- Valor Econômico
Sem chance para impeachment ou intervenção militar
Jair Bolsonaro caminhou rapidamente, em apenas seis meses, para a beira do precipício e, lá chegando, fez o previsível para pessoas do seu tipo: se atirou. Não satisfeito, começou a cavar sofregamente mais fundo, para continuar a deliciosa vertigem rumo ao nada.
Seu desempenho está mil vezes pior do que quando era um deputado apenas fanfarrão. Ali ninguém era obrigado a ficar ouvindo. Agora é o presidente da República em um país onde o governo invadiu de forma direta e inexorável a vida cotidiana do cidadão. Não dá para ignorar. São declarações absurdas, uma após a outra, e se escora na ala terrível de seu eleitorado, a escória que defende a tortura, dispensando conselhos de outros grupos de apoiadores, gente séria que também integra seu eleitorado. A preferência é do caráter.
As suas intervenções sobre qualquer assunto de qualquer área vão esvaziando sua autoridade. São propostas equivocadas, conceitos estapafúrdios, opiniões draconianas ditas de forma agressiva. É possível ter um presidente impopular em alguns momentos, mas cheio de razão e legitimidade, exercendo com dignidade sua função. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso viveu períodos assim. É difícil, porém, exercer o cargo quando se tem popularidade mas é olhado com desprezo. Quando o presidente passa a ficar no cargo porque não tem outro jeito, já perdeu a autoridade. Assim está o Brasil, com um presidente sem condições políticas, psicológicas, sociais e morais de governar e liderar sequer seu público votante, quanto mais exercer o governo de todos, como a praxe exige. Qual a solução para o vácuo de poder, de credibilidade e equilibrio necessários a manter os cidadãos livres e bem de saúde mental?
A pergunta é insistentemente feita no Executivo, Legislativo e Judiciário, três Poderes perplexos: não seria o caso de impeachment por falta de decoro? E a resposta é também consensual: não.
Se essa for a única saída dos cidadãos para abreviar a agonia de um desgoverno num país das dimensões deste, prepararem-se para navegar em tormenta até 2022. E, se a economia reagir ao efeito do gás paralisante que inalou, melhor contar com solução só em 2026, depois do segundo mandato. Presidente popular não perde disputa de reeleição, mesmo que tenha feito pacto com o diabo.
Se lá na frente vai surgir ou não uma alternativa que não existe agora nem existiu em 2018 é uma incógnita. Enquanto isso pode-se alimentar expectativa para fugir da solução rápida, porém inviável.
O impeachment está descartado, nas condições do momento atual, como solução para o fim do pesadelo vivido pela sociedade brasileira. Começa por não ter quem colocar no lugar de Jair Bolsonaro. Quando Michel Temer reagiu ao governo Dilma Rousseff, já estava preparado: contava com o apoio do Centrão, tinha um plano de trabalho, a adesão de vários ministros do governo a ser deposto e a condição constitucional de ser o vice-presidente eleito.
Hoje não há nada disso. O general Hamilton Mourão, vice-presidente eleito, tem apenas essa condição legal. É pouco. Diante da atuação e do comportamento presidencial, o Congresso, com Centrão à frente e mais direita ou esquerda, recolheu-se à sua própria agenda, mais útil ao país do que ficar respondendo a insultos e divagações presidenciais. Os ministros agarram-se aos galhos, alguns podres, da árvore do governo para não cair, e em maioria agem à semelhança do chefe, dele dependendo para sobreviver na política. Quando uma celebridade da ética como Sergio Moro amarra seu destino ao de Jair Bolsonaro e dele passa a depender para livrar-se de problemas, se o mundo da política não acabou, está acabando.
Mourão está contido pela intimidação e não tem apoio de ministros, nem mesmo dos generais do Planalto, divididos entre si. Os militares que povoam o governo não vão evitar mas também não vão precipitar um desfecho. Estão, como Mourão, fracos, distanciados do presidente e com muitas razões para não tentar consertar o que está torto. Bolsonaro os trata muito mal, não são eles que tutelam o presidente mas são por ele tutelados. Bolsonaro os demite, quanto mais laureados, melhor, saboreando o prazer indescritível que deve ser um capitão dominar um general. Bolsonaro disputa com eles a liderança das tropas: não perde uma formatura, um dia do paraquedista, da infantaria, da cavalaria, da engenharia, do aviador, do fuzileiro, uma só das milhares de solenidades que dão movimento aos quartéis.
Os militares, também, não podem sair do governo. Para fazer o quê? Além do atestado de fracasso e do erro da aposta, ainda seriam responsáveis por deixar o governo vagando sem equipe. E, para o presidente, qualquer um é alvo. Não tem Santos Cruz, com seu currículo internacional. Tem um capitão ressentido indo à desforra. O general Villas Bôas está mudo, recolhido. O general Augusto Heleno, outrora poderoso, está precisando gritar para se fazer notar.
O sentimento de disciplina impede a revolta, fora o fato de que temem duas armas realmente letais de Bolsonaro: os filhos, boquirrotos como o pai, que dizem qualquer coisa e fazem qualquer coisa, e o nicho mais violento de seus apoiadores na Internet, que não observam limites de nenhuma espécie.
Se o Congresso está tocando seu próprio plano, o vice-presidente sem condições de liderança e os militares falsamente abúlicos para não tomar uma iniciativa que represente solução, a marcha segue no ritmo da insensatez atual.
Se a economia, ainda que pareça pálida, vagarosa e insuficiente, começar a fazer o movimento inverso daquele de Bolsonaro e procurar a superfície, será possível encontrar um lenitivo. Ainda que mínimo. Podem surgir novas razões para crença de que será mantido, para o segundo mandato, o eleitorado sem alternativa do primeiro. Também uma massa social menos insegura e um Congresso menos perplexo como efeito do bem estar econômico. A solução por essa via, porém, é incerta e demorada. Pode ser facilmente contaminada, no governo, pelo método, ideologia e conceitos peculiares do presidente.
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