• Marina terá de fazer escolhas concretas, especialmente em economia e política externa
- O Estado de S. Paulo / Aliás
Desde que as eleições diretas para presidente foram reinstituídas, em 1989, os brasileiros já escolheram o chefe de governo em seis oportunidades. À exceção da eleição de Fernando Collor, um outsider que atropelou os grandes partidos e os candidatos tradicionais, desde então os escolhidos foram nomes associados a partidos de sólidos vínculos com os interesses organizados da sociedade brasileira. PSDB e PT polarizam a disputa presidencial há 20 anos.
O melhor resultado já obtido por um candidato alternativo aos dois partidos se deu com Marina Silva. Concorrendo pelo PV, e próxima a interlocutores com os quais não tinha relação no início de sua trajetória política, ela cravou quase 20% dos votos no pleito de 2010. O acidente que vitimou Eduardo Campos alçou a ex-senadora à condição de candidata à Presidência novamente.
A entrada de Marina na campanha tem provocado um forte e rápido rearranjo não somente nas intenções de voto aferidas pelas pesquisas como também nas estratégias dos principais candidatos.
Um alvoroço tomou conta do mundo político brasileiro. Ainda que não seja exatamente a candidata dos sonhos de círculos da elite brasileira e de setores de classe média tradicional, a possibilidade de impor uma derrota ao petismo e interromper o ciclo que já dura 12 anos do partido no poder parece estar seduzindo cada vez mais oposicionistas para o apoio a sua candidatura.
Para além disso, Marina vem construindo pontes de confiabilidade com esses setores. Declarou-se favorável aos pilares mais ortodoxos da gestão econômica (câmbio flutuante, metas rígidas de superávit primário e de inflação) e tem procurado livrar-se da pecha do radicalismo ecológico, fazendo acenos amistosos ao agronegócio.
Para a massa, dos descontentes com a velha polarização tucano-petista aos indignados que foram às ruas em 2013, passando ainda por aqueles que veem a atividade política com repúdio ou indiferença, Marina tem dirigido o discurso de que pretende inaugurar a “nova política”. Reitera o uso de um termo que já apareceu inúmeras vezes em nossa história, sobretudo em períodos em que era generalizada a sensação de que o sistema político estava carcomido, como no Estado Novo de Vargas, na Nova República de Sarney e no Brasil Novo de Collor. Marina afirma que o termo se baseia numa gestão que não seja dependente do toma-lá-dá-cá da política tradicional e para concretizar essa gestão pretende governar com os melhores quadros dos principais partidos políticos do País. Acrescenta ainda a isso uma relação mais direta do governo com a sociedade civil.
Marina não é Collor. Nem Jânio, que ao lado de Collor foi outro nome com quem a militância adversária se apressou a compará-la nos últimos dias. Mas, de fato, a última vez que se ouviu alguém fazendo menção a que governaria numa relação mais direta com a sociedade e formaria um ministério com os melhores quadros desse e daquele partido foi entre 1989 e 1992. Não deu certo, como se sabe. FHC, Lula e Dilma podem, sim, ser acusados de não terem rompido com o presidencialismo de coalizão, e até mesmo de terem estimulado o fisiologismo, mas jamais os discursos e a prática deles prescindiu da institucionalidade partidária e/ou esvaiu-se para o voluntarismo.
Marina, se eleita, terá de negociar com inúmeros partidos. Como bem a alertou o candidato Eduardo Jorge (PV). ela precisa preocupar-se com que sua coligação forme uma grande bancada no Congresso Nacional. Não será fácil, dadas as proporções atuais dos partidos que a apoiam. Num eventual governo Marina poderíamos rever uma curiosa união entre PMDB e PSDB, dada a vocação peemedebista para compor com governantes eleitos ao Planalto e a proximidade ideológica, especialmente na área econômica, entre quadros do PSDB e as premissas defendidas por Marina e seus gurus econômicos. Seria interessante verificar quem ocuparia as posições mais estratégicas do Estado brasileiro, como o Banco Central, o Ministério da Fazenda e o Itamaraty: se os sonháticos ou se interesses organizados mais orgânicos que advogam maior rigidez no gasto público e outro tipo de inserção do Brasil no contexto internacional.
Afinal, desde 1989 esta é a eleição mais estratégica que o Brasil vivenciará. O conflito distributivo interno chegou a um ponto decisivo, pautado pela disputa entre mais recursos para programas sociais e investimentos ou para a rolagem da dívida pública. Assim como chegou a um momento definidor a inserção do País no cenário externo, se caracterizada por maior autonomia e busca da construção de um mundo multipolar ou pela maior proximidade com potências tradicionais como EUA e União Europeia. Daqui até as urnas há chão ainda. Mas, se eleita, Marina terá escolhas históricas a fazer. Escolhas que definirão o futuro do País pelas próximas décadas e afetarão as próximas gerações. De que lado Marina estará?
*Wagner Iglecias é doutor em sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP
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