questão de saúde pública e dos direitos da
gestante, como há muito esta Folha advoga.
Assim também tem entendido um número crescente de países.
Por aqui, lamentavelmente, não só o
Congresso se recusa a avançar nessa direção como o governo Jair Bolsonaro (PL)
ainda se esforça para restringir o acesso a esse direito até nas poucas
condições em que ele pode ser exercido.
Inaceitável chantagem
O Estado de S. Paulo
Bolsonaristas tentam coagir Justiça Eleitoral com ameaça de tumulto caso as exigências do presidente não sejam atendidas. Ora, se Bolsonaro não aceita as regras do jogo, não o dispute
O Estadão informou que o governo
de Jair Bolsonaro realiza uma operação de bastidores para tentar convencer o
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a adotar propostas do Ministério da Defesa
sobre as urnas eletrônicas nas eleições de outubro. Segundo fontes do governo,
essa negociação tem o objetivo de evitar reações violentas de bolsonaristas no
7 de Setembro e no dia das eleições. Nessas tratativas, há a indicação de que o
acatamento das propostas por parte da Justiça Eleitoral seria também um modo de
acalmar o próprio presidente Jair Bolsonaro, evitando que ele adote alguma
atitude de incentivo a distúrbios e outras confusões.
Essa negociação é um completo disparate,
rigorosamente inconstitucional. Em primeiro lugar, o Poder Executivo não tem
nenhuma competência sobre as atribuições da Justiça Eleitoral a respeito das
eleições. Toda pressão do governo federal para que o TSE faça mudanças nos
procedimentos relativos às urnas é exercício abusivo da função pública.
Em segundo lugar, as sugestões do
Ministério da Defesa, feitas no âmbito de um órgão consultivo da Justiça
Eleitoral, são apenas isto: sugestões. O TSE não tem nenhuma obrigação de
aceitar, tampouco de oferecer contrapartidas. Não existe, não pode existir, uma
“negociação” entre Ministério da Defesa (ou outro órgão da administração
federal) e Justiça Eleitoral, pelo simples e cristalino motivo de que o
Ministério da Defesa (ou outro órgão da administração federal) não tem
competência sobre as eleições.
Junto com outras entidades, o Ministério da
Defesa foi convidado a oferecer sugestões sobre o processo eleitoral. Não lhe
foi atribuída nenhuma competência adicional, como se pudesse interferir nas
decisões da Justiça Eleitoral ou fazer barganhas públicas sobre as eleições.
Como se não bastasse essa atuação fora dos
trilhos institucionais, há uma agravante muito séria nessa pretensão de
interferir às vésperas das eleições no processo eleitoral: a chantagem. Quando
o presidente e seu entorno sugerem que não têm como controlar a reação de seus
apoiadores caso as propostas do Ministério da Defesa não sejam adotadas,
configura-se inaceitável tentativa de coagir a Justiça Eleitoral.
Ora, não deveria ser necessário recordar
que o respeito às leis e às normas eleitorais deve ser incondicional. Se
Bolsonaro não aceita as regras do jogo nem reconhece a autoridade do árbitro,
deve retirar-se da disputa. Insinuar que pode haver violência se Bolsonaro não
puder ditar o regulamento das eleições beira o gangsterismo. Não é assim que
funciona no Estado Democrático de Direito.
É preciso dizer, no entanto, que o
presidente não se daria por satisfeito mesmo que todas as exigências
bolsonaristas fossem atendidas, porque não lhe interessa o processo eleitoral,
mas apenas o resultado da eleição: a esta altura já está claro que Bolsonaro
não aceitará outro desfecho que não seja sua vitória.
Além disso, a chantagem sobre a Justiça
Eleitoral é uma incrível inversão de responsabilidades. Desde a
redemocratização, as eleições no País têm sido pacíficas. Mesmo nas mais
ferrenhas disputas, nunca houve nada que se assemelhasse minimamente à confusão
que vem sendo insinuada por bolsonaristas, a respeito de uma possível
“convulsão social”, com participação de grupos armados. Se hoje há o risco de
eventos violentos no 7 de Setembro ou no dia das eleições, isso é consequência
direta do comportamento de Jair Bolsonaro, que não faz nenhum esforço para
desestimular a violência. Ao contrário: o presidente estimula o tumulto com
suas dúvidas sobre o processo de votação e suas invectivas contra a Justiça
Eleitoral.
