sábado, 12 de abril de 2025

A lógica da insensatez – Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

As famílias comprarão produtos mais caros, terão menos empregos e ainda perderão parte de sua poupança

Os Estados Unidos são o principal destino das exportações chinesas, mas essa participação vem diminuindo nos últimos anos. Em 2018, o país recebeu cerca de 20% das vendas externas da China. Hoje, esse valor caiu para 14%. No sentido contrário, algo como 7% das importações chinesas tem como origem os Estados Unidos.

Portanto o impacto das tarifas é maior para os Estados Unidos. Olhando só os números, parece que não seria muito difícil para os americanos substituir as compras chinesas por produtos fabricados nos Estados Unidos, como é o propósito declarado de Donald Trump. Basta, entretanto, olhar alguns casos para verificar como essa substituição é praticamente impossível.

Nada menos que 80% dos iPhones são montados na China. Desde o primeiro governo Trump, a Apple tem procurado diversificar suas fontes de suprimento. A Índia foi uma boa escolha. Nas últimas semanas, aviões carregados de celulares têm partido de aeroportos indianos. Mas foram vários anos para tirar da China uma pequena parte da produção. E tudo continuou no sistema de insumos da Ásia.

E se a Apple quisesse levar a produção para os Estados Unidos? Seriam necessários três anos, ao custo de US$ 30 bilhões, para transferir da Ásia a inexpressiva fatia de 10% de sua cadeia de suprimentos — tal é o cálculo do banco de investimento Wedbush, citado em reportagem publicada ontem no Valor Econômico.

Considerem agora outro produto essencial: travesseiros. Uma busca na internet mostra que hoje se compra um travesseiro de alto luxo por US$ 100, produzido pela Moso, uma empresa de Denver. O travesseiro é feito com fibras de bambu chinês. Em reportagem do New York Times, o fundador da empresa, Travis Luther, explicou como seria levar toda a produção para os Estados Unidos.

Primeiro, teria de plantar o bambu e esperar alguns anos até que a planta crescesse. Aí entraria o processo de produção das fibras e, finalmente, o travesseiro. Para uma operação menor, o custo seria de pelo menos US$ 6 milhões. Enquanto isso, ou a companhia deixaria de vender seus travesseiros ou continuaria a importar insumos da China, pagando a tarifa de 145% e vendendo o produto nos Estados Unidos por mais de US$ 200, no mínimo o dobro do valor atual.

Logo, não há alternativa para a empresa a não ser negociar com os fornecedores chineses como baratear as fibras e desenvolver novos produtos. Mesma situação da Apple. E de milhares de outras empresas. Eis por que subiu a inflação esperada pelos americanos. Alguns estudos apontam que ela pode ir rapidamente para 4% ao ano, o dobro da meta e bem acima dos atuais 2,4%. Especula-se também sobre a possibilidade de recessão. Isso mesmo, recessão com inflação.

Se um iPhone salta de US$ 1 mil para mais de US$ 2 mil; se um travesseiro vai de US$ 100 a mais de US$ 200, menos consumidores poderão comprá-los. Se cai o consumo, cai a produção, isso num ambiente de aumento de custos para as empresas. Até aqui, estamos considerando apenas as tarifas aplicadas aos produtos chineses. Se forem estendidas aos demais países, o desastre toma proporções inéditas.

Nessa expectativa, cai o valor das empresas nas Bolsas de Nova York. A imprensa destacou nos últimos dias a pesada perda patrimonial dos donos das grandes companhias. Mas a coisa bate na classe média. As famílias americanas guardam a maior parte de sua poupança em ações. Estima-se que 60% dos americanos adultos, algo como 160 milhões de pessoas, tenham investimento no mercado de ações, diretamente ou por meio de fundos e planos de aposentadoria.

Aí o desastre está completo. As famílias comprarão produtos mais caros, terão menos empregos e ainda perderão parte de sua poupança. Tudo isso acontecendo na maior economia do mundo. Daí o pânico dos mercados — expressão usada por jornais americanos para descrever situações inéditas. Entre elas, o movimento de vendas dos títulos do governo americano, até aqui considerados o porto seguro dos investidores do mundo inteiro.

É o custo da insensatez e da consequente perda de credibilidade. Não há como encontrar lógica no governo Trump.

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