Suely Caldas
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Como o resto do mundo, o Brasil também demorou a acordar para a crise econômica global. Governo, empresas, bancos, consultores econômicos, ninguém prestou atenção, não souberam (ou não quiseram) avaliar os sinais que vinham de fora do País desde o último trimestre de 2007 e se acentuaram nos meses seguintes de 2008. Com a euforia da Bovespa, a produção industrial disparando, o crédito em expansão, o emprego crescendo, o Brasil mergulhou junto com o mundo na fantasia da falsa e inflada bolha, que encobria a realidade e turvava os maus presságios. O principal deles foi a rápida deterioração do setor externo da economia, os crescentes déficits nas transações com o exterior, que pioravam a cada mês e eram desprezados nas previsões econômicas.
Sempre muito cauteloso, até o Banco Central deixou passar: na divulgação mensal que fazia dos números, o BC minimizava o déficit externo, ignorava-o com a desculpa de que ele seria compensado pela entrada de capitais de investimento. E era verdade, até porque empresas estrangeiras investem em períodos de crescimento econômico. A explicação não estava errada. Errado foi descuidar de investigar o que acontecia no setor externo, por que empresas estrangeiras remetiam cada vez mais dólares para suas matrizes, por que o volume de mercadorias exportadas caía a cada mês (o problema era mascarado pela receita com exportações, que crescia junto com o preço das commodities e os analistas se deixavam enganar).
Na época, o secretário de Comércio Exterior, Welber Barral, ligou para contestar texto publicado aqui neste espaço, em 3 de agosto de 2008, advertindo para a queda do volume das exportações. Garantia não haver queda alguma e negava cálculos feitos pela Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex). Quem alertasse para a realidade era visto como ave de mau agouro, um torcedor contra o Brasil. Havia um clima de cumplicidade geral, as boas notícias inebriavam e eram usadas para ignorar os sinais da crise. Como o presidente Lula tentou fazer todo o tempo, dizendo que a crise não passava de uma marolinha. E ainda faz hoje, aconselhando os brasileiros a gastarem, e não se prepararem para dias piores que começaram a chegar com a crise.
É compreensível que o principal dirigente da Nação não atue como um anunciador do apocalipse e saia por aí levando mensagens negativas. Ele deve usar a liderança para injetar ânimo na população, estimulá-la a reagir, resistir. Isso é uma coisa. Outra muito diferente é desdenhar do poder da crise, ignorá-la, levar ilusão e fantasia a quem já tem tão pouca informação. E outra ainda mais grave é enganar a si próprio, não agir antecipadamente, mesmo que de forma reservada, para prevenir efeitos negativos da crise que se aproximava.
É verdade que as pesquisas do IBGE apontavam para a direção de um PIB que poderia chegar até a 6% em dezembro, não fosse a desaceleração a partir de outubro. Motivo de alegria, comemoração. O governo, contudo, não se deve deixar inebriar, pode e deve liderar a festa, mas tem obrigação de agir com sensatez, mesmo que silenciosamente e sem alarde, prevenir-se contra os efeitos da crise com ações concretas. E isso o governo Lula não fez. Apesar de todos os sinais, desde o final de 2007, só acordou e agiu depois do choque assustador da falência do banco Lehman Brothers, no fim de setembro. E assim mesmo desdenhando com a marolinha.
Espalhada a partir do centro nevrálgico do crédito em países ricos, no primeiro momento a crise atingiu com força justamente esses países, mas tem enorme poder de contagiar os emergentes, mais fracos, sem poupança própria para suprir o financiamento à produção e ao investimento e que precisam disputar o escasso crédito nos países ricos. Não foi por outro motivo que a poderosa Petrobrás teve de recorrer a crédito inédito da Caixa Econômica Federal, primeiro de R$ 2 bilhões, depois mais R$ 1,5 bilhão. Se nem a Petrobrás consegue crédito externo, o que esperar de todas as demais empresas brasileiras?
São preocupantes as perdas em operações de comércio exterior decorrentes da crise. Em agosto a corrente de comércio (exportações mais importações) somou US$ 1,772 bilhão e mês a mês tem caído, desabando para US$ 1,151 bilhão em dezembro, uma queda de 35% em apenas quatro meses.
Neste 2009, resistir, decidir no momento certo, agir com realismo e sem levar a ilusões é a melhor torcida pelo Brasil. E nosso maior desejo é que tenhamos todos um feliz ano-novo!
