- O Estado de S. Paulo
Há agora uma chance de avançarmos na direção de flexibilizações também nas contratações do setor público
Nunca tudo foi tão temporário. Mesmo antes da covid-19, transitoriedade, agilidade e flexibilidade já eram temas recorrentes nas análises do mercado de trabalho que vinha se mostrando em franca transformação. Atividades ganharam outro ritmo com os avanços tecnológicos e a digitalização. Projetos se tornaram mais frequentes e o modo de trabalho ágil se transformou na nova forma de acelerar entregas. Nesse novo mundo, também novas necessidades e competências emergiram fruto de demandas urgentes, de mudança nas prioridades, de alternância nos problemas e de crescente rapidez na busca de soluções.
O mercado de trabalho precisou se adaptar e a reforma trabalhista foi nessa direção, garantindo ao setor privado maior flexibilidade. O setor público, mais uma vez, ficou para trás. A forma de contratação continua a mesma, os contratos de trabalho continuam sendo quase que vitalícios e a gestão de pessoas se vê comprometida por estruturas de carreiras que em nada valorizam o mérito e tampouco alavancam competências. Mas há agora uma chance de avançarmos na direção de flexibilizações também lá. Não é uma reforma administrativa como a que precisaremos enfrentar mais cedo, antes do que mais tarde. Mas já é um primeiro passo nessa longa jornada que nos espera.
Me refiro aqui à Medida Provisória nº 922, pautada pelo presidente Rodrigo Maia para análise pela Câmara dos Deputados. A motivação da MP é a atualização da legislação que rege a contratação temporária no âmbito do setor público. Embora já previsto na Constituição Federal e regulamentado pela Lei 8.745, esse regime de contratação demanda uma urgente atualização. Ao ampliar as hipóteses que justificam a contratação temporária e possibilitar a contratação de servidores públicos aposentados e de militares da reserva para o desempenho de atividades temporárias, a MP 922 vai nessa direção. Afinal, qual a justificativa para a contratação de servidores estatutários para o desempenho de atividades temporárias ou emergenciais – que por definição se extinguem uma vez atingidos seus objetivos – quando esses servidores gozam de estabilidade funcional e detêm vínculos empregatícios que duram cerca de 60 anos? A pergunta é simples mas a resposta certa, que é a contratação temporária, coloca gestores à mercê dos ministérios públicos que insistem na abertura de concursos públicos e na contratação de servidores estatutários para o exercício de toda e qualquer função pública, por mais transitória e simples que seja a atividade.
Se aprovada, a MP 922 viabilizará a atuação pontual e tempestiva do Estado em ações que garantam um melhor funcionamento da máquina como, por exemplo, na redução de processos acumulados – caso dos pedidos de aposentadorias no INSS; no atendimento a situações de emergência humanitária – como vimos ocorrer em Roraima com os refugiados venezuelanos; nos projetos específicos de pesquisa e desenvolvimento ou mesmo na atenção emergencial em casos de calamidade pública que são, por natureza, temporários e transitórios e não justificam a contratação de servidores estáveis.
Estabelece-se assim o necessário respaldo jurídico para que essa agilidade também contribua para evitar um inchaço ainda maior da máquina pública, com as conhecidas consequências sobre os gastos públicos. Isso poderá ser estendido para todas as esferas da Federação, caso uma importante emenda seja acatada, além de alguns outros importantes avanços, se outras duas emendas também forem incorporadas ao texto final. Estas últimas resgatam alguns dos instrumentos de gestão de pessoas que foram se perdendo ao longo do tempo no setor público. É o caso da emenda que propõem a exigência de avaliação geral da política de pessoal temporário, recolocando planejamento e dimensionamento correto dessa força de trabalho na pauta e também a de avaliação de desempenho anual desses trabalhadores temporários. Garante-se assim que a qualidade do trabalho desses servidores seja medido e avaliado, resgatando o conceito há muito perdido no serviço público no Brasil, onde o resultado – e não o processo – deve nortear o trabalho.
Todos essas questões ficaram ainda mais evidentes no atual momento. Agilidade, flexibilidade, rapidez de resposta, simplificação dos processos e temporariedade são características necessárias para que possamos, como Estado, dar a resposta que a população precisa. Se isso tudo já era importante antes para garantir ganhos de eficiência na máquina pública agora, em tempos de pandemia, tornou-se imprescindível para que possamos salvar vidas. Dado que o governo não soube usar o tempo para atualizar nossa máquina pública lá atrás, enviando a proposta de reforma administrativa, que ao menos o Congresso use o entendimento da temporariedade para aprovar a MP 922 e fazer uma parte desse dever de casa tão atrasado.
*Economista e sócia da Consultoria Oliver Wyman
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