sexta-feira, 11 de novembro de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

É um erro excluir Bolsa Família do teto de gastos

O Globo

Proposta de separar ‘investimentos sociais’ das despesas não resolve o principal: de onde virá o dinheiro

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva parece ter começado a errar antes mesmo de assumir. Ganhou força a ideia de retirar definitivamente a nova versão do Bolsa Família do teto de gastos. Não haveria mais apenas um waiver, a licença para gastar mais excepcionalmente em 2023, mas a criação de outro gasto permanente sem receita correspondente. Seria um absurdo adotar tal medida de forma atabalhoada, sem antes ter uma ampla discussão a respeito de como o novo governo pretende administrar a dívida pública.

Desde o início da campanha, Lula fala em “dívida histórica” com os vulneráveis. Voltou a repetir ontem que investimento em programas sociais não é gasto. Marotamente, apresenta a questão como um embate entre os que querem mais atenção aos pobres e os que têm outras prioridades. Trata-se de uma falácia. O combate à pobreza e à desigualdade deve ser, indiscutivelmente, prioridade. A verdadeira discussão é outra. A adoção consistente ao longo do tempo de um programa de transferência de renda, seja lá o nome que tenha, e de melhorias nas áreas de educação e saúde depende de o governo dispor de recursos em caixa. Mas, quanto mais o Estado gasta para financiar sua dívida, menos recursos sobram. É justamente por isso que se enfatiza a necessidade de o governo ter responsabilidade fiscal. Sem uma âncora para o gasto, o governo paga mais caro para tomar dinheiro emprestado no mercado. Isso aumenta o custo do endividamento público e deixa menos dinheiro nos cofres para o governo, como quer Lula, “investir no social”.

Castigado no governo Jair Bolsonaro e torpedeado pelo governo eleito, o teto de gastos não é um mecanismo imune a críticas. Os economistas Fabio Giambiagi e Manoel Pires defendem uma nova regra de controle de despesas, com ajuste fiscal, incremento do investimento público e modesta elevação de tributos. Também há ideias de outros estudiosos para pôr em prática a sugestão de Lula, separando os investimentos dos gastos recorrentes. Mas isso não significa que o teto deva ser destelhado de modo oportunista para abrir espaço a outros gastos de necessidade muito mais política que social.

O perigo é o governo eleito já dar o primeiro tropeço agora, retirando em definitivo do teto o novo Bolsa Família, sem que o país tenha ideia de sua nova proposta para controle fiscal, prevista agora para 2024. Se esse plano tiver sucesso, Lula começará seu governo com dificuldades na área econômica. Como disse o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, os mercados internacionais estão menos tolerantes a deslizes na política fiscal. Um exemplo é o que acabou de acontecer no Reino Unido, com o governo caótico e fulminante de Liz Truss, que lançou um programa de corte de impostos sem redução de despesas — e caiu em 44 dias.

A política social no Brasil exige atenção e cuidado — e a política fiscal também. Para que estejam disponíveis os recursos necessários aos “investimentos sociais”, o governo precisa ter competência e responsabilidade no trato das contas públicas. O país tem toda a liberdade de adotar um sistema distinto do teto de gastos, cuja credibilidade foi corroída por Bolsonaro e agora parece estar com os dias contados. Mas Lula tem o dever de apresentar uma proposta com medidas críveis para a sustentabilidade da dívida pública. Sem afobação nem oportunismo.

Situação das estradas brasileiras expõe necessidade de privatizações

O Globo

Estudo da CNT comprova que vias administradas por concessionárias privadas estão em estado melhor

A mais recente pesquisa da Confederação Nacional do Transporte (CNT) sobre a situação das rodovias traça um quadro preocupante sobre a malha rodoviária nacional. O levantamento mostra que as condições pioraram. No ano passado, 61,8% dos trechos percorridos haviam sido classificados como regulares, ruins ou péssimos. Neste ano, 66%.

