domingo, 3 de setembro de 2023

Jorge Caldeira* - Brasil: potência pós-fogo?

O Estado de S. Paulo

A humanidade nervosa olha para o Brasil. E o que ela vê? Brasileiros atuando como homens do paleolítico, com apetite para devastar florestas pelo fogo

Primeiro, a escala mundial do problema. As emissões anuais de gases de efeito estufa foram de 54,5 gigatoneladas em 2021. Tais emissões, mais a herança delas recebida de nossos ancestrais, geram aquecimento. O problema não vai ser resolvido apenas com a diminuição das emissões presentes (e nem a esse ponto a humanidade chegou ainda).

Agora, a escala brasileira. Em 2021, as emissões líquidas do País foram de 1,9 gigatonelada, ou 3,5% do total planetário.

A escala mundial das soluções começa pelo setor privado. O total do capital privado existente hoje no mundo é de US$ 140 trilhões, e US$ 53 trilhões (38% do total) são aplicados com cláusulas ESG. A partir de 2020, os maiores governos do planeta criaram seus instrumentos, os Planos de Carbono Neutro, direcionando ações estatais para criar soluções em escala.

O Brasil é irrelevante em capital ESG e inexistente em Plano de Carbono Neutro.

Nesse cenário se joga o futuro. A sobrevivência da humanidade vai depender da capacidade do homem de queimar menos para produzir e, sobretudo, fixar parte do carbono lançado na atmosfera.

A melhor opção é a floresta. A área total delas é calculada em 40 milhões de quilômetros quadrados em todo o planeta. Estimativas das Nações Unidas, realizadas no ano 2000 (portanto de valor relativo para os dias de hoje, embora apontem proporções gerais do problema), indicaram que as florestas do planeta tinham fixadas algo como 1.100 gigatoneladas de carbono; aquele fixado na forma de depósitos fósseis foi calculado em 800 gigatoneladas; e o volume do carbono lançado na atmosfera pela atividade humana de queimar, desde 1870, foi avaliado em 700 gigatoneladas naquela data.

Os números mudaram em 23 anos. Mais queima, menos floresta. Tal mudança só torna muito mais aguda a necessidade de florestas, a única parte desta equação que reverte o efeito das emissões no mundo real.

Nem todas as florestas do mundo têm igual capacidade de fixar carbono – algo que as plantas fazem através do processo da fotossíntese, pelo qual captam carbono da atmosfera com ajuda da luz solar e realizam a fixação. Quanto mais luz, mais capacidade de fixar – o que leva à concentração.

As florestas tropicais ocupam 9 milhões de quilômetros quadrados em áreas de muita incidência de luz. Por isso, fixam 55% de todo o carbono do planeta. A concentração continua: a Floresta Amazônica se estende por 5,6 milhões de quilômetros quadrados; a Floresta do Congo, por 1,5 milhão. Juntas, somam 7,1 milhões de quilômetros quadrados – ou 79% de todas as áreas de florestas tropicais do planeta.

Mas a concentração não para por aí. Além de deter quase 2/3 da área da Floresta Amazônica, o Brasil ainda tem muitas áreas de Mata Atlântica e do Cerrado. Ao todo, segundo um dado oficial meio suspeito, eles ocupariam hoje 4 milhões de quilômetros quadrados. Se for assim, o Brasil teria 44% de todas as florestas tropicais do planeta.

Por mais que se possa discutir o número, a verdade é que as contas não alterariam muito essa concentração. Um pouco para lá, um pouco para cá, algo como 25% de toda a fixação de carbono mundial ocorre no Brasil. E isso com apenas 5% das áreas terrestres deste planeta.

Mesmo com dados imprecisos, dá para entender perfeitamente por que uma humanidade nervosa com o aquecimento global, muito necessitada de carbono fixado, olhe com grande ansiedade para essa pequena parcela do mundo.

E o que ela vê? Brasileiros atuando como homens do paleolítico, com grande apetite para devastar florestas pelo fogo e colocar animais e culturas no seu lugar – além de queimar para produzir.

Por dezenas de milênios, fez sentido. O domínio do homem sobre o fogo é a base da maioria dos mitos de fundação da condição humana, como oposição ao restante do mundo natural. Poder

para civilizar e desenvolver, separar o cru do cozido.

