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A história como ele conta
No voo para o Japão em 19 de outubro passado, o presidente Jair Bolsonaro reuniu cinco parlamentares e mais alguns ministros que estavam a bordo e disparou:
– Durante a minha viagem, vai acontecer isso. A TV Globo vai falar em primeira mão esse caso da Marielle. Expliquei tudo para não se apavorarem que estava tudo resolvido da minha parte, mas a Globo ia botar no ar e a Globo botou.
Dez dias antes, segundo Bolsonaro, ele ficara sabendo por meio do governador do Rio que seu nome fora citado no inquérito que apurava a morte da vereadora do PSOL.
Dez dias depois do comunicado feito a caminho do Japão, foi ao ar no Jornal Nacional a reportagem que dava conta de que seu nome fora citado pelo porteiro do condomínio onde ele morava.
À pergunta do site O Antagonista sobre por que ele não se antecipou à Globo e divulgou a história, Bolsonaro respondeu:
– Não posso fazer isso, negativo. Até porque eu seria acusado de quê? De ter tido acesso ao processo, de antecipadamente falar que foi algo combinado para chegar na TV Globo. Não podia fazer isso.
Bolsonaro confessa que teve acesso a informações sigilosas. Isso configura crime. E reforça a versão da Globo de que uma pessoa “absolutamente ligada à família presidencial” foi quem avisou à emissora de que algo grave atingiria Bolsonaro.
Em resumo: interessava a Bolsonaro que a notícia fosse dada pela Globo. Ele soube com antecedência que a Globo daria e nada fez. Em seguida, atacou a emissora como um presidente da República jamais fizera antes.
Ao site, Bolsonaro ainda revelou que passou parte da noite de anteontem assistindo ao vídeo com o depoimento prestado na semana passada pelo ex-policial Ronnie Lessa ao Ministério Público do Rio. Lessa é acusado de ter assassinado Marielle.
O depoimento de Lessa faz parte do inquérito sob segredo de Justiça.
Sem dar palanque a Lula
Imagine se desse...
Em entrevista ao site O Antagonista, perguntado sobre Lula, assim respondeu o presidente Jair Bolsonaro:
– Eu não pretendo dar palanque para ele.
Em seguida, deu.
Numa entrevista com 30 mil caracteres em número redondo entre perguntas e respostas, Bolsonaro usou 7 mil para falar direta e indiretamente de Lula, do PT, de Dilma e de José Dirceu.
O equivalente a pouco menos de um quarto da entrevista. Que tal?
Como chamar o que acontece na Bolívia
Golpe? Contragolpe?
Em uma entrevista coletiva às 20h de ontem em La Paz, 21h no horário de Brasília, o general Williams Kaliman Romero, 56 anos, comandante das Forças Armadas da Bolívia, prometeu que suas tropas jamais “abrirão fogo contra o povo”. (A conferir já, já.)
Mas anunciou em seguida que elas começariam a patrulhar as ruas das maiores cidades do país para restabelecer a ordem pública. O uso da força, segundo ele, seria “proporcional” aos obstáculos que encontrassem para o cumprimento da tarefa.
Poucas horas depois, segundo a imprensa boliviana, tanques foram vistos em El Alto, a segunda maior cidade da Bolívia, há pouca distância da capital. No início da madrugada, soldados fortemente armados policiavam o centro de La Paz e o bairro de Sopocachi.
Àquela altura, Evo Morales, que renunciara à presidência, voava para o exílio no México. Kaliman Romero entrará para a história do seu país como o militar que convocou uma cadeia nacional de rádio e de televisão e sugeriu a Morales que renunciasse.
O primeiro indígena a presidir a Bolívia fez por onde ser derrubado ao tentar se eternizar no poder. Mas a Polícia, rebelada contra ele, ao recolher-se aos quartéis deixando que os conflitos se ruas se multiplicassem, contribuiu decisivamente para sua queda.
De igual maneira, as Forças Armadas ao pressioná-lo para que abandonasse o cargo. Na última hora, Morales perdeu o apoio da Igreja Católica, sua tradicional aliada, e também de líderes sindicais que obedeciam às suas ordens. Que nome se dá a isso?
A Bolívia é o país dos golpes e contragolpes. Em 194 anos, houve 85. Em 2005, uma rebelião civil liderada por Morales cercou o palácio onde estava o então presidente Carlos Messa – sim, o mesmo que agora o enfrentou na eleição de outubro último.
À época, Messa renunciou ao cargo. Um governo provisório convocou nova eleição. E Morales foi eleito presidente com 53,7% dos votos. A Constituição boliviana diz que o mandato presidencial é de 5 anos, com direito a uma única reeleição.
Em 2009, Morales se reelegeu com 63,9% dos votos. Dali a mais 5 anos, atropelou a Constituição, obteve do Tribunal Supremo Eleitoral licença para se candidatar ao terceiro mandato, e outra vez se reelegeu com 61% dos votos. Encantara-se pelo poder.
E tanto que, apenas dois anos mais tarde, convocou um plebiscito para se candidatar pela quarta vez. Só conseguiu 48,6% dos votos. Novamente, o Tribunal Supremo, formado por ministros indicados por ele, concedeu-lhe nova licença para que disputasse.
Foi seu fim. A auditoria nas urnas feita pela Organização dos Estados Americanos (OEA) comprovou toda sorte de fraudes na eleição que Morales supostamente havia vencido. Quando ele disse que concordava com uma nova eleição, os militares disseram não.
Essa é uma história sem mocinhos. E que acabará pior do que começou se não for realizada uma nova eleição de imediato e sob a supervisão internacional. A ser diferente, o que assistimos não terá passado de um golpe, pouco importa se em resposta a outro.
A eventual supressão da democracia na Bolívia seria uma tragédia para o continente onde a economia cresce quase nada e a desigualdade social só aumenta.
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