quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

Wilson Gomes* - Entre gangues e justiceiros

Folha de S. Paulo

Para onde pende o cidadão comum que, desamparado, busca respostas?

Este país está tão imerso em polarização que, no debate público, as pessoas são pressionadas a tomar partido entre os bandidos das gangues de rua que fazem arrastões no Rio de Janeiro e o grupo de justiceiros que surgiu para policiar as fronteiras do seu território, selecionar quem pode entrar e distribuir punições arbitrariamente.

Naturalmente, as coisas não foram apresentadas de maneira tão direta. A direita retratou os vigilantes, flagrados exibindo soco-inglês, perseguindo e espancando supostos bandidos nas ruas da zona sul do Rio, como cidadãos heroicos que, diante da ausência total do Estado, se organizaram para autodefesa.

Por outro lado, a esquerda convenientemente dissociou os que passaram o arrasto e tocaram o terror na cidade das vítimas perseguidas pelos justiceiros dos bairros de classe média, referindo-se apenas a "gente da favela" e "corpos negros". São as mesmas pessoas? Para a direita e para o cidadão comum da cidade, é provável. A esquerda desconversa.

Os fatos são deploráveis. Acredite-se nos jornais e nos inúmeros vídeos de usuários que inundam as plataformas de redes sociais, o Rio de Janeiro está à mercê de arrastões e espancamentos. Relatos de abusos sexuais, vídeos de surras coletivas em pessoas que por acaso estavam no caminho das gangues, a violência gráfica e registrada como se fosse coisa cotidiana e normal: o Rio distópico que emerge aos olhos do Brasil parece uma terra sem lei, onde o cidadão comum vive aterrorizado pelos que dominam as ruas pela força bruta.

A atmosfera de "salve-se quem puder" costuma ser um viveiro fecundo para o surgimento de forças que respondem à brutalidade com mais brutalidade, à margem da lei. As famosas milícias do Rio não surgiram em circunstâncias semelhantes? Os grupos de extermínio não tinham essa função?

Tomar partido é absurdo em todos os aspectos; apenas em um país doente de raiva e vontade de brigar alguém pode considerar tal coisa plausível e aceitável. Escolher entre justiceiros e criminosos é uma decisão que só faz sentido em um universo amoral, onde já desistimos da possibilidade de ter Estado, aplicação da lei e segurança pública.

No entanto, há pessoas basicamente exigindo que a esquerda apoie os jovens pobres dos arrastões, enquanto a direita fica ao lado dos vigilantes. Argumentam que a esquerda deve apoiar essa "gente da favela", cuja brutalidade é reativa à opressão estrutural. São pessoas cuja violência sofrida é normalizada por todos, pois, como explicou um notável comentarista, historicamente "seus corpos são considerados como se não valessem nada".

Tem sido assim. Quando a esquerda transforma uma pessoa em um "corpo" —um "corpo negro", por exemplo— emite imediatamente um salvo-conduto, e o cidadão, não importa o que tenha feito, não pode mais ser tocado. Por outro lado, quando a direita veste um brutamontes abusador como um "cidadão que se importa com a vizinhança" (concerned citizen), simbolicamente lhe fornece um distintivo, um excludente de ilicitude e a necessária superioridade moral. Às vezes, até um porte de armas.

No entanto, o jogo que estamos vendo no debate público não reflete a experiência das pessoas comuns deste país. A população não está presa no impasse entre as narrativas e representações da esquerda e da direita. A má notícia para os que temos posições progressistas é que o canto da sereia da direita é acompanhado pelo coral de quem vive apavorado com a violência urbana.

Não há uma escolha difícil quando à mesa se tem a solução instintiva que diz que a violência deve ser respondida com mais violência e a solução esquerdista que diz que criminosos são, na verdade, o Estado e o sistema e que o criminoso imediato é, na verdade, uma vítima.

É fácil entender isso. A população realmente se sente desamparada e busca respostas. Gostaria de contar com a segurança pública, ter de volta o direito de usar as ruas sem correr risco de morte, roubo e estupro, sair à noite, ir a um bar, à praça ou à igreja, ficar ao ar livre com os amigos. Mas, se essa condição não está disponível, ela negocia com a realidade e aceita, mesmo que temporariamente, qualquer coisa que faça cessar a sensação de injustiça, de estar à mercê "da bandidagem" e de ser presa fácil para as gangues que infestam a cidade.

Para quem vive a experiência constante de ser vítima do crime, as sociologias identitárias soam como uma discussão bizantina sobre o gênero dos anjos. Lamento ser eu a lhes contar isso.

*Professor titular da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e autor de "Crônica de uma Tragédia Anunciada".

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