Almir Pazzianotto Pinto
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
A atual crise, que contamina o mercado de trabalho, é real, extensa, profunda e de duração imprevisível. Como de hábito, as maiores vítimas serão os trabalhadores.
A lei não recusa ao empregador permissão para despedir, salvo nas raras hipóteses de estabilidade temporária. Não obstante a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) cuidar apenas de demissões individuais, são possíveis as de natureza coletiva, postas em prática quando as empresas passam a experimentar dificuldades de sobrevivência.
Mesmo quando respeitam as exigências legais e arcam com os pesados ônus das demissões sem justa causa, os empregadores sentem-se inseguros ao dispensar um ou muitos empregados. A fragilidade da quitação, mais a isenção de custas processuais, a criatividade de experientes advogados e o esticado prazo prescricional de dois anos são fatores estimulantes ao ajuizamento de reclamações trabalhistas, com pretensões justas ou divorciadas da verdade.
Mesmo em épocas de prosperidade, quando é forte o mercado de trabalho, alguma rotatividade ocorre. A experiência demonstra a impossibilidade de grandes empresas conservarem a mão de obra fixa e estável diante de situações imprevisíveis que acabam por determinar o desligamento de alguém, não raro por iniciativa do dispensado.
Em períodos críticos o problema se avoluma e coloca o empresário, após a concessão de férias coletivas ou a suspensão temporária de parte das atividades, diante de um terrível dilema: demitir em massa ou reduzir a jornada, com a correspondente amputação de salários.
Problemas e riscos das demissões são conhecidos. Não há muito mais o que fazer além de contabilizar os direitos devidos, preencher minucioso recibo de quitação, oferecer vários benefícios adicionais, submeter o documento à homologação do sindicato ou do órgão local do Ministério do Trabalho e preparar o espírito para eventual surpresa desagradável.
Dúvidas e dificuldades surgem quando se passa à hipótese de negociação em torno da redução de horário e de salário. São figuras xifópagas e indissociáveis. Reduzir horário sem afetar salário importa em concessão de aumento real, sob circunstâncias impossíveis. Reduzir salário com a manutenção da carga horária nenhum trabalhador admitiria.
A Constituição prescreve a "irredutibilidade do salário, salvo o disposto em acordo ou convenção coletiva" (artigo 7º, VI). Trata-se de válvula de segurança introduzida pelo legislador no mercado de trabalho para evitar demissões coletivas.
Para redução de horário não há teto nem piso. Será o que melhor convier à empresa. E quanto à redução do salário? A resposta pode estar, como me parece que está, na Lei nº 4.923/67. O fato de ter origem no regime militar, ou no governo do presidente Castelo Branco, não lhe diminui os méritos, pois do mesmo período são a Lei 5.107, que instituiu o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), e outras legislações que prestam bons serviços.
Segundo o disposto pelo artigo 2º, a empresa que, "em face de conjuntura econômica, devidamente comprovada, se encontrar em condições que recomendem, transitoriamente, a redução da jornada normal ou do número de dias de trabalho, poderá fazê-lo, mediante prévio acordo com a entidade sindical representativa de seus empregados, homologado pela Delegacia Regional do Trabalho por prazo certo, não excedente de 3 (três) meses, prorrogável, nas mesmas condições, se ainda indispensável, e sempre de modo que a redução de salário mensal resultante não seja superior a 25% (vinte e cinco por cento) do salário contratual, respeitado o salário mínimo regional".
Diante do que o texto contém de mais essencial, duas dúvidas provavelmente ocorrem: como demonstrar conjuntura econômica desfavorável e se persiste o máximo de 25%.
Julgo supérfluo exigir que a realização de tais acordos ou convenções se submeta "à prévia e inequívoca comprovação documental (insuficiência econômica, financeira e patrimonial, que inviabilize a manutenção dos postos de trabalho) às entidades sindicais, por parte das empresas interessadas, dando conta de sua situação econômica emergencial", como quer a Procuradoria Regional do Trabalho. A empresa propõe e se justifica, e o sindicato crê ou não na verdade dos fatos. Ao não acreditar, assume o risco de demissões em massa.
Admitido o corte, qual a porcentagem máxima? A Lei 4.923 estabelece 25%. O empresário que, a pretexto do silêncio do dispositivo constitucional, tentar redução mais elevada, encontrará invencível oposição dos trabalhadores, além de revelar à opinião pública que perdeu o sentido ético e ignora os limites da razoabilidade.
Ademais disso, independentemente de se saber se a norma legal está ou não em vigor, negociações sobre redução de jornada e de salários devem obedecer às regras da CLT, do capítulo que trata de acordos e convenções coletivas. São obrigatórias, portanto, a convocação de assembleia-geral dos interessados, existência de quórum comprovado por assinaturas do livro de presença e redação de ata contendo tudo quanto foi deliberado. O acordo, afinal, não pertence à diretoria sindical, mas aos trabalhadores, pois é sobre eles que recairão os prejuízos salariais.
Mesmo preenchidos os requisitos mínimos da lei, acordo coletivo para subtrair salários sempre encerra alto grau de risco. Logo, que se respeite a lei em todos os detalhes, ainda que alguns juristas coloquem dúvidas sobre sua aplicabilidade. Ou o atual Congresso Nacional teria a ousadia de determinar desconto acima de 25%?
