terça-feira, 22 de abril de 2025

Papa Francisco e o meio ambiente - Míriam Leitão

O Globo

Recado ambiental do Papa Francisco se mantém vivo: cuidar da Casa Comum é missão coletiva e os pobres são os que mais sofrem com a mudança do clima

Das muitas mensagens deixadas pelo Papa Francisco em seu pontificado pioneiro e transformador, é importante ressaltar a Laudato Si’, encíclica ambiental e social. Nela, ele se mostrou inteiramente de acordo com as aflições do ambientalismo e alertou que os pobres são os que mais sofrem os efeitos da mudança climática. Uniu, no texto, o ambiental e o social. A Carta é, como informa, “sobre o cuidado da Casa Comum” e começa louvando a Deus “pela nossa irmã e mãe Terra, que nos sustenta e governa”, numa referência a uma canção de São Francisco de Assis.

“Esta irmã clama contra o mal que lhe provocamos por causa do uso irresponsável e do abuso dos bens que Deus nela colocou”, afirma o Papa Francisco no início do texto, no qual traça um fio condutor com outras manifestações papais sobre o meio ambiente, como a carta apostólica de 1971, do Papa Paulo VI.

Na encíclica de 2015, o Papa Francisco disse que recolhia a reflexão de inúmeros “cientistas, teólogos e organizações sociais que enriqueceram o pensamento da Igreja sobre essas questões”. Deixou felizmente para trás a oposição entre religião e ciência. E se colocou ao lado do movimento social. “Uma especial gratidão é devida àqueles que lutam, com vigor, por resolver as dramáticas consequências da degradação ambiental na vida dos mais pobres do mundo”.

Ao falar em “Evangelho da Criação”, o texto se faz uma pergunta: por que motivo incluir em um documento dirigido a “todas as pessoas de boa vontade um capítulo referente às convicções de fé?” E acrescenta: “Não ignoro que alguns, no campo da política e do pensamento, rejeitam decididamente a ideia de um Criador”, relegando essa visão ao campo do “irracional" ou de uma “subcultura”. Mas ele insiste. “Todavia a ciência e a religião, que fornecem diferentes abordagens da realidade, podem entrar num diálogo intenso e frutuoso para ambas”.

Essa união, segundo o Papa, é essencial diante da complexidade da crise ecológica. Diz que é preciso recorrer também “às diversas riquezas culturais dos povos, à arte, à poesia, à vida interior e à espiritualidade”. Esse chamamento geral é porque, segundo o Papa Francisco, “se quisermos, de verdade, construir uma ecologia que nos permita reparar tudo o que temos destruído”, nenhum ramo do conhecimento pode ser deixado de lado.

“Hoje, crentes e não crentes estão de acordo que a terra é, essencialmente, uma herança comum, cujos frutos devem beneficiar a todos”. Em referência direta ao nosso país, o Papa diz na sua Encíclica, “os bispos do Brasil sublinharam que toda a natureza, além de manifestar Deus, é lugar de sua presença”. A Carta volta sempre ao ponto de que “o meio ambiente é um bem coletivo” e que quem possui uma parte é apenas para “administrar”.

Numa coincidência plena com o que tem sido dito pelo painel de cientistas da ONU sobre mudança climática, a Laudato Si’ diz que “para nada serviria descrever os sintomas, se não reconhecêssemos a raiz humana da crise ecológica.” Fala dos dois séculos de progresso tecnológico, que deve ser comemorado, mas levanta reflexões. “Nunca a humanidade teve tanto poder sobre si mesma e nada garante que o utilizará bem.”

Difícil resumir uma Carta tão longa que tem a capacidade de tocar em cada ponto essencial, da preservação, da justiça social e da “justiça intergeneracional”.

Era o terceiro ano do pontificado, e faltavam meses para o Acordo de Paris. Um momento em que a humanidade teve mais esperanças de uma saída para o risco ambiental. Dez anos depois, a ONU realizará em solo brasileiro a Conferência das Partes da Convenção do Clima e do Meio Ambiente. É bom refletir sobre esse recado do papa que nos deixou ontem, abrindo esse vazio para pessoas de qualquer religião que admiravam seu esforço para fazer a humanidade avançar em diversos temas. A COP não será fácil, dado o contexto do negacionismo instalado na presidência dos Estados Unidos. Por isso, é importante lembrar que o Papa Francisco, em diversas ocasiões, falou sobre a necessidade de proteção ambiental, e costumava distribuir cópias desta Encíclica.

A Carta propõe uma “conversão ecológica” para “alimentar uma paixão pelo cuidado do mundo”. Mas alerta que não basta cada pessoa ser melhor. Sugere a atuação em rede. “O cuidado da natureza faz parte dum estilo de vida que implica capacidade de viver juntos e em comunhão.”

Nenhum comentário: