Valor Econômico
Bolsonarismo segue forte ao construir
narrativas anti-PT
A forma desastrada com que o governo Lula
(PT) anunciou a taxação das varejistas chinesas e depois recuou é atestado de
um modelo político ainda analógico e que não soube lidar com as redes sociais.
Mais do que lamentar o impacto na popularidade do governo e as consequências
econômicas, os petistas precisam aprender as lições do “caso Shein” para não
repeti-las na reforma tributária, na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do
8 de janeiro, no marco fiscal e outras pautas que surgirão no Congresso.
A direita mostrou extrema eficiência para usar essas armas contra o governo. O caso das joias sauditas mal chegou à opinião pública, ocupada discutindo os preços da gasolina. Apoiadores radicais do ex-presidente foram os responsáveis por invadir e depredar as sedes dos três Poderes, mas a pressão das redes ajudou a coletar as assinaturas para a CPMI dos atos golpistas e construir a narrativa de que é o governo Lula quem tem algo a temer. As invasões do Movimento dos Sem Terra (MST) deram coesão ao agro na antipatia ao PT e resultarão em outra CPI ruim para o governo do partido.
O caso da Shein precisa ser estudado mais a
fundo pelo governo para que não se repita. Lula tinha ali um ótimo motivo para
endurecer com as chinesas e arrecadar R$ 6 bilhões por ano. Parte desses sites
burla a fiscalização, sonega impostos e prejudica com concorrência desleal as
empresas que geram empregos no Brasil. A moça de baixa renda paga barato por
uma blusinha? Paga, mas corre o risco de não ter renda para comprá-la porque a
varejista brasileira fechou a loja da sua cidade e nem ter remédio no posto de
saúde para seus filhos porque o imposto não foi pago pela classe média que se
aproveita da mesma brecha.
A linha de argumentação do Ministério da
Fazenda estava correta, mas, a partir daí, faltou de tudo na comunicação - a
começar por um pouco de noção. O secretário da Receita, Robinson Barreirinhas,
menosprezou o impacto da medida e a anunciou numa entrevista exclusiva ao Uol
publicada no meio da Páscoa. Janja, num ato de voluntarismo, tomou a iniciativa
de responder a um perfil simpatizante no Twitter para “explicar” que quem vai
pagar o imposto “é a empresa e não o consumidor”, virou meme e quebrou a
narrativa do governo sobre combater a sonegação. O ministro Fernando Haddad
fechou o caixão da ideia com uma fala elitista de que só conhecia a Amazon, onde
comprava “um livro todo dia”.
O governo tinha ao seu lado as grandes
varejistas brasileiras, muitas em crise, fechando lojas e ameaçando demissões,
além da indústria, mas não articulou com elas nenhuma resposta para defender a
medida. Leu-se, aqui e acolá, mais por iniciativa da imprensa do que por reação
coordenada, entrevistas com algum grande empresário a favor de frear a
“concorrência desleal”. Nenhuma campanha publicitária, site ou nem sequer um
manifesto veio a público. Parlamentares da mirrada base aliada não sabiam como
responder aos protestos de eleitores nas redes. A direita, por outro lado, deu
propulsão aos ataques, criou memes e fez chegar a grande parte da população que
o governo do PT, “aquele do Estado grande e dos grandes desvios”, quer taxar
até a blusinha baratinha ou a unha postiça que vinha da China.
A popularidade já frágil de Lula caiu, com
a Shein como grande responsável, e o jogo de empurra sobre a culpa correu forte
nos corredores de Brasília. A Secretaria de Comunicação reclamou que não foi
avisada previamente, a Fazenda queixou-se da falta de reação oficial e o
presidente decidiu enterrar a medida e trocá-la por um “aperto” na
fiscalização.
Batalha perdida, esperava-se que o governo
ajeitasse a casa para os próximos embates. No mesmo dia em que divulgou que
desistiu de acabar com a brecha usada pelas varejistas chinesas, Lula falou
besteira em reunião com governadores sobre os ataques as escolas e disse que
“não tem game falando de amor”, só game “ensinando a molecada a matar”. A barulhenta
e ativa comunidade gamer, tão importante na eleição, foi à loucura e está há
uma semana atacando o petista com memes - e há aqueles que lembram, em
contraste, que Bolsonaro diminuiu os impostos do setor.
Foi outro caso utilizado pela direita para
desgastar o petista e até os influenciadores digitais simpáticos a Lula
criticaram, mas não houve reação oficial, nem sequer para mostrar a contradição
da direita, já que foram dois governadores bolsonaristas que primeiro citaram
os games na reunião como culpados pelos ataques.
Não é preciso ser especialista em mídias
digitais para ver que o governo do PT tem problema crítico de mobilização
política pós-eleição. A taxação do e-commerce é impopular, mas havia espaço
para construir uma narrativa que a tornasse palatável (ou a reforma da
Previdência não causava protestos?). Se na campanha eleitoral havia
influenciadores, celebridades e subcelebridades espontaneamente defendendo as
pautas de Lula diariamente. Hoje há falas isoladas, elogios a políticas públicas
e cobranças e críticas a que todo governo está sujeito, mas o grosso da
mobilização acabou e só quem vive da polarização política segue de fato ativo.
Enquanto isso, as redes da direita continuam coesas nos ataques ao PT e o
bolsonarismo mantém-se vivo mesmo com um Bolsonaro apagado.
“Desenhando pela milésima vez: o governo
Lula tem uma enxurrada de notícias boas todos os dias. A falsa sensação de
‘crise’, ou de mau momento, é porque estamos perdendo a NARRATIVA!”, protestou
na sexta-feira o deputado federal André Janones (Avante-MG) pelo Twitter, dias
após voltar de viagem à China com Lula. Janones cobra coordenação mais eficaz
nas redes, mas o PT o escanteou após a eleição.
A falta de militância digital mais eficiente e coordenada trará consequências sérias. Qual será a narrativa dos atos golpistas após a CPI do 8 de janeiro? Como ficarão o marco fiscal e a reforma tributária, com a imagem já consolidada de que o PT pretende ampliar a arrecadação de impostos? Não há dinheiro do Orçamento ou cargos suficientes para convencer um Congresso já arredio se a pressão dos eleitores nas redes for pela oposição a Lula e ao PT.
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