A pesquisa expôs a disparidade entre a situação das rodovias concedidas à iniciativa privada e as administradas pelo poder público. De acordo com o levantamento, entre as privatizadas, 69% foram avaliadas como boas ou ótimas, e apenas uma minoria (31%) foi enquadrada como regular ruim ou péssima. Entre as mantidas pelo Estado, 75,3% foram consideradas regulares, ruins ou péssimas, e somente 24,7% puderam ser enquadradas como boas ou ótimas. De acordo com o diretor-executivo da CNT, Bruno Batista, a discrepância está ligada à falta de recursos.

Realizada desde 1995, a pesquisa da CNT avalia não só as condições do pavimento, mas também a qualidade da sinalização, o traçado das vias e fatores como a existência de faixas marginais ou curvas perigosas. O diagnóstico corrobora a experiência de motoristas país afora, obrigados a trafegar por rodovias esburacadas, mal sinalizadas, obsoletas e inseguras. Claro que as condições das estradas não são o único fator que interfere nos acidentes, mas é óbvio que uma rodovia malconservada e mal sinalizada aumenta os riscos.

A negligência mata. Em setembro, uma ponte na BR-319, no Amazonas, desabou, deixando ao menos quatro mortos e 14 feridos. A estrutura, sob administração do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), do governo federal, dava sinais de que poderia ruir a qualquer momento. Dez dias depois, outra ponte na mesma rodovia também foi ao chão.

A condição das estradas não está relacionada apenas à segurança de motoristas e passageiros. É preciso considerar também os aspectos econômicos e os danos ambientais. Segundo o estudo da CNT, o mau estado de conservação das rodovias brasileiras gerou um gasto extra de 1 bilhão de litros de combustível neste ano, um custo desnecessário de R$ 4,9 bilhões. Sem falar no desgaste de pneus, amortecedores, freios etc.

Lamentavelmente, durante a campanha eleitoral não se discutiram propostas para eliminar os gargalos da infraestrutura no Brasil. O próximo governo precisará ampliar as concessões de estradas e as parcerias público-privadas, pois está comprovado que as vias administradas pelas concessionárias estão em melhores condições. O Estado, por mais que queira, não terá os recursos necessários para investir em rodovias que se degradaram ao longo de décadas. Os motoristas não precisam de demagogia barata, mas sim de estradas onde possam trafegar com suas famílias em segurança.

O óbvio sobre a urna

Folha de S. Paulo

Defesa não vê fraude, e fim do caso possibilita a acomodação institucional

Em 31 de agosto de 2021, o então presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Luís Roberto Barroso, fez valer uma resolução aprovada dois anos antes e convidou militares para integrar uma Comissão Externa de Transparência que fiscalizaria a eleição deste ano.

Era a época de uma das mais intensas sístoles do golpismo bolsonarista, antes do 7 de Setembro de multidões nas ruas. Barroso achou que desarmaria a campanha contra as urnas eletrônicas.

O efeito foi contrário, e questionamentos enviados pelo Ministério da Defesa se tornaram munição para ataques infundados ao processo eleitoral. Após uma crise militar em reação a tentativas de Jair Bolsonaro (PL) de instrumentalizar as Forças Armadas, a pasta mostrava-se aliada ao chefe.

Cumpre, nesse caso, diferenciar o ministério, o serviço ativo das Forças e a usualmente radical reserva fardada. Na cúpula do Exército, por exemplo, nunca houve apoio majoritário aos arroubos de Bolsonaro contra as instituições.

Assim se chegou ao nanismo do relatório enfim entregue na quarta-feira (9) sobre o sistema eletrônico de votação. A Defesa o isenta de fraudes ou falhas graves, enterrando o discurso golpista como muitos generais gostariam.

Mas o diabo gosta de detalhes, e eles abundam na forma de dúvidas colocadas sobre o quão auditável é o processo. Nada que mude a conclusão, mas sinaliza que a pressão de Bolsonaro por um texto mais contundente logrou ao menos alimentar a retórica de redes sociais e portas de quartéis. É lamentável.

