O Globo
A grande vulnerabilidade de um banco
central é a pressão de governantes sobre a condução da política monetária
Uma das novidades da proposta do novo
arcabouço fiscal foi o relaxamento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), um
importante legado do governo FHC. Pela proposta, o descumprimento das metas de
resultado primário (exclui o pagamento de juros) não implicará qualquer punição
ao Executivo, bastando o Presidente da República encaminhar ao Congresso uma
mensagem apresentando as razões para isso e as medidas de correção.
Tampouco será obrigatório o
contingenciamento de despesas quando o cumprimento da meta estiver ameaçado,
conforme apontado pelos relatórios de avaliação bimestral do Tesouro. Caso
aprovada, a regra valerá para os demais Poderes, o Ministério Público e a
Defensoria Pública.
A ausência de punição enfraquece a própria regra de ajuste de despesas contida na proposta, que estabelece que se o resultado primário ficar abaixo do intervalo de tolerância (+/- 0,25 pp) da meta, o aumento de despesas no ano seguinte ficará limitado a 50% do crescimento da receita primária – importante lembrar o piso proposto de 0,6% para o crescimento das despesas reais (corrigidas pela inflação).
Há grande espaço para empurrar o problema
para frente, sendo que a cada ano, uma nova meta fiscal, menos ambiciosa,
poderá ser estabelecida na Lei de Diretrizes Orçamentárias.
Trata-se de retrocesso institucional
esgarçar o, já frágil, conjunto de regras que disciplinam o orçamento público.
De quebra, preocupa o precedente aberto para medidas na mesma direção em
estados e municípios.
O governo minimiza o problema afirmando que
o mesmo modelo funciona para o regime de metas de inflação, já que, no seu
descumprimento, o BC precisa apenas escrever uma carta ao ministro da Fazenda.
Porém, são situações muito distintas.
Problemas diferentes exigem soluções diferentes.
A grande vulnerabilidade de um banco
central é a pressão de governantes sobre a condução da política monetária.
Afinal, juros artificialmente baixos podem aquecer temporariamente a economia,
trazendo ganhos políticos. Daí o papel da autonomia do BC, para criar blindagens
a pressões externas.
Não faria sentido punir os dirigentes do BC
pelo não cumprimento da meta, pois a taxa de inflação não é uma variável sob
seu controle direto. O BC não poderia reduzir a inflação do mesmo modo que o
Ministério da Fazenda pode cortar gastos.
O BC administra seu instrumento, que é a
taxa de juros Selic, para, indiretamente, controlar a inflação, e isso em meio
a muitas incertezas. Não apenas pela ocorrência de choques – como mudanças nos
preços internacionais e nos gastos públicos –, mas também porque o efeito do
remédio não é totalmente preciso e previsível.
Há vários canais de transmissão dos juros
para a inflação – como o do crédito, do câmbio, das expectativas – e cada um
tem suas especificidades (potência e timing para materialização), que, por sua
vez, podem variar diante de diferentes circunstâncias. Não é algo estável e
automático, tornando mais complexa a tarefa do BC.
Por exemplo, a alta de juros pode ter
efeito mais modesto no crédito face ao aumento dos desembolsos do BNDES. Outro
exemplo é a menor responsabilidade fiscal do governo produzindo uma elevação na
taxa neutra de juros (aquela que nem acelera, nem freia o crescimento
econômico). São fatores de difícil antecipação e identificação.
Tomando o momento atual, questiona-se se os
canais da política monetária estão funcionando adequadamente, já que o ritmo da
desinflação está aquém do esperado. Causa incômodo a relativa rigidez da
inflação de serviços (7,6% anual), tendo em vista, não apenas os juros altos,
mas o comportamento favorável da inflação de outros itens que costumam
impactá-la, como alimentos e alguns preços administrados.
Já o Ministério da Fazenda exerce o
controle direto no resultado fiscal, ainda que longe de ser pleno, tendo em
vista a elevada rigidez de gastos, previstos em lei, e as decisões dos demais
poderes que acabam gerando novas despesas.
Exatamente por isso é ainda mais importante
o papel da LRF, para dar maior capacidade ao Executivo, sob a escrutínio do
Tribunal de Contas da União, para dificultar a criação de novas despesas e para
incentivar reformas estruturais voltadas a conter gastos obrigatórios.
Em meio a tantas dificuldades para
controlar as despesas, a nova regra fiscal deveria reforçar a LRF, e não
enfraquecê-la.
Um comentário:
Lendo e aprendendo.
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