quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

Zeina Latif - Segurança pública também é assunto da economia

O Globo

O crime funciona como um imposto sobre toda a economia: desencoraja o investimento e eleva o custo operacional das empresas

Uma visão muito presente, e simplista, no discurso petista é a de que o aumento dos gastos públicos é a saída para o crescimento econômico. Prendem-se aos efeitos parciais e de curto prazo, como no crescimento recente do PIB, impactado pela expansão fiscal. Mas não consideram a dinâmica de médio/longo prazo da economia, quando o efeito da gastança sobre a inflação, os juros e a taxa de poupança do país — além da baixa qualidade do gasto público — machucam o crescimento.

Enquanto isso, a insatisfação da sociedade está mais associada à baixa qualidade da ação estatal. A preocupação com a violência escalou, estando no topo das preocupações, segundo o Datafolha. O que o governo precisa é gastar melhor, o que envolve governança, gestão e reformas para reduzir a rigidez do orçamento, temas negligenciados.

Pouco sabemos do quanto a criminalidade prejudica nossa economia. Talvez seja um dos principais fatores amarrando o potencial de crescimento do país. E o Brasil não está nada bem na foto. De 112 países pesquisados pelo Escritório das Nações Unidas para Crimes e Drogas em 2021, o país ocupava a 12ª posição no indicador taxa de homicídio. O Brasil assusta o estrangeiro, turistas e empresas.

A atividade criminosa implica custos diretos e indiretos variados. Além do sacrifício social, como a piora da qualidade de vida e da coesão social, e do custo aos cofres públicos, como nos gastos com saúde e justiça, o crime funciona como um imposto sobre toda a economia: desencoraja o investimento, eleva o custo operacional das empresas e prejudica a alocação de recursos. Ao final, colhe-se menor produtividade e baixo crescimento.

O crime organizado tem um impacto direto na organização do Estado e em sua capacidade regulatória. Pode-se citar decisões da Justiça que não são cumpridas, licitações públicas viciadas, serviços públicos explorados por organizações criminosas e ocupação e negociação ilegal de terras.

Os jovens são os mais afetados, como infratores e como maiores vítimas. Em 2021, de cada cem jovens entre 15 e 29 anos que morreram, 49 sofreram violência letal. Dos quase 48 mil homicídios ocorridos, 50,6% vitimaram os jovens. O crime desencoraja o estudo e afeta a formação de mão de obra no país, algo ainda mais grave diante do fim do bônus demográfico.

O quadro varia bastante entre os estados. A taxa de homicídio do Brasil em 2021 foi de 22,4 por 100 mil habitantes, sendo os dois extremos o Amapá (52,6) e São Paulo (6,6). E não é correto culpar a baixa renda, pois as pesquisas internacionais não corroboram essa hipótese, sendo baixa a correlação entre homicídios e PIB per capita no mundo.

Essa foi uma importante contribuição do Nobel de Economia de 1992, Gary Becker, que apontou que os indivíduos se tornam criminosos quando os retornos do crime compensam, levando em consideração a probabilidade de punição.

Vale citar que, no Brasil, apesar de a correlação (negativa) entre homicídios e PIB per capita não ser baixa, ela acaba capturando mais as diferenças entre estados ricos e pobres. Explico: quando se separam os dois grupos e se recalculam as correlações separadamente, elas praticamente desaparecem.

Tem estado pobre, como o Piauí, com taxa de homicídio (23,2) comparável à de estado rico, como o Mato Grosso (24,8). Entre os mais ricos, São Paulo (6,6) apresenta números significativamente menores do que o Rio de Janeiro (26,8).

A explicação está em boa medida associada às diferenças nas gestões estaduais da segurança, como ensina Leandro Piquet Carneiro. Caberia, pois, ao governo federal maior protagonismo na política de segurança, inclusive coordenando esforços dos estados. Isso sem perder de vista o papel da educação, sendo elevada a correlação (negativa) entre escolaridade e taxa de homicídio. Como apontado por Naercio Menezes Filho, a melhora da escolaridade reduz a criminalidade.

Considerando os patamares atingidos e a inércia da atividade criminosa — o criminoso ganha experiência, há reincidência e jovens são recrutados por pessoas próximas —, a segurança pública deveria ser prioridade da classe política, incluindo os recursos de emendas parlamentares, que com frequência são mal alocados. Que o crime seja melhor e mais combatido, com menos brutalidade e mais inteligência.

Precisamos evitar o ponto de não retorno na segurança pública.

 

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