Para piorar, nesta quinta (10) a Defesa se prestou, em nota, a um malabarismo retórico segundo o qual a ausência de fraude não implica sua inexistência.

O fato incontornável é que não restou um fiapo de argumento capaz de sustentar algum questionamento ao resultado eleitoral, e o próprio Bolsonaro —cuja votação o mantém, em tese ao menos, como ator político relevante— parece ter compreendido a inutilidade de qualquer esperneio.

Não por acaso, as conclusões da Defesa mereceram resposta rápida e sagaz do presidente do TSE, Alexandre de Moraes, dando o caso, na prática, por encerrado.

O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que vinha mantendo silêncio prudente, defendeu os militares do que considerou uma manipulação bolsonarista. Se não houver mais marola, o campo está semeado para uma acomodação.

Fundamental para tanto será a escolha do novo ministro da Defesa e a aplicação de critérios de antiguidade básicos para os comandos de Força. Dos militares, espera-se apenas o que juram fazer: respeitar a Constituição, deixando o palco que ocupam desde 2019.

Jabuti do barulho

Folha de S. Paulo

Prefeitura de SP usa lei das dark kitchens para elevar limite de som para shows

Trata-se de manobra recorrente: Legislativos e Executivos, em todos os níveis, fazem uso da propositura de uma lei para aprovar a reboque outro tema de interesse não exatamente relacionado ao projeto inicial. É o chamado "jabuti".

O expediente entrou em ação na Câmara Municipal de São Paulo, que aprovou na quarta-feira (9) projeto do prefeito Ricardo Nunes (MDB) que prevê a regulamentação do funcionamento das dark kitchens —as cozinhas industriais de restaurantes, muitas delas compartilhadas e direcionadas apenas ao atendimento por delivery.

A regulação do serviço já não era sem tempo. Dark kitchens proliferaram desordenadamente pela cidade durante a pandemia.

Se por um lado reduzem custos de produção e prazos de entrega, boa parte dessas cozinhas tornou-se um tormento à vizinhança. São comuns, noite adentro, relatos de barulho de carga e descarga; fortes odores, fumaça e imóveis próximos impregnados de gordura; vaivém frenético de entregadores sem qualquer estrutura de apoio.

O bem-vindo regramento, contudo, acabou eclipsado por um jabuti polêmico. A peça aprovada, que ainda aguarda segunda votação, inseriu um limite de 85 decibéis —o equivalente a um secador de cabelos— nas cercanias de grandes shows e eventos. O índice é superior ao que vigora no zoneamento de certas regiões da capital.

A ampliação aparenta ter sido delineada sob medida para resolver imbróglio envolvendo o Allianz Parque, estádio do Palmeiras.

A prefeitura paulistana tem tentado afrouxar o ruído permitido no entorno da arena. Além de jogos de futebol, o complexo é palco de grandes espetáculos musicais e tem recebido multas devido a infrações ao limite sonoro da região, cujo teto é de 55 decibéis.

O artifício legislativo da gestão Nunes também provocou reações estrepitosas na oposição. Vereadores argumentam que não há correlação entre um assunto e outro e prometem levar o caso à Justiça.
Fábio Riva (PSDB), líder do governo, rechaçou as críticas e argumenta que as duas pautas fazem sentido, já que "regulam a sociedade e as atividades econômicas".

São Paulo se firmou como sede de grandes eventos, inclusive internacionais, e decerto impactos financeiros devem ser observados.

O que causa espécie é a forma açodada com que se lida com tema sensível, que exige debate e afeta a qualidade de vida dos paulistanos.

Lula ainda está no palanque

O Estado de S. Paulo

Como se estivesse em campanha, o petista desdenha da ‘tal da responsabilidade fiscal’. É hora de parar de fazer comício e demonstrar compromisso com a racionalidade econômica

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu acabar com o clima de lua de mel que havia se criado em torno de sua eleição. Com o fim antecipado do calamitoso governo Jair Bolsonaro, todas as atenções se voltaram para os trabalhos da equipe de transição, a escolha dos nomes que farão parte desses grupos técnicos e, sobretudo, a política econômica que vai nortear a administração petista. Mas a chegada de Lula a Brasília pôs por terra as ilusões de que a responsabilidade fiscal será um marco de seu terceiro mandato.