Que a lei seja rigorosamente aplicada sobre
todos os arruaceiros das eleições. A paz social e a ordem pública na campanha
eleitoral e no dia do pleito são temas muito sérios. Não são moedas de troca.
Assim como todos os que desejam se candidatar nas próximas eleições, o
presidente Jair Bolsonaro tem o dever de promover a paz. Se não o faz,
coloca-se à margem das regras do jogo, com consequências nefastas. Há lei no
País, e deve valer para todos.
A ‘fé no taco’ petista arruinou o País
O Estado de S. Paulo
Lula afirma que o teto de gastos só se impõe a governos sem credibilidade. Fato: a âncora fiscal se tornou um imperativo justamente porque petistas destruíram credibilidade do governo
Em recente entrevista ao portal UOL,
Lula da Silva (PT) disse o seguinte: “Quando você faz uma lei de teto de gastos
é porque você é irresponsável, porque você não confia em você, não confia no
seu taco”. O candidato acrescentou que, caso seja eleito, não precisará
governar com um teto de gastos porque a âncora fiscal só faz sentido, em sua
visão, quando o governo “não tem credibilidade para garantir estabilidade e
previsibilidade” aos agentes econômicos. Lula tem razão.
De fato, um presidente responsável e imbuído
de espírito público até pode prescindir de um controle mais rigoroso dos gastos
públicos, pois conhece muito bem os efeitos perversos da gastança desenfreada
sobre a população, sobretudo os mais vulneráveis. O que Lula, malandramente,
escondeu do distinto público é que o teto de gastos só foi instituído pela
Emenda Constitucional (EC) 95, durante o governo de Michel Temer, porque sua
cria, Dilma Rousseff, feriu de morte a racionalidade na elaboração do Orçamento
da União e corroeu a confiança no governo.
O resultado desse voluntarismo petista é
tristemente conhecido pelos brasileiros: a pior recessão econômica de toda a
série histórica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
iniciada em 1948. Até hoje, a conta desse descalabro é paga pelos
contribuintes.
Na entrevista, Lula tentou enganar a
população ao difundir a falácia de que a “Faria Lima”, aludindo ao centro
financeiro da capital paulista, teria “obrigado” o governo Temer a criar o teto
de gastos. Ora, para começar, a EC 95 foi uma construção coletiva do Palácio do
Planalto e do Congresso, fruto do entendimento entre os dois Poderes e após
ampla discussão na sociedade de que algo havia de ser feito para reorganizar as
finanças públicas, destroçadas pela política econômica de Dilma. Ao fim e ao
cabo, o teto de gastos se impôs justamente para que a credibilidade do governo
federal, corroída pela ex-presidente, fosse restabelecida.
Tanto pior é o fato de que Lula, hoje o
candidato mais bem posicionado nas pesquisas de intenção de voto, tem anunciado
previamente que será, ele também, um irresponsável. É disso que se trata. O
petista tenta ludibriar os eleitores sobre a motivação original para a criação
do teto de gastos e, como consequência desse embuste, promete governar por
mágica, como se dinheiro brotasse do chão a seu comando e em respeito a seus
desejos. Se assim for, sua vitória tem tudo para ser uma reprise do desastre de
2014-2016.
Ao dizer que “não precisará” do teto de
gastos para governar, Lula se mostra disposto, assim como Dilma, a dilapidar o
Tesouro em nome de seu projeto de poder. É tudo o que o País, definitivamente,
não precisa após a ruína das contas públicas decorrentes da irresponsabilidade
populista dos governos petistas e, nos últimos três anos e meio, do presidente
Jair Bolsonaro, ele mesmo um dos algozes do teto de gastos. Nesse ponto, Lula e
Bolsonaro podem dar as mãos.
