- Valor Econômico
Ideia é compatibilizar o teto de gastos com a "regra de ouro"
Um novo desenho institucional para as regras fiscais brasileiras começou a ser discutido pela Câmara dos Deputados com representantes do governo, mesmo antes da aprovação da reforma da Previdência Social. O objetivo é construir uma proposta que compatibilize a chamada "regra de ouro" das finanças públicas com o teto de gastos, de forma a torná-los eficazes.
Para isso, a ideia é aproveitar a PEC 438/2018, de autoria do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), que está em análise na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara e que será apreciada por uma comissão especial a partir de agosto. A estratégia conta com o apoio do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que tomou a iniciativa de colocar a PEC 438, apresentada no ano passado, novamente em tramitação própria.
O deputado Felipe Rigoni (PSB-ES) será o relator da PEC na comissão especial. Ele criou uma equipe de consultores para ajudá-lo na tarefa. Uma primeira reunião dos consultores com representantes do Ministério da Economia já foi realizada na semana passada e outras virão. "Vamos construir a PEC de forma integrada [com o governo]", disse Rigoni ao Valor.
"Acho que teremos um bom e construtivo debate sobre a 'regra de ouro' e regras fiscais no geral", disse uma autoridade do governo. Depois de aprovada pela Câmara, a PEC terá que ser analisada também pelo Senado. Mesmo assim a expectativa de Rigoni e da própria equipe econômica é que as novas regras entrem em vigor já em 2020.
Vários problemas terão que ser enfrentados pela equipe de Rigoni, em diálogo com o governo. O primeiro deles, e talvez o mais grave, é que, atualmente, não se sabe em que momento os gatilhos do teto de gastos são acionados, ou seja, o momento em que as medidas de ajuste da despesa previstas na emenda constitucional 95 podem ser utilizadas.
A emenda 95 fixou um limite para as despesas. Mas, para ficar dentro do teto, o governo só pode cortar os chamados gastos discricionários (investimentos e custeio da máquina administrativa). Como as despesas obrigatórias não param de aumentar, principalmente as previdenciárias, o governo é obrigado a ir reduzindo os gastos discricionários.
Da forma como foi redigida a emenda 95, no entanto, o governo tem que encaminhar ao Congresso a proposta orçamentária anual dentro do teto, necessariamente. Nem que, para isso, tenha que reduzir o gasto discricionário a zero. Somente neste momento, se o texto da emenda 95 for levado ao pé da letra, os gatilhos do teto iriam disparar. "Isso é impossível", observou uma fonte oficial. Ou seja, não faz sentido paralisar todos os serviços públicos oferecidos à sociedade (pela ausência de recursos para o custeio) para só então acionar as medidas de ajuste do teto.
O governo tem três alternativas para enfrentar a situação. Patrocinar uma mudança na legislação, que defina o momento do disparo dos gatilhos do teto; consultar o Tribunal de Contas da União (TCU) para que ele ajude a definir a questão; ou utilizar intencionalmente os restos a pagar para "estourar" o teto de gastos.
A última alternativa ocorreria da seguinte forma: o Orçamento do próximo ano seria elaborado com os gastos no limite do teto, como ocorre desde 2017. Tendo receitas suficientes, o governo executaria 100% das despesas previstas na lei orçamentária e, no final do ano, liberaria dinheiro para restos a pagar de anos anteriores. Com a estratégia, a despesa paga no ano (lei orçamentária executada mais os restos a pagar) ficaria acima do teto. Com o estouro, o governo poderia acionar as medidas de ajuste no ano seguinte. "Somente assim se descumpre o teto", explicou a fonte.
O deputado Rigoni está a par da situação. "Esse é um problema que não tinha sido percebido quando a emenda 95 foi aprovada", disse. "Vamos corrigir isso e definir o momento em que os gatilhos do teto serão disparados", observou.
Outra questão a ser enfrentada é o que fazer com a chamada "regra de ouro". Por ela, o governo só pode aumentar o seu endividamento no montante das despesas de capital (os investimentos, as inversões financeiras e as amortizações). Ou seja, não pode elevar a dívida pública para pagar despesas correntes. Este princípio é chamado de "regra de ouro" das finanças públicas.
A questão é que o governo federal não conseguiu cumprir a regra neste ano e não conseguirá no próximo e nos seguintes. Por isso, está sendo obrigado a pedir autorização ao Congresso para emitir títulos públicos para pagar despesas correntes. Neste ano, o pedido foi de R$ 248,9 bilhões.
O texto atual da "regra de ouro" não prevê avaliação periódica sobre o seu cumprimento e nem define as medidas de ajuste que devem ser acionadas se ela não for cumprida. Da forma como está redigida, ela é completamente ineficaz.
O deputado Rigoni também está consciente disso. A proposta que ele está elaborando, em conversa com representantes do governo, prevê a compatibilização da "regra de ouro" e do teto de gastos. A ideia é criar um "índice fiscal" que relacione operações de crédito e despesas de capital (OC/DK).
No momento em que esse índice superar 0,95, ou seja, em que as operações de crédito ultrapassarem 95% das despesas de capital, o sinal de alerta seria aceso, e os gatilhos do teto de gastos, disparados. Ou seja, as medidas de ajuste previstas na emenda 95 seriam acionadas. Não poderiam ser criadas novas despesas obrigatórias, não poderia ser concedido reajuste salarial aos servidores nem aumento real para o salário mínimo, entre outras medidas. E o governo seria obrigado a fazer uma revisão de seus gastos.
Quando o índice OC/DK superasse 1, ou seja, a "regra de ouro" estivesse sendo descumprida, o governo poderia adotar dez outras medidas, entre elas, a redução da jornada de trabalho e dos salários de servidores, redução de 20% dos cargos comissionados, diminuição em 20% das renúncias tributárias e desvinculação dos recursos dos fundos setoriais para pagar a dívida pública.
Se o governo descumprisse a "regra de ouro" por dois exercícios seguidos, o servidor estável poderá perder o cargo e a renúncia de receita reduzida a 2% do Produto Interno Bruto (PIB).
A questão, certamente, ainda será bastante debatida, antes que se tenha o desenho final das novas regras fiscais.
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