Valor Econômico
Nova restrição foi feita para evitar o risco de a área econômica se ver na situação de precisar cortar nas despesas para cumprir as regras fiscais
“Estão querendo nos matar”, contou um
integrante da equipe econômica, falando sobre a reação da Esplanada dos
Ministérios em relação ao aperto fiscal promovido no mês passado.
O instinto assassino aflorou nem tanto pelo congelamento de R$ 15 bilhões, que havia sido anunciado com antecedência e não surpreendeu. A causa foi a trava adicional: até setembro, os ministérios só podem empenhar (iniciar o gasto) de 35% do que restou após os cortes. Na prática, é como se a tesourada tivesse sido de R$ 47,5 bilhões.
É, porém, uma restrição provisória. Foi feita
para evitar o risco de, mais para o fim do ano, a área econômica se ver na
situação de precisar cortar nas despesas para cumprir as regras fiscais, mas
não ter como.
A trava adicional reforça o trabalho que tem
sido feito pelo governo para mitigar incertezas em relação às contas públicas,
disse um integrante do governo. Na sua visão, o mercado mergulhou numa
convenção, uma crença conjunta, de que houve aumento do risco fiscal. “Mas se
olharmos os dados e fatos, era para ter redução e não aumento da incerteza”,
comentou.
Dados: a pesquisa Focus, respondida por
instituições financeiras, aponta para alguma melhora nas expectativas. A
mediana para o resultado primário deste ano é um déficit de 0,7% do Produto
Interno Bruto (PIB) na pesquisa desta semana, ante 0,8% em janeiro. A projeção
para a dívida líquida do setor público chegou a 63,7% do PIB, ante 64,45% do
PIB no início do ano.
O déficit projetado pelo governo é de R$ 28,7
bilhões em 2024. No ano passado, o saldo foi de R$ 230 bilhões negativos. É,
portanto, um ajuste de quase R$ 200 bilhões em 12 meses, talvez o maior da
história. E, notou, já se fala no mercado sobre o “risco” de o governo cumprir
a meta.
Fatos: foi rompido um tabu sobre corte de
despesas. “Não podia falar aquela palavra que começa com a letra ‘c’ nas
reuniões no Planalto”, brincou uma fonte. Agora, pode. Do ponto de vista da
área econômica, esse foi um divisor de águas.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu
sinal verde para congelar R$ 15 bilhões nas despesas deste ano e cortar R$ 25,9
bilhões em 2025. Medidas adicionais de ajuste fiscal são elaboradas, pois serão
necessárias.
A ruptura do tabu faz parte de uma lista de
cinco pedidos feitos pela equipe econômica a Lula na reunião da Junta de
Execução Orçamentária (JEO), no dia 3 de julho, conta um integrante do governo.
Também foi solicitado que o presidente e
demais ministros reafirmassem seu compromisso com o arcabouço fiscal (e Lula
usou a cadeia nacional de rádio e TV para isso no último dia 28); que fosse
autorizado o “pente-fino” nos benefícios sociais; e que não fossem interditadas
discussões sobre medidas adicionais de cortes nas despesas.
O quinto ponto diz respeito ao Banco Central.
Era preciso deixar claro que as críticas de Lula se dirigiam à atuação política
do atual presidente da autarquia, Roberto Campos Neto. “Defenda a autonomia,
porque a autonomia faz sentido para a gente”, pediram.
E foi sugerido que o próximo chefe do Banco
Central, a ser indicado em breve, seja alguém “com rigor técnico e que não
jogue contra o governo”. Os nomes mais citados nos bastidores são o do atual
diretor de Política Monetária do Banco Central, Gabriel Galípolo, e Marcelo
Kayath, sócio da gestora QMS Capital e ex-diretor do Credit Suisse.
O compromisso de Lula com a equipe econômica
será testado. “Há dúvidas se o apoio é ilimitado”, afirmou o head de
Macroeconomia da ASA, Jeferson Bittencourt, ex-secretário do Tesouro Nacional.
A pouca simpatia do presidente em relação a
cortes de despesa não é segredo. E é possível que venha à tona, até porque este
é um ano eleitoral e contenções de gastos em áreas como saúde e educação nada
têm de popular.
Outro ponto que deixa o mercado com a pulga
atrás da orelha é a composição do ajuste fiscal. Dos R$ 15 bilhões congelados
em julho, R$ 11,2 bilhões são bloqueio (feito para manter as despesas dentro do
limite estabelecido pelo arcabouço fiscal) e R$ 3,8 bilhões são
contingenciamento (feito para atingir a meta de equilíbrio entre receitas e
despesas).
Assim, parece que o governo está mais
empenhado em cumprir o limite do arcabouço do que a meta de resultado primário,
comentou Bittencourt. Mas é essa segunda que determina a dinâmica da dívida
pública.
O congelamento de R$ 15 bilhões é “nada”,
afirmou o diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Marcus
Pestana. Pelas suas contas, seriam necessários R$ 57 bilhões. É, também, um
ajuste de má qualidade. Foram cortados quase R$ 5 bilhões em investimentos, que
já eram “medíocres”, comprometendo a perspectiva de desenvolvimento econômico à
frente, comentou.
A tensão que tomou conta dos mercados esta
semana recomenda cautela dobrada. É causada por questões que não são nossas,
como o risco de recessão nos Estados Unidos e a mudança na política monetária
japonesa. Mas a conta chega aqui, na forma de dólar caro e mais incertezas para
definição de juros. No calor dos palanques, será má ideia politizar o ajuste
fiscal ou a autonomia do Banco Central.
Um comentário:
Sim.
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