A nomeação de Geraldo Alckmin como chefe do gabinete de transição havia gerado expectativas positivas sobre o futuro governo, a ponto de conter a desconfiança gerada pela onipresença dos ex-ministros Gleisi Hoffmann e Aloizio Mercadante na coordenação dessas atividades. A escolha do grupo que fará as propostas para a área econômica foi bem recebida, ainda que insuficiente para sanar as incertezas a respeito da condução da economia. As articulações em torno da elaboração de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para retirar os gastos do Bolsa Família do teto de gastos, no entanto, foram malvistas. A tudo isso se somou a dura realidade, com a divulgação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de outubro comprovando a força e a consistência da inflação.

Depois de se reunir com autoridades do Legislativo e do Judiciário, num esforço para resgatar a institucionalidade das relações entre os Poderes, Lula foi ao Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) para encontrar parlamentares. Era o momento para aproveitar a visibilidade que a eleição lhe conferiu para se apresentar como um estadista à altura dos desafios do País que assumirá em menos de dois meses. Suas falas, no entanto, lembraram o período de campanha, quando os candidatos abusam do pensamento mágico para prometer o que podem e o que não podem cumprir. Esse é um papel que Lula perdeu o direito de interpretar a partir do momento em que se sagrou vencedor da disputa presidencial, em 30 de outubro.

“Por que as pessoas são levadas a sofrer por conta de garantir a tal da estabilidade fiscal desse país? Por que toda hora as pessoas falam que é preciso cortar gastos, que é preciso fazer superávit, que é preciso fazer teto de gastos? Por que as mesmas pessoas que discutem teto de gastos com seriedade não discutem a questão social neste país?”, questionou Lula. O presidente eleito fez comparações descabidas, chegando a criticar a existência de metas de inflação e a ausência de um regime de metas para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Voltou também a defender a ideia de que há gastos que precisam ser encarados como investimento, como se questões semânticas fossem capazes de resolver o descalabro fiscal em que o País se encontra. “É um discurso de PT pelo PT, que ignora os apoios recebidos”, definiu a economista Elena Landau, em entrevista ao Valor.

O mercado financeiro reagiu imediatamente. A bolsa despencou, a curva de juros subiu e o câmbio disparou. Em menos de dez dias, toda a boa vontade com o governo eleito acabou. Se Lula pensava em adiar a escolha da composição de sua equipe econômica e dos futuros ministros da Fazenda e do Planejamento para conter brigas entre aliados, seu próprio discurso o emparedou perante os investidores. Agora, somente o anúncio de um nome efetivamente comprometido com a responsabilidade fiscal poderá reverter as péssimas expectativas que se formaram a respeito de seu futuro governo.

Se a construção da narrativa de uma frente ampla funcionou para a eleição, ela é insuficiente para montar um governo de coalizão. Ao insistir em manter um clima de campanha, comportamento que, aliás, lembra muito o de seu antecessor, Lula desmoraliza os esforços de seu próprio gabinete de transição, que vinham sendo bem conduzidos por Alckmin. Responsabilidade fiscal, afinal, não é capricho: é condição obrigatória para reconstruir as políticas públicas devastadas por anos de bolsonarismo. É hora de descer do palanque.

Inflação, um alerta ao novo governo

O Estado de S. Paulo

Acabou a deflação provocada como lance político de Bolsonaro, e a equipe do novo governo deveria ver na desordem de preços um estímulo a mais para cuidar bem das contas públicas

A trégua acabou e a inflação real voltou a aparecer em outubro, depois de três meses de recuo dos indicadores. Puxado principalmente pelos preços de alimentos e bebidas, o custo de vida subiu 0,59% no mês passado, acumulando alta de 4,70% no ano e de 6,47% em 12 meses. Disfarçada por algum tempo, a evolução dos preços no varejo continua apertando a maior parte dos brasileiros – famílias já empobrecidas, endividadas e assombradas pelo risco da inadimplência, do nome sujo e da perda de crédito. A redução de impostos sobre combustíveis, uma jogada essencialmente política, escondeu por algum tempo a gravidade do quadro inflacionário. Mas os números de novo retratam os fatos claramente, como comprova o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

A alta de 0,59% mostrada pelo índice oficial é muito mais que um mero repique setorial, depois de um recuo passageiro. Aumentos de preços foram observados em oito dos nove grandes grupos de bens e serviços cobertos pela pesquisa. Quase todos os componentes do orçamento familiar foram afetados. Com elevação de 0,72% em outubro, o item alimentação e bebidas teve um impacto de 0,16 ponto porcentual, o mais significativo, na formação do IPCA. O grupo vestuário encareceu 1,22%, mas seu efeito no índice final foi de apenas 0,06 ponto. A diferença é facilmente explicável: a comida tem um peso muito maior no dia a dia das famílias e, portanto, na composição do indicador geral.

Não há como avaliar de forma realista a situação das famílias, diante da inflação, sem levar em conta os aumentos acumulados no período recente. O custo da alimentação, por exemplo, subiu 10,32% em dez meses, enquanto o indicador geral, o IPCA, só aumentou 4,70%.

Vale a pena lembrar: o encarecimento da comida é mais sensível, para a maioria das famílias, que a redução de preços (queda de 6,12%) do conjunto TV, som e informática. Esses itens afetam a qualidade de vida, o trabalho e a educação, mas o acesso a alimentos é um desafio imediato. No mesmo período, os preços dos combustíveis de veículos caíram 25,63%, mas as tarifas do transporte público aumentaram 10,36%. Gasolina mais barata pode ter sido um belo presente para quem tem carro ou trabalha com automóvel, mas esse benefício ficou longe da maior parte das pessoas.

A onda inflacionária bastaria para prejudicar milhões, mas outros problemas graves têm pressionado os brasileiros. No mês passado, 79,2% das famílias estavam endividadas, segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Um ano antes esse grupo equivalia a 74,6%. O endividamento pode sinalizar expansão do consumo e da economia, mas hoje é preocupante. Em 12 meses, a parcela de famílias com dívidas em atraso passou de 25,6% para 30,3%, numa situação agravada por juros altos.

O aumento de juros tem sido usado pelo Banco Central (BC) como ferramenta anti-inflacionária. Frear o consumo, a formação de estoques e até o investimento em bens de produção é uma forma consagrada – e dolorosa – de conter os preços.

Mas o efeito é defasado. Pelas projeções do mercado, a alta de preços ao consumidor deve ficar na faixa de 5,60% a 5,80% neste ano e recuar em 2023 para 4,94%. Os juros básicos devem manter-se em 13,75% ainda por algum tempo e encerrar o próximo ano em 11,25%. Essas estimativas deveriam preocupar a equipe do presidente eleito e incentivá-la a ser muito cautelosa no gasto público.

Será difícil baixar os juros mais velozmente no Brasil enquanto as taxas permanecerem elevadas nos Estados Unidos, porque o custo do dinheiro afeta os fluxos de dólares. A inflação americana em 12 meses caiu de 8,2% em setembro para 7,7% em outubro, mas falta saber como a autoridade monetária reagirá a essa novidade, em Washington. De toda forma, o BC brasileiro deverá concentrar-se, prioritariamente, nas perspectivas internas, levando em conta, de modo especial, o comprometimento do novo governo com a gestão prudente de suas contas. Não há notícia clara, por enquanto, desse comprometimento. 

