O presidente do STF, Joaquim Barbosa, questionou ontem a validade dos embargos infringentes, recursos que podem mudar sentenças do julgamento do mensalão. De acordo com o ministro, a Corte ainda deverá decidir se eles “existem ou não”. Isso porque a medida foi extinta na reforma do Código de Processo Civil, mas o regimento do STF manteve essa possibilidade. Os embargos infringentes são usados em sentenças em que houve ao menos quatro votos pela absolvição do réu. E o caso da condenação do ex-ministro José Dirceu por formação de quadrilha. Barbosa falou na Costa Rica, onde está em evento da Unesco pelo Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. Em discurso, ele afirmou que a Justiça brasileira pune pobres, negros e quem não tem relações políticas, criticou a conexão de “advogados poderosos” com o Judiciário e a quantidade de recursos possíveis e ainda atacou o foro privilegiado
Barbosa questiona admissão de recursos e critica ‘conexões de advogados poderosos’
Mensalão. Ministro participou ontem de evento sobre liberdade de imprensa e lembrou que plenário do Supremo terá de decidir se os embargos infringentes, que visam a rever condenações, poderão ser aceitos; para ele, excesso de recursos favorece a impunidade
Felipe Recondo (Enviado especial)
SAN JOSÉ - O presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Bar¬bosa, colocou em dúvida ontem a validade e a admissibilidade, pela Corte, dos embargos infringentes, recursos nos quais os condenados pelo julgamento do mensalão tentarão modificar as respectivas sentenças nos casos em que o placar foi apertado (com pelo menos quatro votos pela absolvição do réu). "O tribunal terá de decidir se existem ou não (os infringentes)", afirmou.
O ministro, que participou ontem em San José, na Gosta Rica, de um evento da Unesco sobre liberdade de imprensa, lembrou que o Supremo precisa decidir se os embargos infringentes "sobrevivem", já que foi alterada a lei que rege os processos penais, acabando com esse tipo de recurso. Apesar da modificação da lei, o STF manteve a possibilidade do recurso em seu regimento inter¬no. Ao discursar no evento, Barbos icriticou conexões de "advogados poderosos" com integrantes do Judiciário e a imensa possibilidade de recursos.
"Uma pessoa poderosa pode contratar um advogado poderoso, com conexões no Judiciário, que pode ter contatos com juízes sem nenhum controle do Ministério Público ou da sociedade. E depois vêm as decisões surpreendentes", disse ele.
Nesses casos, avaliou o ministro, uma pessoa acusada de co¬meter um crime é deixada em liberdade em razão dessas relações. "Não é deixada em liberdade por argumentos legais, mas por essa comunicação não transparente no processo judicial", atacou.
Barbosa já havia criticado em sessão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) o que chamou de conluio entre juiz e advoga¬do. Agora, atacou as conversas privadas ou reservadas entre juiz e advogado sobre os processos. Na avaliação de Barbosa, isso é "antiético" e um problema cultural brasileiro que contribui para a impunidade.
O ministro do Supremo disse ainda que a Justiça brasileira pune majoritariamente pessoas pobres, negras e sem relações políticas. "Pessoas são tratadas diferentemente pelo status, pela cor da pele, pelo dinheiro que tem", acrescentou. "Tudo isso tem papel enorme no sistema judicial e especialmente na impunidade."
Outro fator que contribui para a impunidade, disse, é o foro privilegiado. "No Brasil tem algo chamado foro privilegiado, o que significa que, se um prefeito é acusado de cometer um cri¬me, ele não terá o caso julgado por um juiz regular(...)Se o acusado é um ministro de Estado, membro do Congresso ou ministro do Supremo, o caso será decidido pela Suprema Corte." Em várias ocasiões, ministros do STF já confidenciaram, porém, que se não fosse o foro o julgamento dos mensaleiros não teria ocorrido ainda.
Prazos. Os embargos infringentes aos quais Barbosa se referiu ontem só poderão ser apre¬sentados pelos condenados do mensalão numa segunda etapa de recursos. Na quinta-feira, terminou o prazo para a entrega dos chamados embargos declaratórios, que servem para esclarecer pontos obscuros da de¬cisão do STF. Esses recursos podem, no máximo, alterar o tamanho das penas. Já os embargos infringentes podem implicar re-visão de sentenças.
Barbosa reforçou ontem que, "tecnicamente", os embargos de declaração não têm poder de mudar o resultado do julgamento. "Embargos de declaração visam apenas corrigir eventuais contradições", disse o presidente do Supremo.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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