Em uma análise detalhada, Sachs argumentou que a
narrativa de "roubo" por parte de outros países, repetida com
insistência por Donald Trump e sua camarilha, máscara um problema estrutural
muito mais profundo: A irresponsabilidade fiscal crônica de Washington. Essa,
segundo ele, é alimentada por gastos militares descontrolados por décadas a
fio, a falta de lógica nos contumazes cortes de impostos para os mais ricos e
uma cultura política que ele define, sem rodeios, como "gangsterismo corrupto
e plutocrático".
Sachs inicia sua crítica desconstruindo o déficit em conta corrente dos EUA, que atingiu valores superiores a 1 trilhão de dólares em 2023. Para ele, a ideia de que esse déficit resulta da explicação simplista de que "países que roubam os EUA", como uma retórica central de Trump, não apenas é falsa, como revela uma incompreensão fundamental dos princípios mais básicos da macroeconomia, outros economistas coadunam essas críticas e ainda falam em falta de conhecimento histórico, dissociação cognitiva, quando não a simples e total idiotice mesmo.
Ter um déficit em conta corrente significa, literalmente,
que os EUA gastam mais do que produzem, Isso ocorre porque a taxa de poupança
americana é baixíssima, o governo opera com déficits orçamentários monumentais,
e o país vive no crédito e na necessidade de um consumo crescente e irrefreado.
O economista traça um paralelo direto entre os gastos federais insustentáveis e
o desequilíbrio comercial, o déficit orçamentário do governo, que ultrapassou
US$ 1,7 trilhão em 2023, é financiado por empréstimos internacionais, como a
venda de títulos da dívida do país, uma engrenagem que pressiona o valor do
dólar, barateia as importações e desequilibra a balança comercial.
Enquanto Washington continuar gastando trilhões na
máquina de guerra e sua indústria armamentista, em subsídios a aliados de
ocasião, em 800 bases militares ao redor do mundo e em cortes de impostos para
os mais ricos em território local, esse buraco do déficit comercial persistirá,
pior se ampliará, até a inevitável implosão, Trump culpa a China, México ou
Alemanha, mas o problema está no espelho. Essa frase, quando isolada, ganha
ainda mais força. Ela simboliza o âmago da crítica: A exportação da culpa para
encobrir um desgoverno fiscal interno e crescente.
Sachs não poupa críticas ao que chama de complexo
militar-industrial desgovernado, que consome mais de US$ 1 trilhão anualmente.
Isso inclui guerras prolongadas no Oriente Médio, manutenção de uma rede de
bases militares globais e contratos bilionários com empresas privadas de
defesa. “Somos uma nação que gasta como se estivéssemos em guerra permanente,
mas cobrimos esses custos com dívida, não com impostos.” E não é por acaso a
beligerância estadunidense, para manter os números absurdos gastos desse
complexo militar do país, guerras têm que ser inventadas, promovidas ou
apoiadas.
Paralelamente, ele denuncia a erosão da arrecadação
provocada pela evasão fiscal dos ultra-ricos, facilitada por uma Receita
Federal – IRS, propositalmente enfraquecida por cortes de orçamento, é um
sistema projetado para transferir riqueza para o topo, enquanto o resto da
população paga a conta desta festa. Um dos exemplos mais simbólicos desse
desequilíbrio é o pacote de cortes de impostos de 2017, aprovado sob o primeiro
governo Trump, que beneficiava majoritariamente grandes corporações e
indivíduos de alta renda, esses cortes têm projeção de aumentar o déficit
federal em 4 trilhões de dólares até o final dessa década, segundo o
Congressional Budget Office – CBO. “Trump quer tornar esses cortes permanentes,
o que só agravará o buraco fiscal, é um ciclo perverso, corta-se impostos para
os ricos, gera-se déficits, culpa-se outros países pelo desequilíbrio comercial
e, em seguida, impõem-se tarifas que prejudicam justamente os trabalhadores que
ele prometeu proteger”.
O economista é categórico ao definir tarifas como
"impostos sobre os consumidores". Quando se aumentam os custos de
produtos importados, como automóveis e eletrônicos, transfere-se a conta
diretamente para o cidadão comum. Ele ilustra: “Suponha que você compre um
carro japonês por 30 mil. Com uma tarifa de 25%, o preço salta para 37,5 mil.