Americanos escolhem equilíbrio

O Estado de S. Paulo

Ao punir os democratas sem referendar os republicanos, eleitores mostram que sua democracia vai bem

Enquanto a apuração das eleições de metade do mandato nos EUA é concluída, a disputa pelo Senado segue apertada e deve ser decidida só em dezembro, num segundo turno na Geórgia. Na Câmara, os democratas devem perder a maioria. Apesar disso, os republicanos estão frustrados. Pela conjuntura econômica e por padrões históricos – o partido do presidente sempre é punido –, seu desempenho deveria ter sido bem melhor.

A questão do aborto – após a Suprema Corte devolver a decisão sobre sua legalização aos Estados – ajudou os democratas em alguns lugares. Sobretudo, a estratégia de denunciar o radicalismo dos republicanos Maga – Make America Great Again, o movimento de Donald Trump – rendeu dividendos. Com efeito, candidatos trumpistas fracassaram em Estados onde a vitória era plausível. No dia das eleições, Trump tripudiou: “Se os republicanos ganharem, eu deveria receber todo o crédito; se perderem, ninguém deve me culpar”. Mas muitos devem estar pensando se não é o contrário. Sua reputação de rolo compressor eleitoral está desmoronando.

De fato, desde que venceu a impopular Hillary Clinton em 2016, Trump só perdeu: primeiro, o controle do Congresso em 2018; depois, a reeleição em 2020. Seus militantes no partido ainda lhe dão alavancagem nas primárias, mas as urnas provaram que ele é incapaz de vencer a desconfiança de republicanos moderados e eleitores independentes, muito menos de virar votos democratas. Durante sua escalada à presidência, muito se falava dos apoiadores envergonhados. Agora, é possível que entre os quadros do partido esteja emergindo o fenômeno inverso: dos opositores envergonhados. Mas eles podem perder a vergonha se encontrarem um adversário competitivo, como o governador da Flórida, Ron DeSantis: combinando populismo conservador com competência administrativa, ele conquistou enclaves democratas e maiorias negras e hispânicas em uma campanha de reeleição esmagadora que transformou um Estado historicamente dividido em republicano.

Enquanto os democratas celebram seu desempenho, o risco é de complacência. Eles acusam os republicanos de exagerar problemas como a economia, a criminalidade e a imigração ilegal, e com razão. Mas exageros só rendem votos quando há algo a exagerar: a inflação de fato está alta; a violência, escalando; e as fronteiras, um caos. E, se os exageros democratas sobre ameaças à democracia também têm base na realidade, é questionável a viabilidade eleitoral de continuar a se apresentar como bastião das liberdades contra o trumpismo, sem que os eleitores comecem a desconfiar de exaustão e oportunismo. Em coletiva após as eleições, o presidente Joe Biden, questionado sobre o que faria diferente nos próximos anos, respondeu: “Nada”.

Ao dividir o governo entre uma presidência democrata e uma Câmara republicana, o eleitorado mostrou mais pragmatismo do que o tribalismo em Washington e nas mídias sugere. Ele forçou as lideranças partidárias a uma solução de compromisso, atando as mãos de um lado e de outro, enquanto busca melhores opções para 2024.

Sinalizações do novo governo inquietam os mercados

Valor Econômico

Abandonar regras fiscais, pedir mais gastos e não indicar rumos é um mau começo

Ao contrário do que se esperava em uma eleição muito polarizada, os mercados financeiros permaneceram em geral calmos durante todo o período eleitoral. Com a vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, começam a se agitar agora, com sinais ruins vindos de declarações de Lula e das pretensões manifestadas por membros da equipe de transição. A bolsa chegou a cair mais de 4% ontem (fechou com perda de 3,35%), enquanto o real se desvalorizou 4,1%. A origem da turbulência é a perspectiva de piora da situação fiscal.

O presidente eleito e sua equipe mostraram muito pouco de seu programa econômico durante as eleições e seguem sem apresentar definições essenciais agora. As intenções de consertar o péssimo e inadministrável orçamento de 2023, deixado por Jair Bolsonaro, com cortes gigantescos em saúde, educação e programas sociais parecem ter se transformado em outra coisa. Na prática, não se discute o orçamento em si, mas uma licença para gastar que preencha as lacunas atuais da peça orçamentária.

