Estudo realizado pelo Instituto para Políticas Públicas da Universidade de Cambridge, em parceria com o jornal The Guardian, mostrou que, entre os 19 países pesquisados, o Brasil é o que tem a população mais inclinada ao populismo. A pesquisa define populismo como “uma ideologia estreita - ou seja que, se dirige só a uma parte da agenda política - que separa a sociedade em dois grupos antagônicos”, isto é, “o povo puro” contra “a elite corrupta”, e sustenta que a política deve ser “a expressão da vontade geral do povo”.
Os entrevistados identificados como inclinados ao populismo responderam que concordavam “fortemente” com as seguintes afirmações: “Meu país está dividido entre pessoas comuns e as elites corruptas que as exploram” e “A vontade do povo deveria ser o princípio mais alto na política de um país”. Na média, os populistas correspondem a 22% do eleitorado global; no Brasil, são 42%, o mais alto porcentual do ranking, seguido da África do Sul. A explicação, segundo os pesquisadores, é que ambos os países foram “devastados por anos de corrupção que deterioraram a fé não somente na classe política, como também nas instituições democráticas”. Entre os brasileiros, 84% concordam “fortemente” ou “tendem a concordar” que o seu Estado “é totalmente governado por uns poucos figurões que buscam seu próprio interesse”, índice similar para homens e mulheres, pessoas de todas as idades e eleitores dos maiores partidos.
O levantamento indica que os populistas tendem a crer que a globalização prejudicou seu padrão de vida, sua economia e a vida cultural de seu país. À esquerda ou à direita, os populistas apoiam a regulação estatal de bancos, indústria farmacêutica e empresas de tecnologia. Também fazem uso intenso das mídias sociais como fonte de notícias e meio de proselitismo, turbinando a propagação de suas teorias da conspiração características.
O reparo que se poderia fazer ao estudo é à sugestão implícita de que o populismo no Brasil só teria ganhado corpo com o bolsonarismo, quando este é, na acepção técnica do termo, um movimento reacionário, uma reação ao populismo lulopetista. Foi o mesmo jogo, com as mesmas táticas: acusação indiscriminada ao “sistema” que oprime “o povo”, o qual só eles, bolsonaristas e petistas, julgam representar; uso de ameaças superlativas (“o capital” e “o imperialismo americano”, por parte do petismo, ou “o globalismo” e “o comunismo”, por parte do bolsonarismo); reivindicação do monopólio da moralidade; e demonização dos adversários.
Conforme um levantamento do Instituto V-Dem, entre 2007 e 2017, ao longo da era petista, a democracia no Brasil se deteriorou em quatro dos cinco principais indicadores, a saber: no eleitoral (que mensura fatores como eleições limpas e liberdade de associação e expressão); no liberal (liberdades individuais e limitações judiciais e legislativas ao Executivo); no participativo (participação da sociedade civil, voto popular direto, governos locais e regionais); e sobretudo no componente deliberativo, que mede em que grau as decisões políticas são motivadas pela razão e pelo bem comum, em contraste a apelos emocionais, interesses corporativos ou coerção. Nesse quesito estamos na 104.ª posição. Só não pioramos no componente igualitário (distribuição equânime de proteção, recursos e acesso ao poder) porque já estávamos muito mal, na 108.ª posição.
Mas restringir a responsabilidade ao lulopetismo ou ao bolsonarismo seria um expediente simplista, uma típica tentação populista, além de tomar o que é um sintoma da doença pela sua causa. Afinal, os populistas não chegam ao poder pela força, mas pelo voto. O populismo que empobrece nossa cultura política é fruto de uma cultura política cronicamente pobre. A intoxicação do espírito democrático pelo populismo no Brasil, constatada pela pesquisa, é o resultado natural da incapacidade do atual sistema político de representar adequadamente os anseios da sociedade, razão pela qual movimentos que prometem liderar o “povo” contra a “elite” ganham cada vez mais espaço.
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