O Estado de S. Paulo
Cientista político diz que ideias como ampliar colegiado do STF podem ‘neutralizar demais Poderes’
Declarações recentes do presidente Jair Bolsonaro (PL) e do vice-presidente e senador eleito Hamilton Mourão (Republicanos) sobre possíveis interferências no Supremo Tribunal Federal (STF) levantaram questionamentos sobre a constitucionalidade de medidas como aumentar de 11 para 16 o número de cadeiras na Corte.
Para Joaquim Falcão, cientista político e autor do livro O Supremo: Compreenda o poder, as razões e as consequências das decisões da mais alta Corte do Judiciário no Brasil, o problema não é a ampliação do colegiado do STF, mas, sim, o momento em que a ideia é cogitada.
Mourão também defendeu o fim da PEC da Bengala, que adiou a aposentadoria compulsória de ministros de 70 para 75 anos, e citou a possibilidade de impeachment de integrantes da Corte. Ao Estadão, Falcão – que é professor de Direito Constitucional e foi o responsável pela coordenação jurídica da campanha de Sérgio Moro, quando ele tentava disputar o Planalto –, disse ver nas medidas riscos à democracia.
Como avalia a ideia de
aumentar o número de ministros do Supremo?
Tem uma estratégia por trás da proposta que
é sair da democracia, onde o povo tem a palavra final, para uma monocracia,
onde o presidente, controlando os dois outros Poderes de forma aparentemente
legal, detém as decisões. O risco é o monopólio das decisões estratégicas
fundamentais do País.
O risco, na opinião do sr., é
a democracia em si...
A democracia é um quebra-cabeça. É preciso saber
se a estratégia do jogo, no final, é democrática ou não. O que está em perigo
não é o número de ministros. Não existe número ideal. A França tem nove, a
Alemanha tem 16, a Argentina tem cinco. Aqui, desde 1969, nós temos 11
ministros e criamos uma cultura de que isso é suficiente para a democracia. O
problema é propor esse aumento agora. Qualquer mudança que altere o equilíbrio
dos Poderes só deveria valer para as próximas eleições. Ninguém pode se
beneficiar de decisões em causa própria.
Por que acredita que essas
mudanças estão sendo propostas neste momento?
Porque querem monocracia. Querem
neutralizar os demais Poderes. Se houver mudança na independência dos Poderes,
ela não pode beneficiar quem propõe a mudança. Isso é regra decisiva para o
conceito de separação de Poderes.
Como isso influi na
independência do Judiciário?
Existe uma diferença entre respeitar a lei
e respeitar o que a opinião pública defende. A independência é importante
porque, senão, nós estamos na monocracia, que é prima do autoritarismo, que é
irmã da ditadura. A crítica que é feita ao STF é de um certo “ativismo” do
Judiciário. Uma maneira de evitar esse ativismo é o Supremo fazer as reformas
por si próprio. Por exemplo: evitar decisões monocráticas e devolver pedidos de
vista na mesma hora. Antes de chegar a discussões pouco democráticas, o Supremo
poderia usar sua independência para se aperfeiçoar.
“Democracia
não é harmonia entre Poderes, é tensão permanente, o que é natural. Às vezes um
manda, às vezes outro obedece. No momento em que só um mandar, não tem mais
tensão. Aí você tem autoritarismo”
Críticas do governo ao STF
justificam uma possível interferência na Corte?
Não acredito que isso (o aumento das cadeiras) vai ser
realizado como se defende. Haverá resistência. A proposta é apenas campanha. É
uma disputa de pauta aterrorizadora, mas é uma maneira de fazer com que a
sociedade fique discutindo e não olhe para os problemas, como a censura
orçamentária. O que nós temos visto com educação, cultura, é um novo tipo de
censura que proíbe as instituições de funcionar. A realidade do eleitor é
outra, é uma realidade que se pega com a mão e não com discussão verbal.
E sobre impeachment de
ministros. É possível?
Acredito que não. Na história, existe
apenas um caso de tentativa de impeachment e foi nos EUA. Essa é a estratégia
do terror e não vai se realizar porque as forças políticas e instituições não
permitem. A história mostra que é impossível, nunca houve no Brasil. É só
campanha.
“A proposta é apenas campanha. É uma disputa de
pauta aterrorizadora, mas é uma maneira de fazer com que a sociedade fique
discutindo e não olhe para os problemas”
Levando-se em conta a relação
conflituosa entre governo e STF, a situação pode arrefecer num eventual novo
mandato de Bolsonaro ou ela tende a escalar?
O STF tem navegado bem. Democracia não é
harmonia entre Poderes, é tensão permanente, o que é natural. Às vezes um
manda, às vezes outro obedece. No momento em que só um mandar, não tem mais
tensão. Aí você tem autoritarismo.
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