terça-feira, 8 de novembro de 2011

Feudos mantidos com o dinheiro público :: Gil Castello Branco

Dizem que a jabuticaba, da família das mirtáceas (Myrciaria jaboticaba), só existe no Brasil. Tão peculiar quanto a fruta, entretanto, são as organizações não governamentais (ONGs) brasileiras. A maioria vive às custas de recursos públicos, quando não são criadas especialmente para obtê-los. Dessa forma, são figurinhas carimbadas em casos de corrupção.

Em 1991, ficaram famosas ONGs de Canapi (AL) dirigidas por familiares da então primeira-dama, Rosane Collor, beneficiadas com verbas da extinta Legião Brasileira de Assistência (LBA), presidida, na ocasião, pela esposa do presidente da república.

Nas duas últimas décadas, foram levantadas suspeitas em relação às ONGs dos anões do orçamento, do filho do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, da mulher do deputado Paulinho e do churrasqueiro do ex-presidente Lula, entre outras. Recentemente, foram para a vitrine ONGs do Turismo - por capacitar fantasmas - e do Esporte, várias comandadas por militantes do PCdoB. Agora, a bola da vez é o Trabalho, onde ONGs pagam pedágios.

Com os "malfeitos" escancarados, o governo federal editou dois decretos em menos de um mês, tentando, a conta-gotas, sanear o esgoto. O problema, porém, não está só nas ONGs, mas na politização das transferências voluntárias.

No Ministério da Integração Nacional, por exemplo, auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União constatou que, em 2008 e 2009, os municípios baianos ficaram com 65% dos R$175,3 milhões desembolsados pelo programa de prevenção e preparação para emergências e desastres. O ministro na ocasião era o candidato derrotado ao governo em 2010, Geddel Vieira Lima.

No Ministério da Justiça não foi diferente. Em 2009, as prefeituras do Rio Grande do Sul receberam metade dos R$11,9 milhões transferidos aos municípios no Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci). As cidades de Canoas, Cachoeirinha, Sapucaia do Sul e Novo Hamburgo obtiveram, juntas, R$5,9 milhões. À época, a Pasta era comandada pelo gaúcho Tarso Genro, eleito depois governador.

No Ministério do Esporte, outra curiosidade. Em 2009, nos valores repassados aos municípios, Campinas, em São Paulo, foi a campeã. O secretário de Esportes e Lazer da cidade paulista era Gustavo Petta - cunhado do ministro do Esporte -, candidato a deputado federal pelo mesmo partido do ex-ministro Orlando Silva.

A distribuição de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), em 2009, também já era curiosa. Na ação de "orientação profissional e intermediação de mão de obra", a Secretaria de Trabalho, Emprego e Promoção Social do Paraná liderou os valores enviados pelo Ministério do Trabalho e Emprego aos estados. A ONG favorita nessa mesma ação foi a Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos, presidida por vereador de Curitiba, integrado à campanha do então candidato do PDT, Osmar Dias, ao governo estadual. Por acaso, à frente do Ministério do Trabalho, ao qual estão vinculados os recursos do FAT, estava e está Carlos Lupi, ex-presidente do PDT. Por enquanto?

Assim, moralizar os repasses às ONGs - sobretudo dos apadrinhados - é somente parte do problema. Pouco adianta trocar o titular da Pasta por outro do mesmo partido, caso permaneçam os interesses políticos e pessoais. Mantidos os "feudos", o rodízio de ministros irá continuar, pois atualmente é fácil localizar o destino de cada centavo dos programas governamentais, tornando evidente os absurdos.

Até o momento, porém, os órgãos de controle, o Ministério Público e o Judiciário, passaram ao largo dessa questão. E urge que o tema seja debatido, visto que os recursos - como é óbvio - têm que estar associados ao interesse público, o que não vem acontecendo.

É oportuna, portanto, a ação que o procuradorgeral da república move em relação às ONGs do Esporte. Não basta saber se o ex-ministro recebeu ou não dinheiro na garagem. É preciso avaliar se não há algum tipo de crime embutido na farta distribuição de recursos às ONGs de militantes. É necessário, inclusive, que se cobre do Congresso Nacional a aprovação de Orçamento tecnicamente mais detalhado, reduzindo o poder discricionário dos ministros na distribuição das transferências voluntárias.

Caso contrário, a "farra política" irá continuar, por meio dos convênios com as ONGs, estados e municípios. Trata-se de uma verdadeira geleia de jabuticaba, tão genuinamente brasileira quanto o recorde mundial de demissão de ministros.

Gil Castello Branco é economista e fundador da organização não governamental Associação Contas Abertas.

FONTE: O GLOBO

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