sábado, 28 de julho de 2018

Paulo César Nascimento*: O que está por trás do “Polo Democrático e Reformista”?

Algumas lideranças políticas têm martelado na tecla da união das correntes políticas, da centro-direita à centro-esquerda, para enfrentar as próximas eleições de 2018. Faz parte deste esforço o manifesto “Por um Polo Democrático e Reformista”, assinado inicialmente por três líderes do PSDB e um do PPS, no início de junho deste ano, e na sequência apoiado por diversos políticos do DEM, PV, PSD, MDB e PTB, além de vários intelectuais e acadêmicos.

Contudo, existem alguns aspectos nebulosos nessa ideia de unir as forças de centro. A primeira delas é que o manifesto cita correntes ideológicas – liberais, democratas, socialdemocratas, democratas cristãos, socialistas democratas, etc. – como forças que deveriam unir-se nas eleições deste ano. Mas estas correntes ideológicas se apresentam de forma difusa no cenário político nacional, não se encarnando adequadamente nem nos partidos que carregam seus nomes. O que, por exemplo, tem de republicano o Partido da República (PR), ou de progressista o Partido Progressista (PP)? Onde o Solidariedade, de Paulinho da Força Sindical, se encaixaria nessa constelação de ideologias políticas?

O centro só se torna mais claro quando seus apoiadores declaram que dele podem participar todas as forças que pensam o Brasil fora do campo populista autoritário de direita e de esquerda. Ou seja, aqueles que rejeitam a candidatura de Jair Bolsonaro (PSL), de Ciro Gomes (PDT) e do candidato do PT, seja ele quem for. Estas candidaturas, segundo a ótica dos formuladores do “Polo Democrático e Reformista”, carregariam um potencial de provocar a ruptura da ordem democrática, devido o seu populismo autoritário e atrasado. Daí a necessidade, muito na forma da Frente Ampla propugnada pelo PCB na luta contra o regime militar, de todas as forças democráticas e reformistas se unirem para preservar a democracia e avançar nas reformas que o país necessita.

O problema com essa visão política é que nada indica que a democracia no Brasil esteja correndo perigo, e basta acompanhar a movimentação tanto de Bolsonaro como de Ciro Gomes para certificar-se disso. O primeiro abandonou o discurso do passado, quando chegou a pregar o fechamento do Congresso, entre outras pérolas autoritárias, – para adotar uma postura muito mais amena e conciliadora, chegando ao ponto de escolher um economista ultraliberal para ser seu Ministro da Fazenda, de forma a acalmar o mercado e se livrar da imagem pró-estatizante que construiu ao longo de sua carreira política.

Já Ciro Gomes, ao contrário, tem se utilizado de uma retórica radical para atrair os votos do lulopetismo, mas ao mesmo tempo e contraditoriamente, tenta ampliar suas alianças para o centro e a centro-direita, chegando a disputar e perder para Alckmin o apoio dos partidos fisiológicos do chamado “centrão”. Persiste, porém na busca de uma aliança com o PSB, partido que nada tem de radical. E o PDT, partido que o lançou candidato, tem muito de fisiológico e populista, mas nada de radical. Ou seja, retórica à parte, seu comportamento não é o de um político que esteja colocando em risco a ordem democrática.

Não há nada de surpreendente na atitude destes políticos. Há muito tempo se tornou um truísmo na ciência política que nas democracias contemporâneas, os candidatos tendem a moderar seu discurso de forma a capturar o medium voter – aquele eleitor mediano avesso a radicalismos que representa a maioria do eleitorado. É claro que candidatos extremistas sempre existirão, mas isto faz parte do cenário político de toda e qualquer democracia.

Alguns apoiadores do “Polo Democrático e Reformista” alegam ainda que as candidaturas populistas antes referidas podem levar o país à “ingovernabilidade”, insinuando assim que, mesmo que elas não estejam diretamente empenhadas em derrubar a democracia brasileira, a solapam com suas políticas de irresponsabilidade fiscal e de confronto com o Judiciário e o Legislativo.

“Ingovernabilidade”, contudo, não leva necessariamente ao caos e ao fim da democracia. As sociedades democráticas têm mecanismos institucionais para lidar com situações em que o Chefe do Governo ou do Estado perde a capacidade de dirigir o país, seja por uma política econômica catastrófica, falta de diálogo com o Legislativo ou mesmo incapacidade física e mental, como ocorreu com o presidente Abdalá Bucaram, no Equador, em 1997. Para casos assim, existem diversos mecanismos institucionais, como o impeachment e o recall de novas eleições.

A democracia brasileira, por ter passado por diversas crises, incluindo dois impeachments, já está com suas instituições democráticas bastante consolidadas. Tanto que elas puderam resistir aos 13 anos da longa “guerra de posições” que o PT deslanchou para submeter a sociedade e os três poderes a seu plano de perpetuar-se no poder. Como todos sabem, essas tentativas fracassaram, e o Judiciário do país condenou Lula e vários outros líderes petistas à prisão pelo fantástico esquema de corrupção montado por aquele partido e sua base aliada.