A situação atual exige reversão. Produzir sem queimar. Energia tirada limpa do sol, do ar, da água e da terra. Adivinhem em que país essas formas novas produzem melhor...

Energia limpa é metade da equação. O homem precisa de mais fixação em florestas. Aqui, o lugar do Brasil é realmente único. Além das florestas existentes, o País ainda tem um vasto território de áreas degradadas. Foram florestas devastadas e terras produtivas; deixadas para trás, não sediam hoje qualquer atividade econômica relevante.

Os cálculos mais modestos indicam uma capacidade de restaurar florestas num território de 100 milhões de hectares (apenas para repor a área florestal de 1500 em terras degradadas, sem mexer nas atuais terras do agro). Uma capacidade extra de fixar (algo como 1,5 gigatonelada/ano), para além da capacidade existente nas atuais florestas.

Este não será um evento natural. Vai depender de trabalho e capital. Criação de mercado, para ser bem direto. Floresta restaurada, atividade que custa dinheiro. Floresta para empresário vender – mas só se vende floresta quem entrega. Nenhum dono de capital (que está fora) vai ser bobo de jogar dinheiro no lixo. Teremos capacidade de entregar? Se tivermos, haverá um novo mercado. Com ele, o Brasil pode ser potência pós-fogo.

*Historiador, membro da Academia de Letras (ABL)

5 comentários:

Daniel disse...

É isso aí... Bolsonaro queria continuar deixando desmatar e queimar as matas brasileiras, especialmente a amazônica. Lula já reverteu totalmente esta posição governamental, indicando Marina Silva pra comandar esta mudança. Mas sempre tem gente dizendo que Lula e Bolsonaro são tão parecidos... Quase irmãos gêmeos!

EdsonLuiz disse...

■Bolsonaro é o que sabemos que ele é e só se engana com Bolsonaro quem quer ser enganado ; Lula, igualmente, é o que sabemos o que ele é e só se engana com Lula quem quer ser enganado.
▪Mas alguém, ao falar ou escrever, pode não mostrar o que sejam fatos e quem fala e escreve sem citar dados e fatos pode estar expressando apenas seu desejo, torcida ou equívoco. Ou querendo enganar ou esconder a favor de seu respectivo Mito.

▪=》Então, vamos a fatos::

■No governo Bolsonaro a pressão sobre as matas e os rios, com desmatamentos, com tolerância a garimpos e com queimadas foram imensas e talvez só não tenham sido maiores que o tamanho da área que foi liberada para ser predada em gestões do PT, com a devastadora ação predatória ganhando uma legalização "generosa" com o Código Florestal que providenciaram, que mudou o marco anterior do que estava previsto como reserva na região e legalizadamente liberou extenssíssimas áreas para exploração.

Se não bastasse este Código Florestal terrível, os governos de Lula e do PT AFOGARAM as memórias e o modo de vida de dezenas de tribos de milhares de indígenas, autorizando a construção de hidrelétricas cujos reservatórios de água, eu fiz um vislumbre para ter ideia do estrago, se fossem aqui ocupariam uma área que vai de Vitória-ES até a divisa da Cidade de Campos com o Rio de Janeiro (A viagem de carro neste trajeto leva seis horas).

E todo este estrago e desrespeito só para Lula deixar seus amiguinhos empreiteiros fazerem hidrelétricas cujos Planos Executivos, que são feitos anteriormente à aprovação de uma obra dessas, indicavam serem INVIÁVEIS a qualquer tempo de uso até o descomissionamento de cada usina, em algumas décadas.

Há outras coisas sensiveis com esse estrago todo, como passagens para animais e peixes.

▪Posso continuar com os fatos, é só pedir!
=>Mas não tenho nenhum interesse em tratar Bolsonaro como gêmeo de Lula, nem em tratar Lula como gêmeo de Bolsonaro. Só entendo que diante destes dois, eu, você que está lendo e todo mundo tem a obrigação de denunciar denunciar e denunciar.

marcos disse...

Como Lula e Bolsonaro não haverá a menor chance. Nem com militontos como Daniel.

MAM

Daniel disse...

Marcos, perdeste a oportunidade duma participação positiva, mas preferiste apenas mostrar tua grosseria.

Daniel disse...

Hoje, no dia da Amazônia, Lula voltou a mostrar seu compromisso com a questão ambiental e a grande mudança do seu governo em relação ao criminoso DESgoverno anterior.