Almir Pazzianotto Pinto é ex-ministro do Trabalho e ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
A atual crise, que contamina o mercado de trabalho, é real, extensa, profunda e de duração imprevisível. Como de hábito, as maiores vítimas serão os trabalhadores.
A lei não recusa ao empregador permissão para despedir, salvo nas raras hipóteses de estabilidade temporária. Não obstante a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) cuidar apenas de demissões individuais, são possíveis as de natureza coletiva, postas em prática quando as empresas passam a experimentar dificuldades de sobrevivência.
Mesmo quando respeitam as exigências legais e arcam com os pesados ônus das demissões sem justa causa, os empregadores sentem-se inseguros ao dispensar um ou muitos empregados. A fragilidade da quitação, mais a isenção de custas processuais, a criatividade de experientes advogados e o esticado prazo prescricional de dois anos são fatores estimulantes ao ajuizamento de reclamações trabalhistas, com pretensões justas ou divorciadas da verdade.
Mesmo em épocas de prosperidade, quando é forte o mercado de trabalho, alguma rotatividade ocorre. A experiência demonstra a impossibilidade de grandes empresas conservarem a mão de obra fixa e estável diante de situações imprevisíveis que acabam por determinar o desligamento de alguém, não raro por iniciativa do dispensado.
Em períodos críticos o problema se avoluma e coloca o empresário, após a concessão de férias coletivas ou a suspensão temporária de parte das atividades, diante de um terrível dilema: demitir em massa ou reduzir a jornada, com a correspondente amputação de salários.
Problemas e riscos das demissões são conhecidos. Não há muito mais o que fazer além de contabilizar os direitos devidos, preencher minucioso recibo de quitação, oferecer vários benefícios adicionais, submeter o documento à homologação do sindicato ou do órgão local do Ministério do Trabalho e preparar o espírito para eventual surpresa desagradável.
Dúvidas e dificuldades surgem quando se passa à hipótese de negociação em torno da redução de horário e de salário. São figuras xifópagas e indissociáveis. Reduzir horário sem afetar salário importa em concessão de aumento real, sob circunstâncias impossíveis. Reduzir salário com a manutenção da carga horária nenhum trabalhador admitiria.
A Constituição prescreve a "irredutibilidade do salário, salvo o disposto em acordo ou convenção coletiva" (artigo 7º, VI). Trata-se de válvula de segurança introduzida pelo legislador no mercado de trabalho para evitar demissões coletivas.
Para redução de horário não há teto nem piso. Será o que melhor convier à empresa. E quanto à redução do salário? A resposta pode estar, como me parece que está, na Lei nº 4.923/67. O fato de ter origem no regime militar, ou no governo do presidente Castelo Branco, não lhe diminui os méritos, pois do mesmo período são a Lei 5.107, que instituiu o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), e outras legislações que prestam bons serviços.
Segundo o disposto pelo artigo 2º, a empresa que, "em face de conjuntura econômica, devidamente comprovada, se encontrar em condições que recomendem, transitoriamente, a redução da jornada normal ou do número de dias de trabalho, poderá fazê-lo, mediante prévio acordo com a entidade sindical representativa de seus empregados, homologado pela Delegacia Regional do Trabalho por prazo certo, não excedente de 3 (três) meses, prorrogável, nas mesmas condições, se ainda indispensável, e sempre de modo que a redução de salário mensal resultante não seja superior a 25% (vinte e cinco por cento) do salário contratual, respeitado o salário mínimo regional".
Diante do que o texto contém de mais essencial, duas dúvidas provavelmente ocorrem: como demonstrar conjuntura econômica desfavorável e se persiste o máximo de 25%.
Julgo supérfluo exigir que a realização de tais acordos ou convenções se submeta "à prévia e inequívoca comprovação documental (insuficiência econômica, financeira e patrimonial, que inviabilize a manutenção dos postos de trabalho) às entidades sindicais, por parte das empresas interessadas, dando conta de sua situação econômica emergencial", como quer a Procuradoria Regional do Trabalho. A empresa propõe e se justifica, e o sindicato crê ou não na verdade dos fatos. Ao não acreditar, assume o risco de demissões em massa.
Admitido o corte, qual a porcentagem máxima? A Lei 4.923 estabelece 25%. O empresário que, a pretexto do silêncio do dispositivo constitucional, tentar redução mais elevada, encontrará invencível oposição dos trabalhadores, além de revelar à opinião pública que perdeu o sentido ético e ignora os limites da razoabilidade.
Ademais disso, independentemente de se saber se a norma legal está ou não em vigor, negociações sobre redução de jornada e de salários devem obedecer às regras da CLT, do capítulo que trata de acordos e convenções coletivas. São obrigatórias, portanto, a convocação de assembleia-geral dos interessados, existência de quórum comprovado por assinaturas do livro de presença e redação de ata contendo tudo quanto foi deliberado. O acordo, afinal, não pertence à diretoria sindical, mas aos trabalhadores, pois é sobre eles que recairão os prejuízos salariais.
Mesmo preenchidos os requisitos mínimos da lei, acordo coletivo para subtrair salários sempre encerra alto grau de risco. Logo, que se respeite a lei em todos os detalhes, ainda que alguns juristas coloquem dúvidas sobre sua aplicabilidade. Ou o atual Congresso Nacional teria a ousadia de determinar desconto acima de 25%?
Almir Pazzianotto Pinto é ex-ministro do Trabalho e ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho
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