Ao fim e ao cabo, discutir a pertinência do
teto de gastos significa falar sobre a qualidade da democracia representativa
que queremos para o Brasil. O Orçamento da União é – ou ao menos deveria ser –
o retrato mais bem acabado da concertação nacional em torno das prioridades na
alocação dos recursos públicos, que são finitos. Há de ter, pois, espírito
público e muita responsabilidade na sua elaboração e na sua execução. Um país,
como um lar, não tem condições de dar qualidade de vida para seus habitantes
quando as contas estão em desarranjo, quando gasta mais do que ganha.
Seja qual for seu matiz partidário ou
ideológico, para que um governo possa implementar políticas públicas
sustentáveis, das quais depende o bem-estar de milhões de brasileiros, é
preciso antes de tudo haver dinheiro. Boas políticas públicas exigem
responsabilidade fiscal. A forma mais segura e democrática de viabilizar essas
políticas é negociar bem a alocação dos recursos orçamentários. A outra, bem
mais fácil, é criar uma peça de ficção orçamentária e ver no que dá. O País já
conhece o final dessa história.
Polícia menos letal é melhor
O Estado de S. Paulo
Queda expressiva no número de mortos por policiais
em SP indica busca por mais eficiência e maior respeito às leis
Uma polícia eficiente não é a que mata
mais, mas a que melhor garante a segurança dos cidadãos. Por essa razão, é
preciso comemorar a expressiva queda na letalidade policial registrada no
primeiro semestre do ano – de 41,1% em relação ao mesmo período do ano passado
e de 60,7% na comparação com o primeiro semestre de 2020, conforme balanço da
Secretaria de Estado da Segurança Pública.
Como mostrou o Estadão, o total de 202
pessoas mortas por policiais, entre janeiro e junho deste ano, é o menor desde
2005. Excluídas ocorrências envolvendo agentes de folga, isto é, se forem
consideradas somente vítimas de policiais que estavam em serviço, o número é o
menor da série histórica iniciada em 2001.
A redução da letalidade policial reflete
decisões acertadas do governo paulista nos últimos tempos, sobretudo a adoção
de câmeras corporais na farda de policiais militares. A iniciativa já é
realidade em 58 batalhões da PM paulista e segue em expansão. Estão em uso
atualmente 8,1 mil câmeras, e a previsão é chegar a 10 mil em breve.
Ou seja, a experiência da PM de São Paulo
com esse tipo de equipamento já envolve milhares de policiais, sem prejuízo da
repressão ao crime e com resultados positivos em operações e abordagens. Diante
de tamanho acúmulo de evidências, é espantoso que candidatos ao cargo de
governador de São Paulo nas eleições deste ano façam demagogia irresponsável e
ataquem um dispositivo tecnológico que propicia mais segurança para a sociedade
e para os próprios policiais.
Como é comum em toda a política pública
verdadeiramente efetiva, porém, a queda da letalidade policial em São Paulo não
é resultado apenas da adoção das câmeras. Houve uma mudança de rumo na atuação
da polícia a partir da operação truculenta que matou nove jovens em um baile
funk em Paraisópolis, na capital paulista, em 2019, conforme salientou ao Estadão Samira
Bueno, diretora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
No ano seguinte, já com novo comandante, a
PM criou a Comissão de Mitigação de Não Conformidades, encarregada de analisar
ações policiais que resultem em mortes. A comissão verifica, sob o ponto de
vista técnico e operacional, se algo poderia ter sido feito de maneira
diferente, além de avaliar questões mais amplas, e tão ou mais importantes, como
a saúde mental dos agentes. “Às vezes, a morte ou lesão é pela falta de
técnica”, disse o major Rodrigo Fernandes Cabral, porta-voz da PM de São Paulo.
Vale destacar ainda o investimento na
aquisição de armas não letais, como os tasers, que são capazes de
imobilizar uma pessoa por meio de eletrochoque. “Se o comando da polícia
estiver disposto a reduzir a letalidade, consegue”, resumiu Samira.
Por óbvio, policiais se deparam rotineiramente com as mais variadas situações e, muitas vezes, é inevitável disparar a arma de fogo – o que pode acabar em morte. É assim no Brasil e no mundo. O que a atuação das polícias em São Paulo está conseguindo demonstrar, no entanto, é que é possível combater o crime com rigor, dentro da lei e com redução da letalidade. Um exemplo para as demais polícias do País.
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