Folha de S. Paulo
A tentativa de doutrinação é um problema
inerente ao modelo educacional
O que inspira as ações do presidente Jair
Bolsonaro na educação, além de ignorância e obscurantismo, é uma espécie de
ideologia reativa. Visto que a militância ideológica de esquerda vigente nos
governos petistas corrompeu muita coisa no Brasil, inclusive a educação, a
direita bolsonarista no poder tem pretendido corrigir tais rumos com doses
cavalares de doutrinação reversa e estatismo.
Ao afirmar que as questões do Enem "começam agora
a ter a cara do governo", Bolsonaro abriu o jogo
intervencionista que deflagrou a crise no Inep
(Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais). Acusando a
"fragilidade técnica e administrativa da atual gestão máxima" do
órgão, 37 servidores pediram
exoneração de suas funções denunciando assédio moral,
ideológico e tentativa de interferência indevida no processo de elaboração do
exame.
Está clara a tentativa de manipulação ideológica no Enem por parte do governo
federal. Mas causa estranheza o horror da comunidade política e acadêmica em
relação ao caso, tendo em vista o grau de enviesamento ideológico que já havia
na educação; só que para o lado oposto. Tal viés está explícito na BNCC, nos
acervos das bibliotecas das universidades, nos currículos de formação docente e
mesmo em questões passadas do Enem. Nada disso chocava os indignados de agora.
A tentativa de doutrinação é um problema inerente ao modelo educacional estatista e centralizador. No Brasil, não apenas a educação pública está sob as rédeas do Estado, mas também a educação privada, tendo em vista toda a regulamentação e planejamento central imposto pelo MEC (Ministério da Educação), desde a educação infantil até a pesquisa universitária. O fato de o Brasil estar sempre entre os piores nos rankings educacionais deveria acender o alerta de que esse modelo falhou.
Sob uma óptica liberal da educação, o Enem nem deveria existir. Mas, já que existe, precisa evitar os abusos doutrinários tanto da esquerda quanto da direita.
*Doutora em filosofia, pós-doutoranda em
direito internacional e autora do livro 'Um Olhar Liberal Conservador sobre os
Dias Atuais'
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