Os fundamentos da ordem liberal têm sido atacados como há muito não se via. Uma crescente oposição ao livre mercado, à ortodoxia econômica, às liberdades políticas e a pilares do Estado Democrático de Direito, como a liberdade de imprensa e a alternância de poder, viceja em variados pontos do planeta. Para desaire dos ideólogos do liberalismo, o epicentro das críticas àquela combinação virtuosa, responsável por um dos mais duradouros períodos de desenvolvimento humano a partir do século 19, é a Europa, embora não esteja restrito ao velho continente.
Hoje, os liberais se veem confrontados pela ideia de uma “nova ordem” política e econômica defendida por políticos e partidos, à esquerda e à direita, ditos “antissistema”. E tudo cabe neste “sistema” a ser destruído, a raiz de todos os males das sociedades modernas aos olhares de populistas e liberticidas. Do multilateralismo à democracia representativa, nada mais parece servir para dar respostas para os complexos desafios do tempo presente.
O movimento contra a ordem liberal floresceu na esteira do desencanto provocado pela crise financeira de 2008. A globalização produziu significativos resultados econômicos e sociais, na medida em que integrou mercados e redefiniu as fronteiras da comunicação. Não obstante, trouxe a reboque uma onda de insatisfação no seio das camadas populares que não foram contempladas na divisão de seus frutos. Os efeitos dessa insatisfação também foram sentidos no Brasil.
A onda de desconfiança na chamada “velha política” e nos valores do liberalismo não se restringe ao sistema propriamente dito. O próprio modelo de liderança política tem sido contestado e o clamor popular pela ruptura com estruturas até então conhecidas ganha mais força, inclusive colhendo eloquentes resultados eleitorais. Percebe-se uma clara fissura entre representantes e representados. A confiança nas instituições moldadas em dois séculos de democracia liberal se esvai, como se aos olhos das sociedades não fossem mais os instrumentos certos para a conciliação de interesses múltiplos, muitas vezes díspares.
Cidadãos ressentidos pelo modo como vêm sendo tratados pela “velha” política são a audiência perfeita para discursos nacionalistas, xenófobos, populistas, não raro deixando transparecer um viés autoritário que, paradoxalmente, 70 anos após o fim da 2.ª Guerra, é visto em países como Hungria, Polônia e Turquia, como uma qualidade de seus líderes.
No Reino Unido, seguem incertos os resultados do Brexit, o que indica que a decisão plebiscitária pode ter sido tão somente uma manifestação exasperada desse espírito de frustração. Na Itália, a ascensão de Matteo Salvini, da Liga Norte, e de Luigi di Maio, líder do Movimento 5 Estrelas (M5S), é outro fator a deixar a União Europeia (UE) em estado de alerta. A Itália tem a segunda maior dívida da UE, atrás da Grécia. Mesmo assim, o “contrato governamental” assinado entre o M5S e a Liga Norte está repleto de propostas de cunho populista, como corte de impostos e abandono de uma necessária reforma previdenciária.
Na França, Emmanuel Macron capturou o clamor por renovação e venceu a eleição presidencial por um partido que criou para ele, um partido travestido de “movimento”, o que se tornou comum. Tem tido enormes dificuldades para aprovar sua agenda de reformas, retomar o crescimento econômico e barrar a ascensão de lideranças extremistas como a de Marine Le Pen, à direita, e de Jean-Luc Mélenchon, à esquerda.
Angela Merkel, chanceler alemã que é o símbolo da austeridade econômica, não concorrerá a um novo mandato.
Defender os valores da ordem liberal tem sido uma batalha inglória. O carisma e o apelo eleitoral do discurso de líderes populistas – hábeis em vender o sonho sem apresentar a conta – reduzem os liberais a uma plêiade de burocratas insensíveis aos reais anseios do povo. Nada mais longe da verdade. E por mais difícil que seja, este é um bom combate. Principalmente no momento em que começa, no Brasil, uma experiência política sem precedentes.
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