O Estado de S. Paulo
Lula lidou com a Venezuela sem obedecer a princípios morais
Não há opções fáceis nem boas na questão da
Venezuela e qualquer operador razoavelmente profissional em relações externas
se empenharia em não tornar mais complicada uma situação já difícil. Foi o que
Lula fez ao minimizar a fraude eleitoral cometida pela ditadura de Nicolás
Maduro.
Lula é um operador apenas da própria imagem e, como tal, tem uma irrestrita confiança na própria capacidade de “moldar” retoricamente os fatos. Desta vez não conseguiu. Ao contrário, sua imagem foi consideravelmente abalada mesmo nos setores políticos condescendentes com qualquer coisa que ele diz, e dispostos a aceitar qualquer “escorregão” do presidente.
O que parece indicar dois fenômenos
relacionados um ao outro. Lula fez uma leitura completamente equivocada da
amplitude dos acontecimentos na Venezuela, tanto do ponto de vista doméstico
quanto internacional. E a “flauta mágica” com a qual se acostumou a encantar
plateias de vários tipos (em geral, falando o que elas gostariam de ouvir)
parece que não funciona mais como antes.
Quais seriam as possíveis causas que possam
ajudar a entender como um político com tanta experiência, como Lula, frustra
uma audiência que sempre lhe foi simpática e, ainda por cima, limita suas
opções diante de um complexo contexto, como o da Venezuela?
Uma causa evidente é o ranço ideológico,
típico de uma esquerda ultrapassada e retrógrada que julga ser sua razão de
existir se opor “aos ianques”, e que o impede de ver os fatos. Lula nunca foi
considerado
“de esquerda” pelos velhos quadros do
Partidão (os comunistas de Luiz Carlos Prestes), manteve sua visão de mundo
segundo a qual o sistema internacional é uma luta de classes de ricos contra
pobres, conduzida pelos Estados Unidos.
A outra causa do crasso erro cometido em
relação à Venezuela é a certa “solidão” vivida pelo presidente, que não dispõe
mais do mesmo Estado-Maior com pensamento estratégico e cálculo político da
velha-guarda do PT. Nessa questão específica, quem o aconselha sofre do mesmo
ranço e da mesma limitação de horizontes.
Todo operador experiente de política externa
sabe do dilema entre “moralidade” e “pragmatismo”. Ou seja, não é possível
pensar em relações com outros países apenas do prisma dos “princípios”. Mas
também não cabe fazer de conta que eles não existem, ou que não importem (o
desfecho da última Guerra Fria é um bom exemplo disso).
É isto que tornou a situação da Venezuela tão
complicada para o Brasil. O problema para Lula não é o fato de ter sido
“pragmático” e, com isso, ter ofendido princípios morais. O problema é a falta
deles.
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