Rever a prerrogativa no caso de deputados e senadores indica o caminho a seguir
O foro privilegiado não é invenção brasileira, uma jabuticaba. Longe disso. Existe em várias democracias maduras, e com sólidas justificativas. Faz todo sentido proteger inquérito, denúncia e julgamento de autoridades públicas de interferências indevidas, diretas e indiretas.
O presidente da República, ministros, entre outros personagens de forma inexorável envolvidos no jogo de poder e disputas político-partidárias, precisam ser blindados contra litigâncias de máfé e qualquer pressão originada neste tipo de embate. O conflito é a norma na democracia, mas a característica da independência do Judiciário precisa ser preservada em qualquer circunstância. E no caso de autoridades, isto é feito destinando acusações contra elas a instâncias do Judiciário protegidas de qualquer tipo de pressão espúria.
Distorção que houve no Brasil, por herança da ditadura militar, foi a blindagem excessiva dos agentes públicos. Devido ao legado da experiência com o arbítrio, na reconstrução democrática foi criada uma superproteção para políticos e autoridades em geral. Entende-se, mas estabeleceu-se uma distorção.
A primeira instância, na prática, ficou reservada para o cidadão comum, enquanto os “colarinhos brancos” foram distribuídos entre os tribunais de Justiça, o Tribunal Superior Eleitoral e o Supremo, cada uma das instâncias com sua miríade de recursos protelatórios. A estimativa é que haja 50 mil privilegiados no Brasil com foro especial. Contam-se nos dedos os que estão ou foram presos.
Tudo funcionava sem ruídos até que se iniciou, no início dos anos 2010, o histórico ciclo de repressão à corrupção nos altos escalões da República, com o julgamento do mensalão do PT. Houve condenações, e penas foram executadas contra poderosos, porque o julgamento de todos ficou com o Supremo, a última instância da Justiça brasileira. Houve embargos infringentes (novo julgamento) e embargos de declaração (dúvidas de interpretação de acórdão, sem alterar o veredicto), mas as sentenças terminaram sendo executadas. Grande ineditismo.
Com o lançamento da Lava-Jato, em março de 2014, tudo ficou claro: a concentração indiscriminada de foro no Supremo, por exemplo, ajuda a impunidade, porque, da forma como era aplicada a prerrogativa, todas as denúncias, por exemplo, contra deputados e senadores, inclusive de crimes considerados comuns, iam para a Corte. Constatou-se que se tratava de eficiente mecanismo de geração de impunidade, por prescrição de prazos.
Se considerarmos que combater a impunidade é básico para a defesa do estado democrático de direito, a decisão do STF de reduzir a cobertura do foro para deputados e senadores é positiva. Transferir para a primeira instância toda denúncia que não tenha ligação com o mandato e a função do parlamentar é saudável. No caso, o STF tomou uma decisão consciente, amadurecida depois em longa discussão.
Mas o Congresso delibera sobre uma redução drástica do foro, e isso também precisa ser considerado, para evitar choque de poderes.
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