Se optar por um carro nacional, pagará 35 mil por um modelo similar, que na
verdade é muito mais caro que antes da tarifa, pois as montadoras aproveitam a
redução da concorrência para elevar preços e aumentar suas margens de lucro.”
Um exemplo simples, mas eficaz, se dá na necessidade da indústria americana
pelas peças estrangeiras em suas linhas de montagem. Seus custos
logicamente vão se elevar, isso prejudica a competitividade externa dos seus
veículos, reduzindo obviamente as exportações, resultando em menos opções para
o consumidor dentro e fora dos Estados Unidos, e resultando em uma subida geral
dos preços do produto “automóvel” no mundo.
O resultado é previsível, o consumidor paga mais, mesmo
quando compra produtos nacionais, ao reduzir a concorrência, as tarifas
enfraquecem o incentivo à eficiência e à inovação, além disso, o protecionismo
tarifário logicamente vai desencadear retaliações. Em 2018, após os EUA imporem
tarifas ao aço e alumínio, a China respondeu com barreiras a produtos agrícolas
americanos, atingindo em cheio os produtores. O governo teve de intervir,
gastando 28 bilhões de dólares em subsídios, recursos oriundos, claro, dos
próprios contribuintes, elevando ainda mais a dívida do país. “É um tiro no pé:
o estado gasta mais para remediar os danos de uma política que supostamente
deveria ajudar a economia e só a piora”.
A promessa de que tarifas vão reduzir o déficit comercial
ignora um princípio elementar, o comércio internacional é bilateral, mas os
efeitos fiscais são sistêmicos. Se os EUA importam menos da China, também
exportarão menos para lá, já que os chineses terão menos dólares, bem como
interesse político para comprar os produtos. A estrutura do déficit comercial
não muda de país, ela contamina outros, sua causa raiz permanece, assim essa
política fiscal expansionista e insustentável cria um desequilíbrio global
contínuo, endividando a médio e longo prazo muitos outros países.
Sachs não se limita à crítica econômica, ele também
questiona o processo institucional pelo qual as tarifas são impostas. A
Constituição dos EUA confere ao Congresso o poder de legislar sobre impostos,
no entanto, Trump frequentemente contorna o legislativo, invocando razões de
segurança nacional para impor tarifas unilateralmente, a autoridade fiscal está
sendo usurpada por uma figura executiva que se comporta como um monarca
absolutista. Essa prática fere os princípios básicos da democracia representativa
e escancara a fragilidade institucional diante de lideranças populistas, e
demonstra ao mundo que os EUA estão perigosamente na direção e com bastante
velocidade de destruir por dentro sua democracia.
Ao desmontar a retórica protecionista de Donald Trump,
Sachs nos força a olhar para os desequilíbrios internos que alimentam as
vulnerabilidades externas dos Estados Unidos. O déficit comercial não é a
causa, ele é o efeito visível de uma política fiscal descontrolada, de uma
estrutura tributária regressiva e de uma cultura política que prioriza o poder
sobre a responsabilidade. Ao culpar países estrangeiros, o discurso populista
desvia a atenção dos verdadeiros culpados, que são décadas de decisões fiscais
equivocadas, sustentadas por lobbies corporativos e elites econômicas e
militares que moldam as regras em benefício próprio.
As tarifas, longe de oferecerem proteção
real, funcionam como uma cortina de fumaça, uma forma de projetar culpa e
acabam por punir os mais vulneráveis. Elas sacrificam os consumidores,
encarecem a vida cotidiana e perpetuam o ciclo vicioso de dívida, desigualdade
e ineficiência econômica. No fim das contas, o que o economista Jeffrey Sachs,
que nada tem de esquerdista, é a denúncia do espelho quebrado que é a
governança estadunidense, onde o reflexo da verdade está distorcido por
interesses e ilusões, e onde o custo da negação é pago por todos, mas piorou de
uma forma aparentemente simples, a volta ao poder da extrema-direita americana,
referendado maciçamente pelo voto popular.
*Advogado, ex-secretário executivo de Direitos Humanos de Pernambuco.
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