quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Sangue na água da direita – Bruno Boghossian

Folha de S. Paulo

Grito de independência da 'direita moderada', no entanto, ainda sai trêmulo

Jair Bolsonaro desfilou pelo Congresso como se não carregasse nas costas um saco de derrotas amargas nas eleições municipais. Circulou por gabinetes para negociar uma anistia e fez pouco caso dos políticos que dizem enxergar uma direita sem seu comando. "Já tentaram várias vezes e não conseguiram", afirmou. "Eles têm uma utopia."

As duas pontas estão conectadas. O plano de Bolsonaro para conseguir uma anistia, emparedar tribunais e recuperar o direito de se candidatar depende da leitura que as elites da direita fazem sobre o poder do ex-presidente. Se esses líderes entenderem que há outros caminhos para o sucesso eleitoral, não haverá muita pressa para salvá-lo.

A vitória de candidatos alinhados a outros líderes de direita foi mais dolorosa para Bolsonaro do que teria sido uma goleada da esquerda. Os sinais de rejeição à cartilha do ex-presidente, captados pelas urnas, lançaram na água sangue suficiente para atrair gente interessada em contestar abertamente uma unidade em torno de Bolsonaro.

As declarações de Ronaldo Caiado foram pouco sutis. O governador de Goiás disse que existe uma direita sem Bolsonaro e classificou como "chata, cansativa e enjoada" a visão do ex-presidente como um líder inquestionável. Caiado até defendeu que Bolsonaro possa se candidatar em 2026, mas apenas com a expectativa de que as urnas sirvam como um "antisséptico".

O grito de independência soa meio trêmulo. Caiado enfrenta Bolsonaro numa retaliação particular, já que o ex-presidente escolheu o goiano como rival interno nestas eleições. Em outros quartéis da direita, de São Paulo ao Paraná, ainda se bate continência, e há pouco consenso sobre o lançamento de uma candidatura à revelia de Bolsonaro.

É cedo para dizer se uma candidatura com a embalagem de uma direita moderada será capaz de superar o bolsonarismo. Mas o saldo das eleições municipais já produz efeitos nas negociações políticas para 2026. O centrão freou o rolo compressor da anistia no Congresso, e partidos de direita questionam os planos de Bolsonaro para lançar candidatos radicais ao Senado com o objetivo de peitar o Supremo.

 

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