O Estado de S. Paulo
A crítica construtiva é sempre válida. Pregações do caos, ao contrário, alimentam as expectativas quanto a cenários de crise fiscal e econômica que não têm sentido
Estamos longe do céu de brigadeiro na
economia. Contudo, é impositivo rejeitar a pregação do caos. A lógica do
“quanto pior, melhor” é péssima para o País. Os números atestam que as ações e
sinalizações do governo na política fiscal estão na direção certa. Não há crise
fiscal.
Essas pregações costumam surgir de modo quase
coordenado. A intensidade e o peso das tintas são variáveis, mas o teor geral é
o mesmo. De crise iminente à tragédia completa, há discursos para todos os
gostos no espectro do catastrofismo.
Quem conhece economia e tem acesso a informações e análises de boa qualidade facilmente conclui que o Brasil tem bons indicadores, tanto no balanço de pagamentos quanto nas contas fiscais. O momento é de reconhecer os avanços e planejar o futuro, não de espinafrar tudo que o governo faz, inclusive quando acerta.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
aprovou nove matérias tributárias no Congresso em 2023. A tributação dos fundos
fechados, por exemplo, é uma correção histórica de benesse praticada pelo
Estado em favor dos mais ricos.
A arrecadação está crescendo a 8,5% acima da
inflação. Do lado das despesas, já se anunciou um corte relevante, ainda para
2024, de R$ 12,1 bilhões líquidos. A meta fiscal deste ano será, muito
provavelmente, cumprida.
No dia 26 de julho, foram publicados
normativos pela área da Previdência e Assistência para tratar dos vazamentos
ocorridos no Benefício de Prestação Continuada (BPC), com aval do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, por óbvio.
A crítica construtiva, a meu ver, é sempre
válida. Pregações do caos, ao contrário, alimentam as expectativas quanto a
cenários de crise fiscal e econômica que não têm sentido. Estão descartadas por
Sua Excelência, o fato. Equilíbrio no balanço de pagamentos, reservas
internacionais elevadas, inflação controlada e contas públicas em processo de
ajuste.
O problema fiscal é conhecido e deve ser
discutido em profundidade. A despesa pública cresce e suas componentes
principais são rígidas. Trata-se dos chamados gastos obrigatórios, a exemplo
dos benefícios sociais e previdenciários. A receita, por sua vez, só terá
recuperação permanente e estrutural na presença de um crescimento econômico
mais elevado, o que dependerá de juros menores a motivar o investimento.
Contudo, as ações tomadas desde o ano passado
na área fiscal têm surtido efeito. O déficit primário passará de R$ 230 bilhões
para R$ 58 bilhões entre 2023 e 2024.
Ora, eu mesmo tenho dito que o déficit
primário só será permanentemente sanado a partir de medidas pelo lado do gasto.
O governo está anunciando ações nessa matéria. Vamos ignorá-las, quando o bom
senso recomendaria enaltecê-las, colaborando com sugestões e críticas que
permitam reforçá-las?
O déficit primário precisa se transformar em
um superávit relevante a médio prazo. A própria Lei Complementar n.º 200/2023
(novo arcabouço fiscal) manda que a geração de resultados primários seja
condizente com a estabilização da dívida sobre o PIB em até dez anos.
Se o governo erra, mostremos em quê, com
clareza, apresentando alternativas, sugestões e saídas possíveis. Se acerta, no
entanto, não cabe reconhecer e mostrar como os preços dos ativos, do dólar e os
juros futuros devem reagir às boas ações e indicativos?
A pregação do caos tem razões que a própria
razão finge desconhecer.
Mansueto Almeida, meu coautor no livro
Finanças Públicas: da Contabilidade Criativa ao Resgate da Credibilidade
(Record, 2016) e ex-secretário do Tesouro Nacional, acertou em sua fala
recente: “O mercado precifica um cenário de quase crise fiscal, que não é
verdade”.
Nas últimas semanas, tivemos: a) compromisso
público do presidente Lula, em mais de uma ocasião, com a responsabilidade
fiscal e as regras vigentes; b) anúncio do contingenciamento e do bloqueio de
gastos, de R$ 12,1 bilhões líquidos, no âmbito do relatório bimestral do
Orçamento; c) portarias da área de Previdência e Assistência para estabelecer
um pente-fino no BPC; e d) anúncio de revisões de gastos de R$ 25,9 bilhões
para o ano que vem.
A quem aproveita a pregação do caos? É hora
de trabalhar pelo País e não de torcer contra. A pregação já avança também
sobre a questão dos juros, contemplando suposta necessidade de elevá-los,
quando até as pedras sabem que estamos operando com uma política monetária
contracionista, isto é, sob juros reais mais altos do que a taxa neutra, aquela
abaixo da qual a economia namora a inflação. Ao contrário, após observar as
decisões sobre os juros nos Estados Unidos, será a hora de, mantido o
compromisso fiscal, internamente, voltar a reduzir a Selic.
Há muito por fazer, mas o que já começou a
acontecer tem de ser registrado e devidamente precificado. Como eu mesmo já
escrevi neste espaço, não é o caso de se criar um ambiente de rinha de galo com
o mercado, mas de dançar, como na gafieira, sem pisar no pé, de parte a parte.
Se a temperatura subir, o bolero pode dar lugar ao samba. Só não vale
inviabilizar a gafieira acionando as trombetas do apocalipse.
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