Folha de S. Paulo
Não virei réu por desejar a morte de
Bolsonaro, mas autoridades bolsonaristas trabalharam para que eu virasse
Já que meu nome vem sendo citado por
bolsonaristas na tentativa de limpar a barra do deputado Gilvan da Federal (PL-ES), que disse
desejar a morte do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, acho importante prestar alguns esclarecimentos.
No que diz respeito ao mérito da questão, o parlamentar pode dormir quase tranquilo. Enquanto houver juízes em Brasília, desejar, pública ou privadamente, a morte de alguém não será considerado crime. Trata-se de fato atípico, como deveria saber qualquer estudante de direito que não tenha cabulado as primeiras aulas de penal.
E é fato que, em 2020, eu escrevi uma coluna na
qual afirmava desejar a morte do então recém-infectado presidente Jair
Bolsonaro. Nela eu dizia que, se o vírus da Covid-19 o tirasse de cena,
muitas vidas de brasileiros seriam poupadas na pandemia. Pela ética
consequencialista, então, eu estava autorizado a querer um desfecho funesto
para o governante negacionista.
Também é fato, como apontam os bolsonaristas,
que eu não me tornei réu nem fui condenado por meu texto. Mas eu receio que
eles avancem o sinal ao afirmar que nada aconteceu.
A pedido de um líder bolsonarista, o então
ministro da Justiça, André
Mendonça, hoje no STF, a Polícia
Federal abriu inquérito para investigar se eu havia violado a Lei de Segurança
Nacional, ainda em vigor naquele ano. O jornal teve de contratar advogados para
me defender, o que fizeram com brilhantismo e conseguiram trancar
o inquérito no STJ.
Trocando em miúdos, autoridades bolsonaristas
fizeram comigo o mesmo carnaval que autoridades petistas agora tentam fazer com
o parlamentar capixaba. O caso não deve dar em nada, mas elas aproveitam a
ocasião para mostrar lealdade para com o chefe.
Seria obviamente preferível que autoridades
sempre agissem como autoridades, isto é, de acordo com a lei e não com suas
preferências ideológicas. Mas não vai acontecer. Pedir às pessoas que renunciem
a suas paixões políticas tem tanta chance de êxito quanto pedir a Donald Trump que
seja razoável.
Nenhum comentário:
Postar um comentário