O Estado de S. Paulo
Ex-presidente insiste em que se dirige aos progressistas. O que isso significa? Apoio aos ditadores, aos que destroem a democracia, aos liberticidas?
O ex-presidente Lula é o mais bem situado
candidato a presidente da República, segundo vários institutos de pesquisa.
Logo, cabe explorar com mais vagar o que pensa caso volte a exercer a função de
mandatário máximo de nosso país. Considerando que tem jogado parado, evitando
dar declarações ou assumir compromissos, aproveitando-se dos erros de seu
principal adversário, cabe verificar o que fez e disse em seu tour europeu.
Temos, aqui, um bom itinerário de suas ideias.
Em seu discurso, repetidas vezes reitera que pretende “recuperar” ou “devolver” a democracia a nosso país. Uma pessoa, por pouco curiosa que seja, poderia se perguntar o que pretende dizer com isso. O candidato e o seu partido têm demonstrado um compromisso inarredável com as ditaduras cubana e nicaraguense, para não falar da Venezuela. Eleições fraudadas, assassinatos e prisões de opositores, cárceres em condições insalubres, inclusive com tortura, e assim por diante. Povos famintos, sem remédios e vacinas adequadas e sem nenhum direito de manifestação. Eis a democracia que Lula pretende instalar no País, neste seu esforço incansável de “recuperação” e “desenvolvimento” democráticos?
Aliás, quando presidente, regozijava-se de
visitar, apoiar e elogiar ditadores africanos, em nome, evidentemente, da
irmandade do “Terceiro Mundo”, enquanto os povos lá oprimidos viviam na penúria,
na repressão mais brutal e na ausência de liberdades. O Brasil, desculpem dizer
uma banalidade, tem eleições nas melhores condições de lisura e transparência,
de tal modo que mesmo um governante de extrema direita deve abandonar o poder
caso perca o voto de seus cidadãos. É isso possível nos países onde imperam
férreas ditaduras de esquerda? Há alternância de poder?
Como não poderia deixar de ser,
comprouve-se com seu discurso habitual contra as elites que o teriam posto na
prisão. Quais elites? Não dá literalmente para entender, pois foi a elite do
Judiciário brasileiro, isto é, o Supremo Tribunal Federal (STF), que o
“libertou” após uma série de malabarismos jurídicos, começando por reafirmar a
regra do “juiz natural”, que o mesmo Supremo havia inúmeras vezes dito não se
aplicar ao caso em questão. Num dia, certamente milagroso, decidiu rever tudo o
que tinha sido feito nas diferentes instâncias do Judiciário, numa
desconsideração para com este.
Querer, agora, atribuir ao ex-juiz Sergio
Moro, candidato presidencial, a responsabilidade maior de uma suposta
parcialidade é uma impostura. Todas as suas decisões foram referendadas pelo
Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), um dos mais sérios tribunais
do País, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pelo próprio STF. Lula não
foi inocentado, as provas são abundantes e, infelizmente, devemos admitir que o
crime compensa em nosso país, sobretudo para os poderosos, não para o cidadão
comum. O dito fica pelo não dito, com direito a reconhecimento no Parlamento
Europeu, onde Lula foi recebido por dignitários importantes.
Observe-se que fotografou, sorridente, com
o presidente Macron, representante de um país extremamente protecionista de sua
ineficiente agricultura e pecuária. Aproveitando-se do desrespeito bolsonarista
pelo meio ambiente, Lula terminou aliando-se a alguém que procura prejudicar o
Brasil protegendo seus pecuaristas e agricultores. Quem ele defenderá como
presidente, os produtores franceses ou os brasileiros? Valeu a foto? Os
franceses devem estar rindo, com uma boa garrafa de vinho! Brindaram! Santé!
Como não poderia deixar de ser, posou como
pacifista, uma pessoa do amor, quando ele e seu partido não cessavam de repetir
que se guiavam pelo princípio do “nós contra eles”, em consequência, pelo
discurso do ódio pelo outro que deles discordava ou criticava. Procuraram
sempre a hegemonia política, baseada num discurso uniforme, ancorado no
politicamente correto. Invertendo posições e valores, Bolsonaro colocou-se como
discípulo dileto, igualmente voltado para o ódio e a desconsideração do outro,
apenas mais evidente por ter acentuado o lado da morte em suas atitudes contra
a vacina e o isolamento social e suas poções mágicas de cloroquina. Lula tem
mais verniz.
O suposto golpe contra a ex-presidente
Dilma sempre volta à cena. “Esqueceu-se” de dizer que foi constitucionalmente
destituída da Presidência, inclusive com apoio de partidos aliados seus e por
ministros do Supremo por ele e ela indicados. Dilma entregou um país em ruínas,
com queda do PIB, alta taxa de desemprego, expectativas de renda decrescentes e
com a imensa maioria da população com ela descontente. Não se pode omitir que
Dilma é Lula, Dilma é PT. Ela é a sua criatura! Será que o criador quer renegar
a sua criatura dizendo defendê-la?
Por último, em seu discurso, o ex-presidente insiste em que se dirige aos progressistas. O que isso significa? Apoio aos ditadores, aos que destroem a democracia, aos liberticidas, aos que jogam os seus respectivos povos à pobreza e à cruel repressão? Aos que se comprazem com narrativas mentirosas? Aos que omitem o que fizeram?
*Professor de Filosofia na UFRGS
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