O Globo
As famílias comprarão produtos mais caros,
terão menos empregos e ainda perderão parte de sua poupança
Os Estados Unidos são
o principal destino das exportações chinesas, mas essa participação vem
diminuindo nos últimos anos. Em 2018, o país recebeu cerca de 20% das vendas
externas da China.
Hoje, esse valor caiu para 14%. No sentido contrário, algo como 7% das
importações chinesas tem como origem os Estados Unidos.
Portanto o impacto das tarifas é maior para os Estados Unidos. Olhando só os números, parece que não seria muito difícil para os americanos substituir as compras chinesas por produtos fabricados nos Estados Unidos, como é o propósito declarado de Donald Trump. Basta, entretanto, olhar alguns casos para verificar como essa substituição é praticamente impossível.
Nada menos que 80% dos iPhones são montados
na China. Desde o primeiro governo Trump, a Apple tem
procurado diversificar suas fontes de suprimento. A Índia foi uma
boa escolha. Nas últimas semanas, aviões carregados de celulares têm partido de
aeroportos indianos. Mas foram vários anos para tirar da China uma pequena
parte da produção. E tudo continuou no sistema de insumos da Ásia.
E se a Apple quisesse levar a produção para
os Estados Unidos? Seriam necessários três anos, ao custo de US$ 30 bilhões,
para transferir da Ásia a inexpressiva fatia de 10% de sua cadeia de
suprimentos — tal é o cálculo do banco de investimento Wedbush, citado em
reportagem publicada ontem no Valor Econômico.
Considerem agora outro produto essencial:
travesseiros. Uma busca na internet mostra que hoje se compra um travesseiro de
alto luxo por US$ 100, produzido pela Moso, uma empresa de Denver. O
travesseiro é feito com fibras de bambu chinês. Em reportagem do New York
Times, o fundador da empresa, Travis Luther, explicou como seria levar toda a
produção para os Estados Unidos.
Primeiro, teria de plantar o bambu e esperar
alguns anos até que a planta crescesse. Aí entraria o processo de produção das
fibras e, finalmente, o travesseiro. Para uma operação menor, o custo seria de
pelo menos US$ 6 milhões. Enquanto isso, ou a companhia deixaria de vender seus
travesseiros ou continuaria a importar insumos da China, pagando a tarifa de
145% e vendendo o produto nos Estados Unidos por mais de US$ 200, no mínimo o
dobro do valor atual.
Logo, não há alternativa para a empresa a não
ser negociar com os fornecedores chineses como baratear as fibras e desenvolver
novos produtos. Mesma situação da Apple. E de milhares de outras empresas. Eis
por que subiu a inflação esperada pelos americanos. Alguns estudos apontam que
ela pode ir rapidamente para 4% ao ano, o dobro da meta e bem acima dos atuais
2,4%. Especula-se também sobre a possibilidade de recessão. Isso mesmo,
recessão com inflação.
Se um iPhone salta
de US$ 1 mil para mais de US$ 2 mil; se um travesseiro vai de US$ 100 a mais de
US$ 200, menos consumidores poderão comprá-los. Se cai o consumo, cai a
produção, isso num ambiente de aumento de custos para as empresas. Até aqui,
estamos considerando apenas as tarifas aplicadas aos produtos chineses. Se
forem estendidas aos demais países, o desastre toma proporções inéditas.
Nessa expectativa, cai o valor das empresas
nas Bolsas de Nova York. A
imprensa destacou nos últimos dias a pesada perda patrimonial dos donos das
grandes companhias. Mas a coisa bate na classe média. As famílias americanas
guardam a maior parte de sua poupança em ações. Estima-se que 60% dos
americanos adultos, algo como 160 milhões de pessoas, tenham investimento no
mercado de ações, diretamente ou por meio de fundos e planos de aposentadoria.
Aí o desastre está completo. As famílias
comprarão produtos mais caros, terão menos empregos e ainda perderão parte de
sua poupança. Tudo isso acontecendo na maior economia do mundo. Daí o pânico
dos mercados — expressão usada por jornais americanos para descrever situações
inéditas. Entre elas, o movimento de vendas dos títulos do governo americano,
até aqui considerados o porto seguro dos investidores do mundo inteiro.
É o custo da insensatez e da consequente
perda de credibilidade. Não há como encontrar lógica no governo Trump.
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