O Globo
Recado ambiental do Papa Francisco se mantém vivo: cuidar da Casa Comum é missão coletiva e os pobres são os que mais sofrem com a mudança do clima
Das muitas mensagens deixadas pelo Papa
Francisco em
seu pontificado pioneiro e transformador, é importante ressaltar a Laudato
Si’, encíclica ambiental e social. Nela, ele se mostrou inteiramente de acordo
com as aflições do ambientalismo e alertou que os pobres são os que mais sofrem
os efeitos da mudança climática. Uniu, no texto, o ambiental e o social. A
Carta é, como informa, “sobre o cuidado da Casa Comum” e começa louvando a Deus
“pela nossa irmã e mãe Terra, que nos sustenta e governa”, numa referência a
uma canção de São Francisco de Assis.
“Esta irmã clama contra o mal que lhe
provocamos por causa do uso irresponsável e do abuso dos bens que Deus nela
colocou”, afirma o Papa Francisco no início do texto, no qual traça um fio
condutor com outras manifestações papais sobre o meio ambiente, como a carta
apostólica de 1971, do Papa Paulo VI.
Na encíclica de 2015, o Papa Francisco disse que recolhia a reflexão de inúmeros “cientistas, teólogos e organizações sociais que enriqueceram o pensamento da Igreja sobre essas questões”. Deixou felizmente para trás a oposição entre religião e ciência. E se colocou ao lado do movimento social. “Uma especial gratidão é devida àqueles que lutam, com vigor, por resolver as dramáticas consequências da degradação ambiental na vida dos mais pobres do mundo”.
Ao falar em “Evangelho da Criação”, o texto
se faz uma pergunta: por que motivo incluir em um documento dirigido a “todas
as pessoas de boa vontade um capítulo referente às convicções de fé?” E
acrescenta: “Não ignoro que alguns, no campo da política e do pensamento,
rejeitam decididamente a ideia de um Criador”, relegando essa visão ao campo do
“irracional" ou de uma “subcultura”. Mas ele insiste. “Todavia a ciência e
a religião, que fornecem diferentes abordagens da realidade, podem entrar num
diálogo intenso e frutuoso para ambas”.
Essa união, segundo o Papa, é essencial
diante da complexidade da crise ecológica. Diz que é preciso recorrer também
“às diversas riquezas culturais dos povos, à arte, à poesia, à vida interior e
à espiritualidade”. Esse chamamento geral é porque, segundo o Papa Francisco,
“se quisermos, de verdade, construir uma ecologia que nos permita reparar tudo
o que temos destruído”, nenhum ramo do conhecimento pode ser deixado de lado.
“Hoje, crentes e não crentes estão de acordo
que a terra é, essencialmente, uma herança comum, cujos frutos devem beneficiar
a todos”. Em referência direta ao nosso país, o Papa diz na sua Encíclica, “os
bispos do Brasil sublinharam que toda a natureza, além de manifestar Deus, é
lugar de sua presença”. A Carta volta sempre ao ponto de que “o meio ambiente é
um bem coletivo” e que quem possui uma parte é apenas para “administrar”.
Numa coincidência plena com o que tem sido
dito pelo painel de cientistas da ONU sobre mudança climática, a Laudato Si’
diz que “para nada serviria descrever os sintomas, se não reconhecêssemos a
raiz humana da crise ecológica.” Fala dos dois séculos de progresso
tecnológico, que deve ser comemorado, mas levanta reflexões. “Nunca a
humanidade teve tanto poder sobre si mesma e nada garante que o utilizará bem.”
Difícil resumir uma Carta tão longa que tem a
capacidade de tocar em cada ponto essencial, da preservação, da justiça social
e da “justiça intergeneracional”.
Era o terceiro ano do pontificado, e faltavam
meses para o Acordo de Paris. Um momento em que a humanidade teve mais
esperanças de uma saída para o risco ambiental. Dez anos depois, a ONU
realizará em solo brasileiro a Conferência das Partes da Convenção do Clima e
do Meio Ambiente. É bom refletir sobre esse recado do papa que nos deixou
ontem, abrindo esse vazio para pessoas de qualquer religião que admiravam seu
esforço para fazer a humanidade avançar em diversos temas. A COP não será
fácil, dado o contexto do negacionismo instalado na presidência dos Estados Unidos.
Por isso, é importante lembrar que o Papa Francisco, em diversas ocasiões,
falou sobre a necessidade de proteção ambiental, e costumava distribuir cópias
desta Encíclica.
A Carta propõe uma “conversão ecológica” para
“alimentar uma paixão pelo cuidado do mundo”. Mas alerta que não basta cada
pessoa ser melhor. Sugere a atuação em rede. “O cuidado da natureza faz parte
dum estilo de vida que implica capacidade de viver juntos e em comunhão.”
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