Folha de S. Paulo
Qualidade da direita pós-bolsonarista será
proporcional à duração das sentenças às quais Jair e seus cúmplices diretos
sejam condenados
Jair Bolsonaro deve
ser declarado inelegível por ter reunido embaixadores do mundo todo e deixado
claro que tentaria um golpe se perdesse a eleição presidencial de 2022.
Acho triste que Jair seja condenado pela
única promessa que cumpriu, mas a vida é dura.
Com Bolsonaro fora de cena, surge
a questão de quem o substituirá no comando da direita brasileira.
O ideal, é claro, seria vê-la de novo sob controle de seus membros moderados. Torço muito para que isso aconteça, mesmo já sabendo que mesmo os direitistas moderados também serão meus adversários. Afinal, se tudo der certo, disputaremos desarmados.
Minha suspeita é a seguinte: a qualidade
da direita
pós-bolsonarista será proporcional à duração das sentenças às quais
Jair e seus cúmplices diretos sejam condenados.
A dificuldade de se tentar um
"bolsonarismo moderado" é que Jair era o líder da facção radical do
próprio movimento, e o
golpe era parte central de seu programa.
O extremismo era parte da atração que
exercia: quem aderia ao bolsonarismo era convidado a experimentar a promessa de
que a polícia e os militares ficariam do seu lado mesmo se você cometesse os
piores crimes.
O bolsonarismo lhe oferecia proteção das
autoridades enquanto você agredia jornalistas mulheres, perseguia LGBTs, queimava
florestas e roubava terra de indígenas.
A política sempre vai ter um lado sádico,
porque é a última parada antes da guerra. Mas tudo permanece sob controle
enquanto ninguém estiver armado, e as armas do Estado estiverem sob controle da
lei. O bolsonarismo te armava e te prometia que as armas do Estado se juntariam
às suas se você cometesse crimes.
Quem tentar achar a raiz da sedução
bolsonarista apenas nos valores tradicionais ou em interesses econômicos vai
perder metade da história. O bolsonarismo oferecia um bolsa-sadismo que
proporcionava enorme satisfação psicológica para seus militantes, ao menos
enquanto o movimento teve controle da máquina de Estado.
Políticos, empresários, militares e
formadores de opinião que apoiaram Bolsonaro sobreviverão
à moderação.
Continuarão com seus cargos, com seus
espaços, com seu dinheiro. A direita ainda é majoritária na política brasileira
por ampla margem, como sempre foi. O sarrafo para ser comentarista de direita
na mídia brasileira deve continuar baixíssimo.
Mas os soldados-rasos do bolsonarismo podem
sentir falta do bolsa-sadismo.
É perfeitamente possível que esse fascínio
se dilua diante da punição
aos golpistas e ao próprio Bolsonaro.
O fato mesmo de Jair ter fugido para a
Disney enquanto seus soldados-rasos cumpriam ordens no 8
de janeiro deve ter sido um trauma nesse imaginário. O zé-ruela
golpista está lá na Papuda, olha ao redor, não encontra seu líder, onde ele
está? Está em uma mansão
paga pelo Valdemar Costa Neto.
O medo é que a punição não venha, que
persistam dúvidas sobre a permanência das armas do Estado como um lado do
debate político.
Afinal, não vai faltar gente para mentir
que Jair não foi tão ruim assim: sempre há mercado para comentaristas que posam
de "fora da caixa" e "politicamente incorretos" enquanto
defendem que o establishment não abusa o suficiente de seus privilégios.
Se as punições não vierem, a transição até
a direita democrática pode ficar pelo meio do caminho. E meio bolsonarismo
ainda é bastante ruim.
Um comentário:
Verdade.
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