*Suely Caldas, jornalista, é professora de Comunicação da PUC-Rio
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Como o resto do mundo, o Brasil também demorou a acordar para a crise econômica global. Governo, empresas, bancos, consultores econômicos, ninguém prestou atenção, não souberam (ou não quiseram) avaliar os sinais que vinham de fora do País desde o último trimestre de 2007 e se acentuaram nos meses seguintes de 2008. Com a euforia da Bovespa, a produção industrial disparando, o crédito em expansão, o emprego crescendo, o Brasil mergulhou junto com o mundo na fantasia da falsa e inflada bolha, que encobria a realidade e turvava os maus presságios. O principal deles foi a rápida deterioração do setor externo da economia, os crescentes déficits nas transações com o exterior, que pioravam a cada mês e eram desprezados nas previsões econômicas.
Sempre muito cauteloso, até o Banco Central deixou passar: na divulgação mensal que fazia dos números, o BC minimizava o déficit externo, ignorava-o com a desculpa de que ele seria compensado pela entrada de capitais de investimento. E era verdade, até porque empresas estrangeiras investem em períodos de crescimento econômico. A explicação não estava errada. Errado foi descuidar de investigar o que acontecia no setor externo, por que empresas estrangeiras remetiam cada vez mais dólares para suas matrizes, por que o volume de mercadorias exportadas caía a cada mês (o problema era mascarado pela receita com exportações, que crescia junto com o preço das commodities e os analistas se deixavam enganar).
Na época, o secretário de Comércio Exterior, Welber Barral, ligou para contestar texto publicado aqui neste espaço, em 3 de agosto de 2008, advertindo para a queda do volume das exportações. Garantia não haver queda alguma e negava cálculos feitos pela Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex). Quem alertasse para a realidade era visto como ave de mau agouro, um torcedor contra o Brasil. Havia um clima de cumplicidade geral, as boas notícias inebriavam e eram usadas para ignorar os sinais da crise. Como o presidente Lula tentou fazer todo o tempo, dizendo que a crise não passava de uma marolinha. E ainda faz hoje, aconselhando os brasileiros a gastarem, e não se prepararem para dias piores que começaram a chegar com a crise.
É compreensível que o principal dirigente da Nação não atue como um anunciador do apocalipse e saia por aí levando mensagens negativas. Ele deve usar a liderança para injetar ânimo na população, estimulá-la a reagir, resistir. Isso é uma coisa. Outra muito diferente é desdenhar do poder da crise, ignorá-la, levar ilusão e fantasia a quem já tem tão pouca informação. E outra ainda mais grave é enganar a si próprio, não agir antecipadamente, mesmo que de forma reservada, para prevenir efeitos negativos da crise que se aproximava.
É verdade que as pesquisas do IBGE apontavam para a direção de um PIB que poderia chegar até a 6% em dezembro, não fosse a desaceleração a partir de outubro. Motivo de alegria, comemoração. O governo, contudo, não se deve deixar inebriar, pode e deve liderar a festa, mas tem obrigação de agir com sensatez, mesmo que silenciosamente e sem alarde, prevenir-se contra os efeitos da crise com ações concretas. E isso o governo Lula não fez. Apesar de todos os sinais, desde o final de 2007, só acordou e agiu depois do choque assustador da falência do banco Lehman Brothers, no fim de setembro. E assim mesmo desdenhando com a marolinha.
Espalhada a partir do centro nevrálgico do crédito em países ricos, no primeiro momento a crise atingiu com força justamente esses países, mas tem enorme poder de contagiar os emergentes, mais fracos, sem poupança própria para suprir o financiamento à produção e ao investimento e que precisam disputar o escasso crédito nos países ricos. Não foi por outro motivo que a poderosa Petrobrás teve de recorrer a crédito inédito da Caixa Econômica Federal, primeiro de R$ 2 bilhões, depois mais R$ 1,5 bilhão. Se nem a Petrobrás consegue crédito externo, o que esperar de todas as demais empresas brasileiras?
São preocupantes as perdas em operações de comércio exterior decorrentes da crise. Em agosto a corrente de comércio (exportações mais importações) somou US$ 1,772 bilhão e mês a mês tem caído, desabando para US$ 1,151 bilhão em dezembro, uma queda de 35% em apenas quatro meses.
Neste 2009, resistir, decidir no momento certo, agir com realismo e sem levar a ilusões é a melhor torcida pelo Brasil. E nosso maior desejo é que tenhamos todos um feliz ano-novo!
*Suely Caldas, jornalista, é professora de Comunicação da PUC-Rio
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