Se a democracia brasileira não está sob qualquer risco, por que então as aves de mau-agouro do “Polo Democrático e Reformista” insistem em levantar o espantalho do perigo de ruptura democrática? O que está por trás disso? A resposta é óbvia: para apoiarem com mais legitimidade a candidatura de Geraldo Alckmin à Presidência da República. Torna-se muito mais palatável, para a esquerda democrática, defender o desgastado PSDB e seu candidato se este é apresentado como a última boia na qual a democracia brasileira pode agarrar-se para não afundar. Muito mais difícil é defender Alckmin pela trajetória de seu partido ou pelo seu próprio perfil.

Já faz algum tempo que o PSDB se afastou do ethos renovador e modernizante que inspirou os “autênticos” a abandonar o antigo MDB quando este mergulhou de cabeça no fisiologismo. Atualmente, o PSDB nada tem de renovador e muito menos de “socialdemocrata”. Uma prova disso é que sua estrela ascendente, e talvez futuro candidato à Presidência, o ex-prefeito de São Paulo João Dória, é um neoliberal de carteirinha. Igual que o MDB, o PSDB “regionalizou-se”, sendo dirigido atualmente por lideranças políticas dos mais diversos perfis ideológicos.

Nos anos em que comandou o país, o PSDB não realizou uma só reforma política, com exceção da aprovação do instituto da reeleição, de forma a garantir mais um mandato para o então presidente Fernando Henrique Cardoso. Desgastou-se com os múltiplos casos de corrupção e caixa 2 em que algumas de suas principais lideranças se envolveram, e cujas investigações ameaçam chegar até ao próprio Alckmin.

Fernando Henrique Cardoso costuma dizer que a questão que se coloca para um governo renovador no Brasil é se ele vai comandar o atraso ou se é o atraso que vai comandá-lo. É a questão que também estará colocada no caso de Geraldo Alckmin ser eleito para presidente. Sua aliança com o centrão lhe garante um tempo extraordinário de propaganda eleitoral na tevê, mas pode comprometer a realização de qualquer tipo de reforma política, social ou econômica.

Incomodados com a imagem negativa que a aliança com o centrão pode trazer para o “Polo Democrático e Reformista”, ativistas da esquerda democrática reagiram com veemência, tratando de dourar a pílula. “O centrão atual é diferente do centrão da Constituinte”, gritam em coro. Ora, embora isso seja verdade, não faz o atual centrão melhor que seu antecessor. Ao contrário, é até pior, já que sua versatilidade e falta de compromisso ideológico permitem que costure qualquer tipo de aliança com forças as mais díspares, como fizeram nos governos do PT, de Temer e agora com a candidatura Alckmin, desde que tenham seus interesses particulares contemplados. É um tipo de fisiologismo arraigado na cultura política brasileira, que tem tradicionalmente impedido reformas estruturais na política, na economia e no combate às desigualdades sociais, além de ser foco constante de corrupção e patrimonialismo.

Argumenta-se ainda que a coalizão que sustenta a candidatura Alckmin não se esgota no centrão, já que abarca outras correntes mais comprometidas com as reformas, como a própria esquerda democrática que integra o “Polo Democrático e Reformista”. Mas com 164 deputados e 32 senadores, o centrão certamente terá uma influência muito maior que a minguada bancada da esquerda democrática, provavelmente indicando os presidentes da Câmara e do Senado, e tendo voz hegemônica nos rumos da campanha presidencial do PSDB.

Muitos tucanos, por outro lado, vivem ressaltando as qualidades de Alckmin como político moderado, gestor experiente e grande articulador político. Ele teria, dessa forma, todas as condições para exercer uma exitosa presidência. Infelizmente para o candidato, não é assim que o eleitorado, até agora pelo menos, tem percebido o político Alckmin, daí o candidato do PSDB estar, já faz um bom tempo, patinando nas pesquisas eleitorais, sem alcançar os dois dígitos, apesar de ser um nome nacionalmente conhecido, ter governado São Paulo e dispor de uma enorme estrutura nacional para sua campanha.

Falta a Alckmin – e é impossível não perceber–, a estatura de um estadista e líder nacional capaz de empolgar o eleitorado, tirar o país do buraco onde o lulopetismo o enfiou, e liderar um projeto de reformas. Até porque, para a elaboração de um plano de reformas estruturais, é necessário um corpo de ideias - a última coisa no mundo que o provinciano médico de Pindamonhangaba é capaz de produzir. Em 2006, quando disputou a eleição com Lula, não teve nem a coragem de defender o programa de seu partido, escondendo-se atrás de uma fotografia em que aparecia ostentando adesivos de estatais brasileiras, para afastar a imagem de “privatista”. Como resultado, acabou tendo menos votos no segundo turno do que obteve no primeiro.

