- O Globo
• O ponto de inflexão foi o mensalão, que colocou o Executivo sob escrutínios nunca vistos. As eventuais tentativas de domesticar o julgamento foram por águas abaixo
O Brasil em 2015 é, definitivamente, um novo país em termos institucionais. As relações entre os poderes mudaram radicalmente. O elemento detonador desse processo foi a insistência do Poder Executivo em manter-se, no mandato passado, em uma posição de distanciamento e até alheamento frente aos demais poderes.
A relação entre o Palácio do Planalto e o Congresso foi dura e pontuada de momentos de crise e insatisfação, que resultaram na retomada do processo de votação dos vetos presidenciais, na aprovação do Orçamento Impositivo, na devolução da medida provisória da desoneração, entre outras iniciativas percebidas como gestos de confronto.
A nova realidade institucional está se impondo pelo fato de o Congresso ter entendido que tem uma ampla reserva de poderes, nunca utilizada de forma consciente e consistente. Seja por que estava cooptado pelas benesses do fisiologismo. Seja porque não tinha plena consciência de seu poder. O fato é que, por uma ou outra razão, ou por ambas, a situação mudou. E o Executivo terá de aprender a lidar com ela.
Mas a nova realidade institucional também atingiu o relacionamento entre o Executivo e o Judiciário. O ponto de inflexão foi o julgamento do mensalão, que colocou o Executivo sob escrutínios nunca vistos. As eventuais tentativas de domesticar o julgamento foram por água abaixo.
No fim das contas, o julgamento do mensalão reafirmou uma tendência que se mantém agora, quando o petrolão começa a avançar nas instâncias superiores. São tempos novos, que foram alimentados, entre outras coisas, pela demora de se indicar o novo ministro do Supremo Tribunal Federal, cuja aprovação foi, no mínimo, tormentosa. Como consequência, aprovou-se a PEC da Bengala, que retirou da presidente Dilma Rousseff a possibilidade de indicar cinco novos ministros do STF.
Outro vetor do reequilíbrio institucional está nas atitudes e decisões iniciais do Tribunal de Contas da União com relação às "pedaladas fiscais" do primeiro mandato Dilma. Nunca antes na História do Brasil, para usar um bordão conhecido, o TCU foi tão longe em questionar as contas de um governo. A ponto de esse questionamento poder resultar em grave condenação.
Temos ainda uma discussão já evidente em torno do federalismo. Não cabe mais a antiga hegemonia do Executivo federal sobre estados e municípios. A autonomia existente sobre parte expressiva da arrecadação de contribuições deixará de existir. Uma nova repartição de receitas e responsabilidades deve ocorrer nos próximos anos. Viveremos uma nova época federalista, que dará outra feição ao poder antes hegemônico do Executivo federal sobre os demais entes federados.
Os fatos aqui mencionados impõem uma séria reflexão. O que devemos esperar dessa nova realidade? Provavelmente, mais crises e mais confrontos, até que as placas tectônicas do novo modelo se acomodem. São as dores de uma democracia nascente que vive um surto de fragmentação de poder nunca antes visto no país. É uma nova realidade institucional num país em que o presidente da República sempre foi "Sua Majestade", como escreveu Ernest Hambloch nos anos 30.
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Murillo de Aragão é cientista político
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