Lula e sua equipe parecem querer cumprir suas promessas eleitorais quase todas de uma vez e antes mesmo de tomar posse. A maneira de fazer isto é mais uma vez, como Bolsonaro já fizera com fins eleitorais, furar o teto de gastos, com uma Proposta de Emenda Constitucional que retire uma série de despesas dos limites estabelecidos. É unanimidade que o Auxílio Brasil, para o qual não há dotação para pagar os R$ 600 atuais, mas R$ 405, deveria ter complementação de recursos de qualquer forma. Mas outras promessas de campanha poderiam esperar ou serem reformuladas ao longo do novo governo, como é o caso da isenção do Imposto de Renda até a faixa dos 5 salários mínimos, e a política de aumento real para o mínimo.

Com R$ 100 bilhões é possível suprir não só o Auxílio Brasil (R$ 52 bilhões) como R$ 150 por filho de famílias inscritas no programa (R$ 18 bilhões), prometidos por Lula. Mas a equipe do governo eleito parece estar decidida a pedir cobertura de R$ 175 bilhões - retirando o novo Bolsa Família definitivamente do teto de gastos. Com isso, os R$ 105 bilhões inscritos no orçamento para o programa, para pagamento de R$ 405, ficariam livres para impulsionar gastos gerais. Ontem, o senador Wellington Dias, responsável pela negociação do orçamento pelo governo eleito, disse que há a pretensão de elevar para R$ 100 bilhões os investimentos, para os quais estão alocados R$ 22,4 bilhões na peça atual.

As emendas parlamentares somam R$ 38 bilhões e as do relator, o orçamento secreto, joia da coroa do Centrão duramente atacado por Lula em campanha, são R$ 19 bilhões. Após encontro com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), Lula disse que sequer vê o “centrão” - são todos deputados eleitos, iguais aos outros -, enquanto a presidente do PT, Gleisi Hoffman, se apressou em afirmar que o PT não terá candidato à sucessão na Câmara. A PEC de Transição é também uma forma de fugir do problema e manter transferência de recursos nas sombras para políticos dos partidos fisiológicos nas mãos de Lira.

O governo abdicou assim de discutir o orçamento e de tentar a via dos créditos extraordinários, tida como juridicamente insegura. Parece ter deixado para depois a isenção do IR e a correção do salário mínimo, mas todos esses movimentos ocorrem sem dar indicações do formato de sua política fiscal após derrubada do teto. O presidente eleito disse anteontem que, se depender dele, “no dia 2 de janeiro a gente já está colocando obra para funcionar... Muitas coisas que as pessoas falam que é gasto, eu acho que é investimento”.

Ontem, em discurso que provocou instabilidade nos mercados, Lula indagou: “Por que as pessoas são obrigadas a sofrer para garantir a tal da responsabilidade fiscal deste país?”. Antes, criticou a reforma da previdência, para dizer depois que, para ele, a regra de ouro “é garantir que nenhuma criança vá dormir sem tomar um copo de leite e acordar sem ter o que comer”.

Todos os sinais somados indicam que para o governo eleito parece não haver restrições orçamentárias relevantes ou fragilidades fiscais. E despreocupação com o fato de a inflação estar ainda fora da meta (6,47% em 12 meses até outubro) e que uma política fiscal expansionista impedirá que ela caia logo ou obrigará o Banco Central a manter juros muito elevados por mais tempo.

Lula deveria indicar para aonde vai sua política econômica ou apontar seu ministro da Fazenda. Abandonar regras fiscais, pedir mais gastos e não indicar rumos é um mau começo.

 

Um comentário:

Anônimo disse...

Qualquer um pode perceber que o Lula quer atingir o prêmio Nobel por ter acabado com a fome no Brasil. Por que a dúvida se está na cara?