Se Alckmin não tem perfil de reformador, sua aliança eleitoral tampouco ajuda no desenvolvimento da democracia brasileira. Apesar de seus apoiadores falarem interminavelmente sobre democracia, parecem esquecer um aspecto desta forma de governo que a frente que montaram agride frontalmente: o pluralismo.

É difícil encontrar qualquer estudo sério sobre democracia que não a ligue com o pluralismo. Este nada tem a ver com individualismo, como sugeria a vulgata marxista soviética. O pluralismo se baseia no fato muito simples de que o espaço público é habitado por pessoas, e não por uma só pessoa. É por isso que todo sistema coletivista, não pluralista, em que um líder máximo substitui o povo, tende para o autoritarismo. É o caso de sistemas de partido único, democracias plebiscitárias ou regimes populistas, da China de Xi Ji Ping à Venezuela de Maduro, onde o eleitor não é apresentado a propostas alternativas e a pluralidade política é limitada ou mesmo suprimida.

Nas democracias contemporâneas, ao contrário, a pluralidade é muito valorizada. Juntamente com as liberdades civis e políticas, o regime eleitoral de dois turnos compõe, em muitas dessas democracias, o instrumento mais adequado para combinar pluralismo com estabilidade, pois incentiva os partidos políticos a lançarem seus candidatos e apresentarem suas propostas no primeiro turno, ao mesmo tempo em que garante ao vencedor do segundo turno a legitimidade adquirida com a conquista da maioria dos votos.

Isto posto, é natural que, sob um regime autoritário, diversas correntes políticas se unam para lutar pela democracia, como o PCB propôs acertadamente à época da ditadura militar. Ou mesmo que, em um primeiro turno, alguns partidos com forte familiaridade política se coliguem. Mas este não é o caso do frentão que apoia a candidatura Alckmin. Apesar de composto por diversas forças políticas, não tem nada de plural. Os grupos que integram este frankenstein político se limitam a disputar espaços de poder em seu seio, perseguindo suas sinecuras em lutas de bastidores, sem desenvolver perfil próprio além de uma vaga carta de intenções. A identidade política dos candidatos e dos partidos se dissolve em meio a siglas de nomes confusos e contraditórios.

Os políticos que integram o “Polo Democrático e Reformista”, assim como a frente de apoio a Alckmin, parecem apostar que o longo tempo de tevê que o candidato do PSDB dispõe, mais sua capacidade de formar palanques estaduais fortes, vai fazê-lo subir nas pesquisas assim que a campanha eleitoral começar. É possível que isso aconteça, mas falta ainda combinar com o eleitor. O fato é que mesmo que Alckmin não seja eleito presidente, os partidos menores que o apoiam esperam que a aliança com o PSDB os ajude a eleger deputados e senadores em número suficiente para escapar da guilhotina da cláusula de barreira e garantir o fundo partidário.

É perfeitamente normal e justo que os partidos brasileiros busquem os recursos necessários e cumpram as exigências institucionais para se manterem em atividade e garantir sua sobrevivência. Mas poderiam explorar melhor as possibilidades de alianças no contexto de outras alternativas políticas. O presidente do PPS, Roberto Freire, por exemplo, foi contra a candidatura de Cristovam Buarque, alegando que o senador não tem voto. Mas descartou rapidamente o convite que lhe foi feito para ser vice na chapa de Marina Silva, que tem muito mais intenções de voto que Alckmin, inclusive em São Paulo. Poderia ter sido uma opção para a futura criação de um partido democrático de esquerda, sonho do PPS há décadas. A proposta nem foi levada para discussão no partido, já que há um temor em apostar as fichas em uma candidata sem tempo de tevê e sem fortes alianças estaduais, que pode desidratar quando começar a propaganda eleitoral. Mas quem garante que isso vai mesmo acontecer? E se Alckmin tiver o mesmo destino que Ulyssses Guimarães em 1989, que tinha muito tempo de tevê mas acabou bem atrás de outros candidatos com menos tempo e estrutura partidária menor? E isso em uma época sem redes sociais, hoje um elemento que pelo menos relativiza o poder da mídia tradicional.

Seja como for, a ideia que Alckmin seria o candidato das reformas e o salvador da democracia brasileira não passa de uma quimera. Seu histórico político de alianças fisiológicas, a visão liberal da economia e o cristianismo conservador que o candidato do PSDB professa indicam que ele será o candidato do big business: das grandes corporações empresariais, do capital financeiro e do agronegócio. Tanto que o mercado vibrou quando Alckmin selou aliança com o centrão. Imediatamente as ações na Bolsa subiram e o dólar caiu!

Estes fatos nos permitem antever que caso Alckmin seja eleito, diferentemente do que imagina o “Polo Democrático e Reformista”, seu governo vai significar um retrocesso em termos de política ambiental, direitos sociais e econômicos dos trabalhadores, legislação das agências reguladoras e políticas para a área cultural. Quem viver verá.

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*Professor do Instituto de Ciência Política, da UnB

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